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Quando pensamos em saúde, habitação ou emprego, todos reconhecemos que as decisões políticas mexem diretamente com a nossa vida. Mas quando se fala de cultura, muitos ainda acreditam que é um tema de artistas ou instituições. Nada mais enganador. A cultura não é luxo: é um direito. E, no próximo dia 12 de outubro, ao votar, estaremos também a decidir o destino desse direito — e, com ele, o futuro da nossa democracia.
NUM TEMPO DE INQUIETAÇÃO
“Os piores perderam o medo e os melhores perderam a esperança.”
A frase é de Hannah Arendt, escrita há mais de setenta anos em As Origens do Totalitarismo, mas parece escrita para estes tempos que são os nossos. Vivemos um presente tenso e fragmentado, em que os pilares da vida democrática — liberdade, diversidade, confiança pública, direito à crítica — são colocados em causa.
A polarização social, a desinformação tóxica, a instrumentalização ideológica da cultura e da memória, a erosão da confiança nas instituições e a disseminação impune do discurso de ódio estão a corroer o espaço público. Não se trata de sinais dispersos, mas de peças de um mesmo puzzle regressivo, que mina a base civilizacional das democracias.
O mais recente relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) confirma, para Portugal, um aumento alarmante de manifestações de ódio. Os piores, de facto, perderam o medo: artistas agredidos à porta de teatros, escritores e bibliotecários ameaçados, livros infantis atacados. E tudo isto em plena Europa democrática, onde a Cultura — espaço de liberdade e diálogo — começa a ser vista como campo de batalha.
Mas se os piores perderam o medo, os melhores não podem perder a esperança. Nem a voz.
AINDA HÁ LUGAR À CULTURA COMO RESISTÊNCIA
Prova disso foi a carta aberta que, em junho, cinco organizações culturais portuguesas dirigiram às Ministras da Administração Interna, da Justiça e da Cultura, denunciando a violência simbólica e material de grupos extremistas e reafirmando que o Estado tem o dever de proteger os espaços culturais como lugares de liberdade e cidadania. Assinada por mais de três mil pessoas, essa carta não foi apenas uma denúncia — foi uma convocatória. Uma convocatória para não recuar, não calar e não ceder.
Porque a Cultura é política, mas não pode ser politizada.
É política porque intervém no mundo, questiona, ilumina zonas de sombra, propõe caminhos. É política quando pensa a liberdade, a justiça, a memória e a diferença. Mas não pode ser capturada por lógicas de poder ou por agendas ideológicas que a instrumentalizam. Quando isso acontece, a Cultura deixa de ser espaço de pluralidade para se tornar palco de obediência.
CULTURA E DEMOCRACIA
É por isso que este é um tempo de escolhas. Escolher entre uma Cultura frágil, vulnerável e instrumentalizável ou uma Cultura robusta, autónoma e emancipadora. Essa escolha manifesta-se nas políticas públicas que desenhamos, nas palavras que escolhemos dizer e nas instituições que decidimos proteger.
Como lembra o relatório “State of Culture”, da Culture Action Europe, sendo a Cultura um pilar da democracia, ela não pode continuar “sistematicamente subfinanciada, politicamente instrumentalizada e simbolicamente fragilizada”. Pelo contrário, deve ser entendida como infraestrutura essencial para um desenvolvimento sustentável, justo e resiliente.
A Cultura é, a par da Educação, uma das mais poderosas infraestruturas da democracia. É através dela que as sociedades constroem sentido, projetam futuro e reconhecem a diferença. É também nela que se jogam as grandes disputas do presente: entre memória e esquecimento, entre liberdade e censura, entre diversidade e uniformização.
A DIMENSÃO LOCAL DA ESCOLHA
É neste contexto que as eleições autárquicas de 12 de outubro assumem uma relevância acrescida. São as autarquias que, nas últimas décadas, têm sustentado a rede de bibliotecas, museus, equipamentos e festivais que estruturam a vida cultural portuguesa. E, no entanto, a Cultura continua (olimpicamente) ausente do debate político.
Saberemos, verdadeiramente, em que projeto cultural estamos a votar?
Que papel atribuem os candidatos à Cultura na inclusão social, na educação, na coesão territorial, na valorização da diversidade? O que propõem para garantir a liberdade artística, proteger os profissionais do setor e consolidar a Cultura como um Direito Humano fundamental?
A resposta raramente é clara. A Cultura surge nos programas eleitorais como promessa vaga, subsumida à lógica do investimento ou do entretenimento. Mas trabalhar na área da Cultura não é dinamizar eventos — é investir em significado, em relações e em futuros possíveis.
Sem Cultura, não há verdadeira transformação social ou territorial. A Cultura é o que nos permite imaginar coletivamente, reconhecer-nos na diferença e sonhar juntos quando tudo à volta parece empurrar-nos para o medo e para a fragmentação. É na Cultura que reside a nossa capacidade de resistência, de empatia e de esperança coletiva. E é, por isso, que a Cultura não é mero ornamento. É estrutura. E, sem ela, a democracia perde a sua voz.
Assim, no próximo dia 12 de outubro, quando escolhermos os representantes locais, lembremo-nos de que não votamos apenas em administradores de serviços. Votamos também na visão cultural que queremos para as nossas comunidades, na Cultura que queremos viver e nos direitos culturais que queremos ver respeitados.
Suzana Menezes
É Secretária Metropolitana para a Cultura, Património e Criatividade, na Comissão Executiva Metropolitana do Porto. Entre 2019 e 2023 foi Diretora Regional de Cultura do Centro. Entre 1995 e 2018 exerceu funções na Câmara Municipal de S. João da Madeira, tendo sido chefe de divisão da cultura entre 2009 e 2018, assumindo a direção e gestão do Museu da Chapelaria e Museu do Calçado (entidades que concebeu), dos Paços da Cultura, da Casa da Criatividade e da Biblioteca Municipal. Entre 2011 e 2015 assumiu, cumulativamente, a função de Diretora Executiva da Oliva Creative Factory. É licenciada em Comunicação Social, Mestre em Museologia e Doutorada em Estudos Culturais.Integrou em 2014, o Núcleo de Investigação em Políticas Culturais, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho e é autora de várias publicações e artigos e palestrante em cursos, seminários e colóquios, nacionais e internacionais.
Foto: © Suzana Menezes
Autor: Fernando José Pereira
Exposição: O Arquipélago que Ressoa: Fernando José Pereira
Local: Centro de Arte da Oliva, S. João da Madeira
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