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Carlos Viana: pensar o mundo a partir de Melgaço

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Pedro Mendes
26 de Julho de 2025

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Carlos Viana: pensar o mundo a partir de Melgaço

Em 2025, o MDOC — Festival Internacional de Documentário de Melgaço — volta a afirmar-se como um dos espaços mais singulares de encontro entre o cinema e o território, entre a criação contemporânea e a memória coletiva. Numa edição - de 28 de julho a 3 de agosto - que assinala os 20 anos do Museu de Cinema Jean-Loup Passek, a homenagem ao crítico e historiador francês cruza-se com uma programação intensa, que traz a Melgaço filmes de 23 países e temas que atravessam fronteiras geográficas e humanas — da guerra à migração, da resistência feminina à reconstrução da identidade.

Mas o MDOC é mais do que um festival de cinema. É um espaço de pensamento e ação, onde se desenvolvem projetos como o “Quem Somos os que Aqui Estamos?”, a residência cinematográfica com Pedro Sena Nunes, o curso de verão “Fora de Campo” e novas redes internacionais, como o VIVODOC.

À conversa com Carlos Viana, da organização do festival, mergulhamos no espírito de uma edição que olha o mundo com atenção crítica, sensibilidade artística e um compromisso profundo com o lugar onde tudo acontece: Melgaço.

 

Este ano o festival presta homenagem a Jean-Loup Passek com a estreia do filme O Homem do Cinema, do José Vieira. Que importância teve Passek para o festival e para a criação do Museu de Cinema de Melgaço?
Jean-Loup Passek, historiador e crítico de cinema, foi o grande impulsionador do Museu de Cinema de Melgaço, que hoje leva o seu nome e celebra duas décadas de existência. Movido pelo desejo de criar um “museu sentimental” dedicado à sétima arte, concretizou esse sonho no centro de Melgaço, graças à sua profunda ligação aos emigrantes portugueses e ao apoio do Município.

O MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço – nasce precisamente como uma extensão natural desse legado. A existência do museu inspirou a criação do festival, que, todos os anos, atrai a Melgaço cineastas, investigadores e um público interessado no documentário contemporâneo. Essa dinâmica promove o encontro entre a criação artística atual e a memória cinematográfica preservada pelo museu, reforçando o papel de Melgaço como lugar de encontro entre o passado e o presente do cinema.

Estão em competição 33 filmes de 23 países, todos com temáticas muito fortes e atuais. Como é que tu e a equipa fazem a curadoria da programação? Que critérios pesam mais na escolha?
O MDOC seleciona filmes que expressam a visão singular dos realizadores sobre temas sociais, individuais e culturais, explorando especialmente questões de identidade, memória e fronteira. Nesse sentido, a programação reúne uma multiplicidade de perspetivas que abordam questões como a identidade se constrói entre vivências pessoais e coletivas; qual o papel da memória como ferramenta de preservação e resistência, e como a fronteira — geográfica, cultural, social têm impacto na definição (e transformação) da condição humana.

Sendo que todos os filmes internacionais têm aqui a sua estreia nacional, sentes que o MDOC se está a afirmar cada vez mais como um ponto de entrada para novos olhares no documentário em Portugal?
Embora o festival não exija estreias, é verdade que a programação procura novos olhares, principalmente sobre histórias e temáticas atuais que convidam à reflexão sobre o que somos, de onde viemos e como enfrentamos o presente.

As temáticas deste ano vão desde os ecos do Holocausto à guerra na Ucrânia, passando pela condição das mulheres refugiadas e pelas memórias do conflito israelo-palestiniano. Para ti, qual é o papel do documentário no debate sobre estas realidades?
O documentário é uma forma de expressão que tem um papel importante quando se trata de discutir temas difíceis e atuais. Ele ajuda a manter viva a memória histórica, oferecendo espaço para as pessoas contarem as suas experiências e refletirem sobre acontecimentos traumáticos — como em Bedrock (Kinga Michalska, 2025), My Memory is Full of Ghosts (Anas Zawahri, 2024) e Afterwar (Birgitte Stærmose, 2024).

Além disso, dá voz a pessoas e grupos que muitas vezes não têm espaço para contar as suas histórias, como vemos em Mi Hermano Ali (Paula Palacios, 2024) e Cutting Through Rocks (Sara Khaki, 2025). E também pode servir como uma forma de denunciar injustiças e abusos de poder, como fazem Mr. Nobody Against Putin (David Borenstein, Pavel Talankin, 2025), Holding Liat (Brandon Kramer, 2025) e Flowers of Ukraine (Adelina Borets, 2024).

