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Daniel Oliveira: Urgência e resistência no cinema ambiental do CineEco 2025

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Pedro Mendes
21 de Setembro de 2025

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Daniel Oliveira: Urgência e resistência no cinema ambiental do CineEco 2025

Durante mais de três décadas, o CineEco tem afirmado o seu lugar como o único festival em Portugal dedicado ao cinema ambiental, trazendo até à Serra da Estrela olhares de todo o mundo sobre a crise climática e os desafios do presente. Na sua 31ª edição, entre 10 e 18 de outubro de 2025, o festival regressa a Seia com 81 filmes em competição e várias novidades que reforçam o caráter urgente e diverso da programação. Conversámos com Daniel Oliveira, um dos programadores do CineEco 2025, sobre os critérios de seleção, os destaques desta edição e o papel do cinema na consciencialização ambiental.

O CineEco chega à 31ª edição. Que desafios encontras em manter a frescura e a relevância de um festival com esta longevidade?
Os desafios são os mesmos de qualquer evento cultural de pequena/média dimensão em Portugal: disputar filmes com festivais de maior dimensão e renome; realizar com uma equipa mais reduzida o mesmo trabalho de festivais maiores com 30, 50 ou 100 pessoas; montar com o orçamento disponível uma programação de primeira linha…. Temos conseguido ano após ano organizar este Festival e, em termos de filmes e relevância, não tem sido difícil manter a frescura e a longevidade até porque as temáticas que sustentam o CineEco são cada vez mais omnipresentes e urgentes. Todos os anos recebemos filmes que revelam novas abordagens sobre os desafios ambientais que atravessam todo o planeta.

Quais foram os principais critérios que usaram na seleção da programação deste ano?
A seleção é feita por uma equipa composta de três programadores: a Cláudia Marques, o Tiago Alves e, eu, Daniel Oliveira. Os principais critérios são a qualidade estética dos filmes submetidos, em termos narrativos e de realização e, claro, a relevância da temática transversal ao festival. Originalidade e abordagens menos óbvias e derivativas da questão ambiental e paisagística também são levadas em conta. Além disso, buscamos estar sempre atentos a uma distribuição o mais equânime possível em termos de género e raça. Nesse mesmo sentido, nas competições de longas e curtas internacionais, tentamos incluir o maior número possível de países/regiões, com base nas submissões que recebemos e na qualidade das mesmas. E, por fim, preocupamo-nos também com a diversidade dos temas e das respetivas abordagens, para que o festival não apresente apenas filmes que foquem uma mesma questão ou um mesmo estilo estético/narrativo.

O que é que a edição de 2025 traz de novo em relação às anteriores?
Neste ano, decidimos programar uma série de sessões especiais, em caráter hors concours, apresentando quatro filmes que debatem temáticas ambientais cuja relevância e urgência mereciam um espaço de destaque específico na programação. Todas elas serão seguidas de um debate com os/as realizadores/as e contarão com a participação de estudantes das escolas de Seia e região. Um exemplo é o documentário “Non-renewable lives (Nature or misery)”, que discute os impactos socioeconómicos negativos da instalação das turbinas eólicas para os agricultores e as comunidades do sul da Espanha. O realizador, Francisco Vaquero Robustillo, já foi premiado no CineEco em 2022 com o seu longa anterior, “Ganado o Desierto”, e vai estar presente em Seia para a sessão.

Outra novidade deste ano é que o CineEco inaugura uma nova identidade visual e um novo website, inspirados pelo universo serrano e pela mitologia céltica. E essa nova identidade deu origem a uma exposição – sobre a qual ainda não podemos falar muito – que vai ocupar o espaço da Casa da Cultura de Seia, onde o festival acontece.

Entre os 81 filmes em competição, quais destacarias como mais surpreendentes ou inovadores?
Esta é uma pergunta muito delicada e difícil de responder exatamente porque os títulos estão em competição. Como programador, diria que todos os filmes são igualmente surpreendentes e inovadores.

A programação inclui obras que vão do drama documental à comédia e à animação. Foi intencional ampliar tanto a diversidade de géneros?
Sim, um dos critérios que seguimos todos os anos reside precisamente na busca de uma maior diversidade possível de géneros, abordagens, estilos e temáticas. Existe um certo tipo de documentário mais jornalístico, por vezes didático, bastante comum neste universo do dito “cinema ambiental” – recebemos muitos filmes assim todos os anos, são muito importantes para o CineEco. Mas se programássemos o festival só com esse tipo de produção, seria provavelmente mais monótono. Para fugir dessa armadilha, tentamos oferecer a programação o mais dinâmica possível, com filmes de ritmos diferentes, universos diferentes, mais sérios, mais densos, mais leves, provocadores ou otimistas – para que, ao longo dos nove dias de programação, o público sinta ter embarcado numa jornada diferente e surpreendente a cada sessão, com toda a diversidade estética que o cinema ambiental representa e produz.

