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Criar a partir do território: conversa com Rita Fialho Valente

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Pedro Mendes
20 de Novembro de 2025

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Criar a partir do território: conversa com Rita Fialho Valente

A quarta edição do Futurama volta a ocupar o Baixo Alentejo com uma programação que cruza tradição, criação contemporânea e um trabalho continuado com comunidades locais. Entre Beja, Mértola e Alvito, o Festival afirma-se como um ecossistema artístico que cresce a partir do território, envolvendo escolas, universidades seniores, grupos corais, associações e uma diversidade de artistas que encontram ali espaço para experimentar, pesquisar e criar em diálogo com quem o habita.

À conversa com Rita Fialho Valente, coordenadora artística do Futurama, percebemos como esta relação se tem aprofundado ao longo dos anos, como as residências transformam participantes e artistas, e de que forma a paisagem, a memória oral e o cante continuam a inspirar novas formas de fazer e pensar arte no Baixo Alentejo.

O Festival chega à 4.ª edição. O que sentes que mudou mais profundamente na relação do Futurama com o território do Baixo Alentejo desde o início?
No início, o Festival chegava ao território talvez com uma certa distância natural: havia curiosidade, vontade de colaboração, mas também alguma reserva, era tudo novo, para nós e para as comunidades. Com o tempo, criámos uma relação de proximidade com as instituições, as associações e as pessoas, mais enraizada no território, o que permite trabalhar com o território num todo. 

Sentimos que o público está mais aberto ao experimental, à mistura entre tradição e criação contemporânea. Isso permitiu que o Futurama se tornasse não só um evento artístico, mas um espaço de diálogo entre gerações, saberes e sensibilidades.

Este ano voltam a destacar-se as residências artísticas em escolas, universidades seniores e cursos profissionais. O que vos interessa neste trabalho continuado com comunidades educativas tão distintas?
O que mais nos interessa neste trabalho continuado com comunidades educativas tão distintas é precisamente a diversidade de olhares, ritmos e formas de aprender que cada grupo traz, que abre possibilidades muito diferentes de diálogo, de criação e de relação com o território.

Ao longo das edições percebemos que estas residências não são apenas momentos de transmissão artística; são espaços de troca e de diálogo, onde artistas e participantes constroem juntos novas linguagens. Nas escolas, encontramos uma energia experimental e uma curiosidade sem filtros. Nas universidades seniores, uma riqueza de memórias e uma ligação profunda à tradição oral e aos saberes locais.

Ao trabalharmos de forma contínua com estas comunidades permite-nos criar vínculos duradouros, acompanhar trajetórias, perceber transformações e fortalecer a ideia de que a criação artística pode ser um elemento estruturante na vida das pessoas, independentemente da idade ou formação. É esta multiplicidade que enriquece o Futurama, e que também integra e empodera as diferentes comunidades locais.

Em Beja, o arranque destaca o programa Artistas nas Escolas. Que impacto tens sentido nos jovens que participam nestes processos de criação?
O programa Artistas nas Escolas abre-lhes espaço para experimentar, questionar e criar fora dos moldes habituais da sala de aula. Descobrem novas formas de expressão e percebem que a criação artística pode ser um território onde a imaginação e a própria identidade ganham lugar.

Em 2024 fizemos um inquérito de interesses anónimo aos alunos do secundário, em que perguntámos sugestões para melhorar as iniciativas voltadas para os jovens e qual o formato em que preferiam participar, e a maioria respondeu que gostaria de ter mais diversidade de atividades e que estas acontecessem em formato de workshops presenciais. O Futurama vem responder a esta necessidade através de um formato de aprendizagem não formal, e igualmente pertinente.

O concerto Cantexto percorre os três concelhos com formações corais diferentes. Como é que esta peça colectiva se transforma de lugar para lugar?
O Cantexto transforma-se de lugar para lugar porque é uma peça ancorada nas pessoas que a interpretam. Embora a estrutura musical seja comum, o resultado nunca é o mesmo: além de cada grupo de cante ter as suas particularidades, os espaços de apresentação em cada lugar são de tipologias diferentes. A acústica de cada local, o modo como o público se envolve e até a memória cultural de cada concelho dão novas camadas à peça. Estreámos em Beja, no Cine Teatro Pax Júlia, espaço que leva a uma apresentação mais institucional; seguimos para o Cine-Teatro da Mina de S. Domingos, num ambiente informal e mais próximo do público; e vamos terminar nas Grutas do Rossio, em Alvito, que vai receber o primeiro espetáculo musical após as obras de requalificação. 

Na Mina de S. Domingos, há um foco especial nas instalações ao ar livre. Como é que o contexto da paisagem influenciou o desenho desta parte da programação?
O território da Mina de S. Domingos marca precisamente pela sua paisagem. Trata-se de um território com uma presença visual e simbólica tão forte que qualquer intervenção artística tem de dialogar com ele, e não simplesmente ocupar o espaço. A escala aberta, a memória industrial, as cores únicas do solo e da água, e o silêncio que envolve todo o espaço criam um ambiente que quase pede obras que respirem, que se estendam no exterior e que deixem a própria paisagem participar.

Procurámos criar um percurso sensorial que permite relacionar a paisagem, a escuta e o corpo. 