O documentário, além de ser um objeto artístico, pode assumir um papel no debate público. Ao apresentar narrativas sobre eventos históricos, conflitos contemporâneos e questões sociais, o documentário desafia preconceitos, estimula a reflexão crítica e pode ser uma ferramenta para a compreensão e o diálogo sobre as realidades do nosso mundo.

O projeto “Quem Somos os que Aqui Estamos” continua ativo, com sessões de cinema ao ar livre, exposições e recolha de histórias. Que impacto tens sentido que esta iniciativa tem nas freguesias e nas pessoas de Melgaço?
O projeto “Quem Somos os que Aqui Estamos?” tem recebido um reconhecimento que nos incentiva a continuar e aprofundar o trabalho desenvolvido. Inicialmente concebido para ser realizado ao longo de um ano em cada freguesia, temos constatado a necessidade de prolongar esse período de envolvimento com as comunidades locais.

Na freguesia de Alvaredo, por exemplo, o projeto teve início em 2024 e resultou na edição de um livro de fotografia, na produção e exibição ao ar livre de 12 Fotografias Faladas (vídeos em que os habitantes comentam imagens em que estão retratados), bem como na inauguração de uma exposição construída a partir da recolha e digitalização de álbuns fotográficos familiares.

Em 2025, o projeto prossegue na mesma freguesia. Foram digitalizados mais álbuns, está prevista uma nova exposição, a projeção de mais Fotografias Faladas e a publicação de um novo livro dedicado a Alvaredo.

Acreditas que o documentário pode ser uma ferramenta de valorização e reconstrução da memória local?
O documentário pode ser uma ferramenta para valorizar e reconstruir a memória local, ao funcionar como registo histórico, espaço de reflexão crítica e expressão da identidade cultural. Mais do que apenas preservar o passado, o documentário tem a capacidade de o reinterpretar, tornando-o presente e significativo.

Quer adote uma abordagem poética, política ou testemunhal, o documentário possibilita contar histórias, dar voz a quem viveu experiências passadas e, assim, contribuir para o fortalecimento da identidade e da coesão comunitária, através da valorização da memória coletiva.

Este ano, há uma nova residência artística com o realizador Pedro Sena Nunes e várias equipas no terreno. Qual é a importância desta aproximação entre criadores e território? E como se constrói um trabalho cujo resultado só vai ser mostrado em 2026?
O MDOC escolheu a produção de documentários como um dos principais elementos da ligação do festival ao concelho de Melgaço e à sua população. E fê-lo através da residência cinematográfica e da residência fotográfica Plano Frontal. O projeto reúne equipas de jovens realizadores, técnicos de som e de imagem que, ao longo de dez dias, criam documentários e projetos fotográficos centrados em pessoas e temas locais. Essa metodologia promove uma construção colaborativa das narrativas com os próprios habitantes, refletindo as suas experiências, memórias e identidades. Até ao momento, foram produzidos 38 documentários, todos disponíveis no portal Lugar do Real, formando um arquivo dinâmico da cultura local.

Durante o festival, os filmes são exibidos em vários espaços de Melgaço, como a Casa da Cultura e diferentes freguesias, proporcionando à comunidade a oportunidade de se reconhecer nas histórias apresentadas e de participar nesse processo de devolução de imagens.

A exibição na mostra brasileira MDOC/São Paulo amplia ainda mais a visibilidade dessas narrativas, estabelecendo conexões interculturais. A seleção de alguns desses filmes para festivais reforça o reconhecimento e a valorização externa do trabalho desenvolvido.

As imagens captadas durante a rodagem deste ano serão trabalhadas nos próximos meses pelas equipas, sob a orientação do Pedro sena Nunes, realizador e tutor do projeto, até atingirem a sua forma final, com estreia prevista para o MDOC de 2026.

O curso de verão “Fora de Campo” tem vindo a ganhar peso dentro do festival. Este ano, conta com nomes como Amália Córdova (Smithsonian), Luiz Joaquim (FUNDAJ) ou Renato Athias. O que é que vos motiva a apostar nesta dimensão formativa e crítica?
O festival tem mantido na sua estrutura, desde a primeira edição, uma ligação à investigação e a práticas criativas no âmbito do Cinema, das Ciências Sociais, das Artes e das Ciências da Comunicação e, o Curso de Verão, integra a temática geral do MDOC - Identidade, Memória e Fronteira.

