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Depois de Uma Tremenda Caminhada, Cláudia Dias regressa com AMINA, o segundo capítulo de A Coleção do Meu Pai, um projeto de criação de dez anos inspirado nos autores neorrealistas que compõem a biblioteca do pai da coreógrafa. Nesta nova peça, que parte do livro Cerromaior, de Manuel da Fonseca, Cláudia volta a olhar para o território da Margem Sul, convocando as suas tensões sociais, a resistência do quotidiano e a força dos corpos que habitam a periferia.
Entre dança comunitária, palavra, música e política, AMINA constrói uma cidade imaginária feita de realidades muito concretas.
Conversámos com Cláudia Dias sobre o tempo longo da criação, o papel da arte enquanto gesto político e o nascimento da Companhia de Dança do Seixal.
“A Coleção do Meu Pai” é um projeto de criação a dez anos. O que te levou a pensar num ciclo tão longo e que lugar ocupa AMINA dentro desse percurso?
A ideia do tempo longo, aplicada ao contexto da criação artística, nasceu com o ciclo Sete Anos Sete Peças. Com esse projecto percebi que o tempo duracional opõe-se à realidade da produção artística actual, sujeita à lógica capitalista. Para além disso, é um tempo no qual as coisas não acontecem apenas, mas permanecem. Assim, o foco desloca-se do acontecimento para a continuidade. AMINA é a segunda criação do ciclo A Coleção do Meu Pai.
De que forma o livro Cerromaior, de Manuel da Fonseca, te serviu de ponto de partida para esta nova peça?
Do livro Cerromaior retirei a ideia de olhar para um território concreto, tal como Manuel da Fonseca olhou para o Alentejo, mais concretamente para Santiago do Cacém, a sua terra natal. Assim, fizemos o mesmo gesto em relação à Margem Sul, nomeadamente Almada e Seixal, cidades onde eu e o Xullaji crescemos e ainda hoje vivemos. Esse foi o ponto de partida, mas do livro vem também a ideia de trazer as questões prosaicas para o interior da tessitura artística. Como em Cerromaior, AMINA constrói um círculo começando e acabando no mesmo lugar. Foram ainda importadas uma série de palavras que o Xullaji trabalhou transformando-as em canção, sendo que o canto está também presente na obra de Manuel da Fonseca.
O espetáculo propõe uma “cidade imaginária” construída a partir da Margem Sul. Que imagem ou sentimento queres transmitir sobre esse território?
Pretendo dar a ver a realidade da vida das pessoas. As suas dificuldades no acesso à habitação, nos transportes, no acesso à saúde ou à educação. A resistência diária necessária para viver cada dia. Os preconceitos com que se confrontam ou a violência a que estão sujeitas. E isto a par e passo com a turistificação da cidade, a realidade paralela dos nómadas digitais, a terraplanagem das vivências, das memórias e da história. O interesse económico a sobrepor-se às pessoas. E a gaimificação da vida superficializando-a.
Falas da opressão do capitalismo e da vida quotidiana como matéria coreográfica. Como é que transformas estas preocupações políticas em gesto e movimento?
Os artistas com quem trabalho são também as pessoas referidas na pergunta anterior. Não estamos num lugar de bolha ou privilégio a olhar para baixo. Essa opressão está nos nossos corpos. Somos as pessoas vítimas do capitalismo, do racismo e da violência. Mas somos também as pessoas que têm um posicionamento político que nos permite ter uma atitude reflexiva (ou vice-versa). Às perguntas que lançamos damos as respostas a partir das nossas vidas e do que observamos. Somos artistas implicados nas vidas dos outros e na relação entre arte e vida. Não estamos interessados na linguagem pura, despida da realidade. E isso torna a tradução da ideia em movimento ou gesto um processo muito natural e intuitivo porque esse gesto já lá está no corpo.
O trabalho de AMINA nasce de uma antecâmara de investigação coletiva e de sessões de dança comunitária. Como foi esse processo de partilha e o que dele emergiu?
Realizámos algumas sessões de dança comunitária no Miratejo, nas quais experimentámos um dos quadros da peça – uma roda onde se dança de forma livre e improvisada. Um espaço onde os participantes fortalecem os seus laços afectivos, sociais e culturais, evocando períodos históricos de grande opressão e violência. Nessas sessões não participaram muitas pessoas, mas o facto de o estarmos a fazer fora do estúdio e acolhendo outros trabalhou de forma subliminar nos intérpretes. Essa é a minha crença…
Há referências a Mesa Verde de Kurt Joss e a Dias Úteis de Patrícia Portela. Que diálogos quiseste estabelecer entre estas obras e o universo de AMINA?
Com a Mesa Verde o diálogo estabelece-se por nos encontrarmos numa situação económica, social e política instáveis, com o aumento do nacionalismo e do protecionismo, a ascensão da extrema direita, e a guerra, de algum modo análoga aos anos 30 do séc. XX. Tal como a situação de desigualdade permanece e é crescente nos dias de hoje e não algo que ficou lá atras nos anos 40 quando Cerromaior foi escrito. A desigualdade permanece sob outra roupagem, mas estruturalmente ela persiste. O livro Os dias úteis, de Patrícia Portela, mais concretamente o texto Prefácio fora de jogo, foi uma intercorrência no nosso processo criativo, que nos confirmou a ideia de jogo que estrutura toda a peça e o tom irónico da mesma.
Dizes que o tom da peça é “cru, irónico, cínico e indignado”. Queres provocar desconforto no público?
Não, na verdade não tenho uma intenção especifica que queira provocar no público. O público é heterogéneo, composto por pessoas diferentes entre si que rececionarão a peça de diferentes formas. Esse tom resulta antes dos materiais que encontrámos no decorrer da nossa investigação.
AMINA é o primeiro trabalho da recém-criada Companhia de Dança do Seixal. O que te motivou a fundar esta estrutura?
A vontade de alocar o meu trabalho a um território concreto contribuindo, em simultâneo, para o seu desenvolvimento cultural e artístico. Gerar emprego com direitos na área cultural e despertar nas pessoas a consciência dos seus direitos culturais. Assim como fazer escola.
A companhia aposta num programa de formação artística abrangente. Que tipo de artistas queres formar?
O nosso programa formativo ainda não arrancou, mas o nosso objectivo é formar artistas completos, com uma formação abrangente e diversificada, que conecte a dança com outras áreas artísticas e do conhecimento. Artistas comprometidos com a ligação entre arte e vida. Com pensamento crítico e suficientemente punks para construir percursos em contraciclo ao sistema vigente.
Falar de “condições justas de trabalho” em dança continua a ser um ato político. Que desafios enfrentas ao tentar concretizar isso no contexto atual?
Desafios múltiplos. Desde logo financeiros. O trabalho com direitos tem um custo superior ao trabalho sem direitos. Assim como o trabalho em continuidade tem um custo diferenciado do trabalho por projecto.
A falta de entendimento por parte dos poderes públicos, nas suas diferentes escalas, que as estruturas culturais têm problemas sérios de tesouraria e que não podem receber um subsídio ou apoio para uma produção a duas semanas da estreia da mesma.
A lógica de projecto e/ou de evento ao invés de se investir na continuidade e na consolidação do trabalho, que é invisível e não traz votos.
A sujeição das políticas culturais à mera estratégia partidária e/ou eleitoralista.
A falta de visão, conhecimento ou perfil dos autarcas e governantes.
O contexto político actual com o tecno fascismo, que transverte o aparente caracter libertário da internet num instrumento de batalha cultural, que afasta as pessoas do fazer/pensar artístico.
Foto: © Alípio Padilha
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