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António M Cabrita: a escuta, o pensamento e o futuro do Teatro Viriato

Por

 

Pedro Mendes
10 de Outubro de 2025

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António M Cabrita: a escuta, o pensamento e o futuro do Teatro Viriato

À frente da direção de programação do Teatro Viriato, António M Cabrita tem vindo a reforçar uma linha de programação que cruza pensamento, emoção e presença, num tempo em que o digital tende a afastar-nos do encontro físico. Em conversa com o Coffeepaste, fala da importância das residências artísticas, do ciclo Libertem as Crianças, da aposta na acessibilidade e dos desafios de programar num modelo exemplar, mas financeiramente pressionado. Mais do que balanços pessoais, sublinha a ideia de continuidade e de coletivo: o Teatro Viriato, diz, “tem tudo para continuar a ser”.

Que balanço fazes da tua passagem à frente da programação até agora? Que conquistas destacarias?
O balanço é muito positivo. Esta casa, este projeto, tem uma característica muito importante que é a autonomia da direção de programação, e isso tem sido dos aspetos mais robustos de um projeto com estas características ao longo dos últimos anos. Isso permite-me desenhar a programação a partir da escuta dos artistas. É o lado mais bonito: dar voz às várias dimensões, às vontades de cada artista e de cada projeto que aqui acolhemos ou coproduzimos.

Não penso em conquistas como algo individual. Se conquistei alguma coisa, foi perceber que este projeto tem tudo para continuar a ser. Isso para mim é uma conquista, mas não é minha, é de todos os que aqui trabalham e trabalharam. Eu sou apenas mais uma parte desse todo.

O ciclo “Libertem as Crianças”, inspirado na obra de Carlos Neto, propõe uma reflexão sobre o direito ao brincar e ao imaginar. Como nasceu esta ideia e o que esperas que provoque junto da comunidade escolar e artística?
A programação que está a decorrer foi desenhada pela anterior direção artística, embora tenha existido espaço para a incorporar na minha visão. Este projeto já existia, mas ganhou ainda mais escala, porque se liga muito ao que queremos afirmar para o futuro do Teatro Viriato.

Reconhecendo a importância do pensamento do Carlos Neto, pareceu-me fundamental dar-lhe ainda mais espaço e ponderamos realizar este ciclo de reflexão de dois em dois anos. Vivemos numa fase em que o digital se impõe cada vez mais e às relações humanas perdem dimensão física e presencial. Por isso, refletir com a comunidade escolar, pedagogos, e encarregados de educação, acerca do brincar e a imaginação como direitos é, para mim, uma responsabilidade cultural e social nos dias de hoje.

O programa de residências Mi Casa Tu Casa tem-se afirmado como um eixo fundamental do Teatro Viriato. Que balanço fazes do impacto destas residências para os criadores e para a cidade?
É um programa essencial no Viriato. Por um lado, dá aos artistas um espaço de excelência com todas as condições para criar e permite-lhes desenvolver uma relação muito especial com a cidade. Há aqui algo difícil de explicar: a energia humana com que o Teatro recebe. A proximidade dos técnicos, da produção, da comunicação, cria um ambiente que, no momento da criação, é tão, ou por vezes mais importante do que o próprio espaço de trabalho – estúdio, ou palco. É importante destacar que os períodos de criação em residência, são por vezes o momento mais importante de um processo de criação de uma obra, por vezes o primeiro encontro do artista com a obra que vai criar.

Por outro lado, há ensaios abertos quando os artistas o querem, e isso cria pontes com a comunidade, com outros artistas locais e até com a própria equipa do teatro. No fundo, é a forma que temos de contribuir, disponibilizando um espaço e uma equipa com grande rigor técnico para que os artistas possam trabalhar com tempo e qualidade, numa cidade fora da azáfama dos grandes centros urbanos.

A temporada aposta também em cruzamentos disciplinares, como o documentário Côa Selvagem ou o cineconcerto de Segundo de Chomón. Como pensas este diálogo entre artes performativas, cinema e pensamento?
A relação entre artes performativas e pensamento, em essência a meu ver, natural, mas considero que um projeto de programação artística deve ampliar essa dimensão. O cruzamento entre disciplinas abre novos campos de perceção e permite trabalhar também a subjetividade do pensamento.

Não se trata de valorizar mais o pensamento objetivo ou o subjetivo, mas de criar espaço para ambos. O pensamento, enquanto metodologia programática, não é um fim em si: é uma ponte de mediação entre a obra e o público, e vice-versa. O teatro, enquanto lugar de fruição, também não é um fim em si, deve alimentar o pensamento crítico, mas igualmente proporcionar experiências emocionais e sensíveis.