Esta edição, ao abordar o tema Cinema e Território procura fazê-lo em múltiplas perspectivas, o que explica a diversidade dos participantes convidados para Melgaço.

Um dos temas abordados foi o cinema indígena. Que tipo de diálogo é que procuraram criar com essa proposta?
Ao integrar o cinema indígena, o curso amplia a noção de "mundo" para além das fronteiras geográficas óbvias, integrando culturas e realidades que, embora distantes fisicamente, dialogam com questões comuns — como a relação com a terra, a preservação das tradições e os desafios sociais — tanto em contextos locais quanto globais.

Este ano assinalam-se também os 20 anos do Museu de Cinema. Como é que olhas para o percurso do MDOC e a relação contínua com este espaço?
A relação entre o MDOC e o Museu de Cinema de Melgaço é complementar. O Museu, dedicado à preservação e divulgação da história do cinema, cria um contexto único para o festival, acolhendo exposições que ampliam o diálogo entre o passado e o presente do cinema.

Já o MDOC dinamiza o museu, trazendo anualmente a Melgaço cineastas, investigadores e um público interessado no documentário contemporâneo. Essa interação promove um cruzamento muito rico entre criação artística e memória cinematográfica.

Onde sentes que o MDOC se posiciona hoje no panorama dos festivais de documentário em Portugal - e até fora do país?
O MDOC ocupa hoje uma posição muito particular no panorama dos festivais de documentário em Portugal. Mais do que um espaço de exibição de filmes, o festival tem-se afirmado como um espaço de diálogo e reflexão e há um compromisso claro com a aproximação entre cinema e as realidades que atravessam o quotidiano, os afetos, as memórias e as tensões do mundo contemporâneo.

Uma das características que nos distingue é a forte ligação ao território. Os projetos “Quem Somos Os Que Aqui Estamos?” e “Plano Frontal” são disso exemplo: desenvolvemos um trabalho contínuo com as comunidades das freguesias de Melgaço, refletindo sobre identidade, pertença e transformação. Damos voz aos seus habitantes através do documentários e as Fotografias Faladas que produzimos e, em vez de nos limitarmos a documentar o passado, procuramos questionar o presente e imaginar o futuro — quem são hoje os herdeiros desta história? Que caminhos estão a construir?

Ao mesmo tempo, o MDOC não se fecha sobre si próprio. Pelo contrário, temos procurado constantemente alargar horizontes, trazer a Melgaço o que de melhor se faz no cinema de não-ficção, e estabelecer pontes com outras geografias. A mostra MDOC/São Paulo é um bom exemplo dessa internacionalização — ela permite que as histórias daqui ecoem noutros contextos e que outras vozes também entrem em diálogo com as nossas.

Costumamos dizer que o MDOC é um festival sem passadeira vermelha, onde realizadores e público se encontram e confraternizam.

Que caminhos é que gostavas de ver o festival explorar nos próximos anos? Há algum desafio que esteja já no horizonte?
Sim, consideramos fundamental que o festival continue a aprofundar o caminho que tem vindo a traçar — um cruzamento entre o documentário, o envolvimento comunitário, o pensamento crítico e a ação cultural. Esse equilíbrio tem sido a base do reconhecimento que o MDOC tem conquistado, não só a nível nacional, mas também além-fronteiras.

Este ano, abraçamos um novo desafio com vista a reforçar e expandir a internacionalização do festival. O MDOC integra o VIVODOC, um coletivo europeu de festivais de documentário que reúne parceiros de Espanha, França, Itália e Roménia, com o objetivo de promover a circulação e o visionamento de documentários europeus.

Na edição de 2025, Melgaço será palco de um Encontro VIVODOC, onde estarão representados todos os festivais membros. Será uma oportunidade para discutir caminhos futuros, desenvolver novos projetos e abrir portas a colaborações com outros parceiros do cinema documental internacional.

A rede VIVODOC é atualmente composta pelo Majordocs (Maiorca, Espanha), Escales Documentaires (La Rochelle, França), Frontdoc (Aosta, Itália), One World Romania (Bucareste, Roménia) e, claro, o MDOC em Melgaço.

Foto: Still de "Ancestral Visions of the Future", de Lemohang Jeremiah Mosese

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