Em Alvito, encerram com uma constelação dedicada às práticas orais. O que motivou esta escolha e que tipo de partilha esperas promover?
A escolha da Constelação dedicada à oralidade e ao cante alentejano está ligada aos 11 anos da inscrição do Cante Alentejano como Património da Humanidade, que se comemora a 27 de novembro. Esta data recorda-nos não apenas o reconhecimento internacional do seu valor, mas também a responsabilidade de pensar o futuro do cante: como o preservamos, como o transmitimos e como o fazemos dialogar com as novas gerações. O objetivo não é celebrar o cante apenas como algo do passado, mas como uma prática viva, que continua a evoluir e que precisa de estratégias claras para garantir a sua continuidade. 

O Espaço Futurama, em Beja, é descrito como “centro nevrálgico”. O que acontece ali ao longo do ano que não é visível para o público do Festival?
O Espaço Futurama concentra um conjunto de processos que não são imediatamente visíveis para o público do Festival, mas que tornam tudo o resto possível. É aqui que se desenvolve grande parte do trabalho contínuo: encontros com parceiros locais, levantamento de necessidades das comunidades e diálogo permanente com escolas, associações e criadores do território.

É também um laboratório onde artistas podem testar ideias, recolher práticas orais ou simplesmente habitar o território de forma mais profunda. 

Além disso, o espaço funciona como ponto de contacto para a comunidade: é lá que surgem conversas informais, visitas espontâneas, perguntas, sugestões e contributos que ajudam o Festival responder às necessidades artísticas de Beja e do Baixo Alentejo.

A exposição Vi uma cobra a voar, de Maja Escher, parte da poesia popular. De que forma esta proposta dialoga com a missão do Futurama?
A exposição Vi uma cobra a voar, de Maja Escher, dialoga de forma muito direta com a missão do Futurama, sobretudo com o objetivo de mediatizar o capital simbólico do Baixo Alentejo e promover novas criações enraizadas no território. Ao partir da poesia popular, Maja trabalha com um património que é identitário, e que nem sempre encontra espaço para novas interpretações ou visibilidades contemporâneas.

A artista ao escutar, recolher, transformar e criar,  traduz exatamente aquilo que o Futurama procura estimular: processos de criação que valorizam a memória oral, os imaginários locais e a sensibilidade poética das comunidades, dando-lhes novas formas e novos futuros. A exposição coloca a tradição num lugar de diálogo com o presente, revelando a força criativa que existe no quotidiano e na cultura imaterial da região.

O Festival trabalha com artistas muito diferentes entre si. Como é que se constrói coerência curatorial num ecossistema tão descentralizado?
Trabalhar com artistas muito diferentes entre si é uma escolha deliberada: permite explorar múltiplas linguagens, processos e modos de relação com o público e o espaço, sem que isso comprometa a identidade do Festival. O que une todas as propostas é a sensibilidade ao contexto do Baixo Alentejo, a abertura à experimentação e a aposta em projetos que dialogam com a memória, a tradição e a contemporaneidade do território. A curadoria constrói-se a partir de princípios claros: descentralização, intergeracionalidade, colaboração com comunidades, diálogo entre tradição e inovação.

A programação é gratuita e feita com forte envolvimento local. Que desafios encontras em equilibrar ambição artística, participação comunitária e sustentabilidade?
A programação gratuita permite um acesso amplo e inclusivo, o que é essencial para envolver a comunidade e criar laços duradouros com o território. No entanto, isso exige um planeamento cuidadoso para garantir que cada projeto mantém a sua qualidade e integridade artística, sem comprometer os recursos disponíveis.

A sustentabilidade surge, assim, como um equilíbrio contínuo entre todas estas dimensões: assegurar financiamento e recursos para que os projetos aconteçam, criar redes de colaboração com instituições e associações locais, e, ao mesmo tempo, garantir que a experiência artística é relevante, transformadora e acessível a todos.

Para quem nunca visitou o Futurama, o que recomendarias para captar a essência desta edição?
Para quem nunca visitou o Futurama, recomendaria assistir ao Cantexto. É talvez o exemplo mais claro daquilo que o Festival procura fazer: a criação a partir da tradição.

Todos os anos convidamos escritores de língua portuguesa a criar poemas para cada grupo de cante, a partir do processo de encontro e de escuta, resultando em modas únicas e contemporâneas. Após este processo criativo, a Celina da Piedade, a Ana Santos e o Paulo Ribeiro fazem a composição de cada poema, também ela original.

Esse gesto de criação conjunta torna visível o que está na base do Futurama: a força das práticas comunitárias, a experimentação e a capacidade do território inspirar novas formas de expressão.

Na 4ª edição do Cantexto apresentamos 6 novas modas contemporâneas de Cláudia Lucas Chéu, Lídia Jorge, Miguel Castro Caldas, Pedro Chagas Freitas, Kalaf Epalanga e a Luísa Sobral, para os grupos de cante alentejano Grupo Coral de Mombeja,  Grupo Coral Misto “Searas de Vento” da Aldeia da Trindade, Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias”, Grupo Coral Feminino “Madrigal” de Vila Nova de S. Bento, Grupo Coral “Os Ceifeiros de Cuba" e o Grupo Coral “Os Boinas” de Ferreira do Alentejo.

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