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A Ascensão de Arturo Ui, levada à cena pelo Teatro da Didascália e encenada por Bruno Martins, é bem mais que uma história de gangsters de Chicago. A peça, de Bertolt Brecht, célebre dramaturgo alemão, é uma parábola da ascensão da extrema-direita. O texto dramatúrgico não deixa grandes equívocos quanto ao contexto histórico e político que lhe deu mote. A peça de 1941 (em plena II Guerra Mundial) situa a sua narrativa nos anos 30, no momento em que Adolf Hitler, líder do partido nazi, chega ao poder, vai disseminando formas de opressão, produzindo inúmeras manifestações de totalitarismo, eliminando os seus opositores e em que se antecipava a “Solução Final” (“Endlösung”), a última fase do Holocausto: o extermínio em massa.
Contudo, não se enganem, não é, ou, pelo menos, não é apenas, de um retrato histórico estático que se trata. Empurrando-nos para a ficção, a peça de Brecht leva-nos para um lugar que não é passado nem futuro, é presente. À nossa frente, e a encenação de Bruno Martins muito contribui para esse resultado, temos um mundo frenético, onde a informação circula, nos meios de comunicação social, nas redes sociais, mas também nas várias do poder central e municipal, à velocidade da luz, onde a sociedade procura, de forma desenfreada e acrítica, o escândalo, transmitido quase em tempo real e de preferência em direto, um mundo onde o povo se deleita com a política transformada em fait divers…
Arturo Ui, natural do Bronx, é um gangster que quer conquistar a cidade de Chicago e controlar o negócio da couve-flor, e que procura, com ajuda de um fiel seguidor, Ernesto Roma (interpretado, de forma enérgica e fulgurosa, por Eduardo Breda), ávido de sangue, chegar ao coração do cidadão comum, adaptando o seu discurso, com uma facilidade e uma rapidez desconcertantes, às massas. Como recorda Bruno Martins, «Arturo Ui, gângster e personagem central desta peça, compreende bem, tal como os populistas, a importância de agradar às massas em detrimento das elites intelectuais».
O espetáculo, narrado com a energia imparável (nas várias personagens) do ator Pedro Couto, é construído a partir desse ritmo, dessa velocidade furiosa e captura o público com a ironia, a ironia que nos leva a rir do monstro, Arturo Ui, (interpretado, de forma convincente, por Gonçalo Fonseca), que vai ganhando força a cada cena. A personagem central da ação conta com um séquito de seguidores fundamentalistas, com o apoio de comerciantes oportunistas acoplados à sua reputação construída com base na intimidação (interpretados pela promissora Luísa Guerra, que explora o sarcasmo com grande eficácia e pela, envolvente, Diana Sá) com o silêncio, comprado com base na ameaça, de um homem outrora honesto, que se vende e perece pelo sonho de uma casa de campo no meio dos choupos, o velho Dogsborough (interpretado pelo experiente e seguríssimo Valdemar Santos).
Olivier Neveux, no seu texto «A política escamoteada? Dramaturgias de Ui», discute esta hipótese da farsa invisibilizar a dimensão política do espetáculo ou relegar a reflexão para uma forma de «simplificação do fascismo». E pode, efetivamente, a incompreensão acomodar-se na confortável cadeira do humor. O humor ocupa um espaço central no texto em apreço, mas não só não compromete as ideias antifascistas da peça, como lhes confere uma dimensão tenebrosamente familiar. A peça a espoleta no espectador a estranha inquietação que nos vem da sensação da proximidade, no presente, das armadilhas do discurso populista encarnado por um homem sem escrúpulos. A narrativa é fulgurante e vigorosa, mas essa energia é ultrapassada pelo arrepio do realismo. É esse realismo que nos vence, a intrigante perceção de que é tão fácil chegar aquele lugar onde, com a conivência de tantos, talvez até com a nossa paralisia ou apatia, a democracia fracassa.
Com excelentes interpretações de Diana Sá, Eduardo Breda, Gonçalo Fonseca, Luísa Guerra, Pedro Couto e Valdemar Santos.
É uma peça obrigatória e carregada, como poderão ver, de presente, e é esse presente que a torna tão urgente. Não percam!
O espetáculo terá a sua última apresentação no Teatro Carlos Alberto, no Porto, no dia 12 de novembro, pelas 16 horas, mas outras oportunidades se seguirão a esta matiné: no dia 18 de Novembro, às 21:30, estará no Teatrão, em Coimbra; 24 e 25 de novembro, às 21h30, na Casa das Artes de Famalicão e no dia 2 de dezembro, às 21h30, no Cine Teatro João Verde, em Monção.
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