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Minha cara Plath,
Lamento imenso escrever-te sob o peso da tragédia, mas a poesia está firmemente apoiada num tecido frágil que de um momento para o outro pode ruir de uma forma imperceptível. As palavras flutuam e ferem-nos o tempo todo, assim foi e é a nossa vida. O teu nome, muito mais trágico do que o meu, acompanha-me há imenso tempo, acredito mesmo que sejas uma das minhas primeiras poetisas. Foi na faculdade, foi na Livraria Antiga do Carmo, foi ao senhor Ferreira que comprei o teu primeiro livro. Ariel pareceu-me um nome muito bonito para uma obra tão densa e humana. Logo de imediato foi o poema sobre a gaiola aquele que mais me marcou, uma obra de arte tão densa que tomou como uma avalanche, a imagem sugerida como uma renovação da humanidade.
Enfim, sinto que aquilo que aproxima mais os leitores da tua obra é nada menos do que a tua vida, como se importasse mais a biografia do que tudo aquilo que escreveste. Há uma curiosidade mórbida com a tragédia que é perfeitamente compreensível, porém, acredito que isso altera a aproximação, ampliando as circunstâncias em que tudo foi escrito.
Quando andava na faculdade lembro-me de associarem o teu nome ao suicídio, falavam sempre da forma como tinhas morrido, mas nunca abordavam os teus textos, como se não tivessem passado do portão, bastava-lhes saber que tinhas cometido suicídio, e isso deixava-me sempre desesperado. Os meus colegas eram colecionadores de curiosidades, mas nunca de poemas ou textos fundadores, era-lhes mais cómodo saber algumas histórias ao invés de poderem discutir literatura.
Voltando ao teu poema A chegada da gaiola das abelhas, li-o como profundas imagens de humanidade, criaturas presas numa caixa sem janelas que dependem de quem as alimente ou liberte, abelhas que esperam uma decisão. Assombrou-me a descrição que fazes do som das abelhas, pequeníssimas criaturas que não são nada, mas todas juntas formam um corpo gigantesco que assusta as pessoas. Este poema encerra alguns enigmas que nunca decifrei, e em boa verdade, isso não me preocupa, prefiro aproximar-me de ti sabendo que há ideias que jamais entenderei. Talvez esse seja o lado divino da tua obra, todos os mistérios que deixaste para nós. Talvez um dia faça de bom Deus e liberte igualmente as abelhas que estão na minha caixa.
Cada um de nós tem as suas abelhas e eu queria cortar uma Dama da noite porque fazia muito lixo no meu pátio, mas um dia observei como as abelhas se alimentavam daquelas flores, então não cortei, antes fiquei sentado a observar aquele milagre, as pequenas voadoras, as flores, o sol por cima de todos nós. Fiquei emocionado por não ter cortado a alimentação das abelhas, sinto que não interrompi um ciclo. Nesse dia o meu coração foi tomado por uma gentileza divina, um calor num dia frio de outono que me sussurrou para estar quieto, para observar a natureza e as suas pequenas coisas.
Querida Sylvia, a curiosidade leva também as pessoas a julgar as ações dos outros, coisa que eu tento não fazer, por isso olho para o quadro do teu suicídio como um exemplar cuidado para com as tuas crianças. O desespero ou a melancolia de uma vida vazia conduz-nos a um labirinto em que nada faz sentido, por isso tomaste a decisão correta, nada há a fazer quando o coração está irremediavelmente mergulhado na amargura. Existem vazios que não têm qualquer explicação lógica, uma caixa que prende alguém a uma vida sem sentido é uma prisão onde se tortura ininterruptamente. Talvez tenhas sido libertada por um bom Deus, ou tu mesma tenhas sido esse bom Deus que precisavas para ser libertada. A caixa é meramente provisória.
Querida Sylvia Plath, tentarei ao máximo ser um leitor da tua obra, assim como um apaixonado que divulga os teus poemas e partilha a beleza que eles descrevem. Sabendo que são confessionais e que decidiste colocar a tua vida nos poemas, sempre que abrir um livro saberei que estou a falar contigo. Talvez um dia possamos libertar juntos as abelhas.
Um abraço afetuoso do teu amigo e admirador,
Ricardo Cabaça
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