Estas duas propostas são exemplos disso: o documentário “Côa Selvagem” informa, mas ao mesmo tempo convoca uma dimensão imagética que nos liga emocionalmente ao mundo natural. Já o cine-concerto “Segundo de Chomón” é uma viagem pelo campo subjetivo, deixando-nos a flutuar entre estímulos visuais e musicais. No fundo, cada uma destas propostas intermediais abre novos sentidos para o público.

A música tem presença forte. Que papel ocupa a programação musical no equilíbrio artístico do Viriato?
A música é uma linguagem que todos conhecemos, mas ao vivo ganha sempre outra dimensão, através do encontro e proximidade entre artista e público. É uma experiência que abre campos emocionais muito fortes.

No Viriato temos música em diferentes linguagens, da canção de intervenção ao jazz ou às linguagens eruditas, e é isso que a torna tão importante no equilíbrio da programação. Por um lado, porque faz parte da nossa vida diária, por outro, porque aqui, no nosso palco, acontece fora do campo digital, na presença e na partilha ao vivo.

No editorial da programação referes que o Teatro é um espaço para “reflexão, diálogo e partilha do que somos, fomos e queremos ser”. Como tens concretizado essa visão ao longo da tua direção artística?
Esta programação vem ainda da anterior direção. Eu contribuí com alguns ajustes. Mantive todos os compromissos e até alguns que já se projetam para 2026. No editorial escrevi um texto que, no fundo, vai beber de tudo o que já estava proposto, e isso tem também a ver com a minha própria natureza: gosto de construir sentidos a partir daquilo que possa não ter sido inicialmente pensado por mim. Aliás, essa foi sempre a base do meu trabalho enquanto criador, a cocriação ou a colaboração artística.

Esse é também o papel de um programador: saber, de forma empática, colocar-se como espetador da sua própria programação. Foi isso que fiz quando aqui cheguei.

O que me interessa é que exista uma linha dramatúrgica que, no seu todo, nos permita fazer essa viagem reflexiva entre obras, artistas e públicos. Quando olhamos para propostas como “May B”, “hOLD”, “Empregos Modernos” ou “Quero um piano”, percebemos como dialogam com o passado, o presente e o futuro, tocando em algo comum a todos, a nossa humanidade.

O Teatro Viriato tem investido na acessibilidade – LGP, audiodescrição, legendagem. Até que ponto esta aposta tem transformado a relação do público com o teatro?
A acessibilidade é um eixo fundamental da forma como o Viriato se posiciona. Temos feito um esforço artístico, técnico e financeiro para oferecer ferramentas como LGP, audiodescrição e legendagem. É verdade que a procura ainda não corresponde ao que esperávamos, mas isso também nos tem levado a refletir com parceiros sobre como chegar melhor a esses públicos.

Apesar disso, a relação com as comunidades de pessoas com deficiência mantém-se muito forte. Em 2026, iremos coproduzir projetos em que a própria obra será concebida de raiz com estas dimensões de acessibilidade incorporadas no dispositivo cénico. A ideia é que todos os espectadores, incluindo aqueles que não recorrem habitualmente a estes recursos, vivam a experiência a partir dessa perspetiva. No fundo, trata-se de inverter o ponto de partida, não acrescentar acessibilidade “a seguir”, mas integrá-la desde o início, como linguagem artística e como lugar-comum de experiência por todo o público.

Quais foram os maiores desafios de programar em Viseu, e como vês o papel do Teatro Viriato no panorama cultural nacional?
O maior desafio é claramente financeiro. Em 2022, a inflação foi muito elevada e nos anos seguintes ficou sempre acima dos 2%, o que torna a gestão financeira de projetos sem fins lucrativos um verdadeiro desafio porque, simultaneamente, a elevada inflação não é acompanhada por um aumento do financiamento público.

O Teatro Viriato é gerido pelo CAEV, uma associação privada, num modelo de parceria entre Estado, Município e sociedade civil. Foi um modelo inovador em 1998, que deu ao teatro um orçamento sólido e, acima de tudo, autonomia para cumprir uma missão de serviço publico de cultura. Este modelo continua a ser exemplar e devia ser replicado.

O problema é que os patamares de financiamento da DGARTES e do RTCP estão congelados, e nós já estamos no máximo que podemos aceder. Sem atualização, teremos de repensar a programação. Ainda não chegámos a esse ponto, mas é preciso discutir a sério estas questões: acompanhar a inflação nos contratos de apoio e reforçar a lei do mecenato.

O que gostarias de deixar como marca do teu trabalho quando, um dia, passares o testemunho?
Não penso em marcas pessoais. Assumi a direção de programação com uma visão muito clara, este é um projeto de continuidade e de equipa. O Teatro Viriato tem uma equipa de excelência, e isso esteve sempre na sua génese, quando aqui cheguei e agora enquanto diretor. O que procuro é que isso se mantenha, e que, a partir do seu lado humano, o Teatro Viriato continue a ser.

Foto: © Carlos Fernandes

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