Como procuraram equilibrar a presença de grandes estreias internacionais com produções em língua portuguesa?
Este equilíbrio está previsto no próprio desenho da competição do festival, que contempla longas, médias e curtas internacionais e em língua portuguesa. Neste ano, há estreias importantes dos dois lados: temos longas internacionais como o “White House Effect”, exibido no Festival de Telluride (2024), um dos mais importantes dos EUA, e “The Town that Drove Away”, premiado no prestigiado Visions du Réel (2025); e a estreia em Portugal do filme brasileiro “Tesouro Natterer”, grande vencedor da edição 2024 do É Tudo Verdade, principal festival de cinema documental da América Latina. Nos últimos anos, temos dado cada vez mais destaque às produções em língua portuguesa, exibindo, por exemplo, os longas desta competição à noite, horário nobre, juntamente com as longas internacionais.

Que papel achas que o cinema pode desempenhar hoje na consciencialização e mobilização para as questões ambientais?
O cinema, quando bem feito, gera empatia. Tem o poder de colocar-nos no lugar do/a outro/a, de fazer-nos pensar nas consequências das nossas ações sobre o mundo e sobre as pessoas ao nosso redor – ou mesmo do outro lado do planeta. Emociona, inquieta, questiona. Tira-nos da nossa zona de conforto. Sair de uma sessão com uma série de perguntas e questionamentos – até mais do que com respostas prontas – é sempre um bom começo para uma mudança de comportamento ou uma tomada de consciência.

Notaste tendências ou preocupações comuns nos filmes submetidos este ano?
Muitos dos filmes deste ano lidam frontal e diretamente com o atual cenário político global. “White House Effect”, por exemplo, revela como o negacionismo ambiental tomou conta da Casa Branca, fazendo dos EUA um dos principais responsáveis pela crise climática que vivemos hoje. Já o longa “Black Snow” tem o governo russo, e especificamente Vladimir Putin, como o grande vilão de uma história de destruição e silenciamento de uma pequena cidade do país. O curta “Water will be here tomorrow” mostra os efeitos devastadores da guerra sobre o abastecimento de água de uma cidade ucraniana. São filmes que demonstram como as adversidades e os desafios ambientais que enfrentamos hoje não podem ser desvencilhados da ascensão dos governos autocráticos, autoritários e da crise da democracia que assola o planeta. É um cinema de urgência que tenta, se não responder, ao menos explicar a distopia que estamos a viver.

Outra tendência forte da seleção deste ano é um protagonismo no feminino, tanto à frente quanto atrás das câmaras. Seis das dez longas-metragens da competição internacional são realizados ou co-realizados por mulheres. Quatro dos seis longas da competitiva em língua portuguesa são realizados por mulheres. Na frente das câmaras, isso se manifesta de diversas maneiras, desde mulheres organizando e liderando movimentos de resistência e luta ambiental, como Natalia Zubkova, a protagonista de “Black Snow”; até um longa como a docuficção alemã “Smell of burnt milk”, que retrata uma fazenda administrada por uma mãe e suas filhas adolescentes com um olhar e uma sensibilidade que lembram quase uma Sofia Coppola rural.

O festival acontece na Serra da Estrela, uma região certamente marcada pelas alterações climáticas. De que forma essa realidade se cruza com o CineEco?
A Serra da Estrela, sendo uma região afetada pelas alterações climáticas, oferece um contexto muito relevante para o CineEco. Ao realizar o festival nesta área, há uma oportunidade única de sensibilizar o público local e visitantes para os impactos das mudanças climáticas na sua própria comunidade e ambiente. Além disso, o festival serve como uma plataforma para promover a reflexão sobre soluções sustentáveis e a preservação da natureza nesta região, reforçando a importância de ações concretas para diminuir os efeitos das alterações climáticas. Assim, o CineEco não só destaca as questões ambientais globais, mas também relaciona essas problemáticas com a realidade específica da Serra da Estrela, tornando a mensagem mais próxima e impactante.

O festival tem entrada gratuita e uma rede de extensões pelo país. Que impacto sentes que esta estratégia tem na aproximação do público ao cinema ambiental?
Acreditamos que a entrada gratuita e a rede de extensões pelo país contribuem para tornar o cinema ambiental mais acessível a um público mais vasto. Isto permite que mais pessoas tenham a oportunidade de se informar e refletir sobre questões ambientais importantes, promovendo uma maior sensibilização e envolvimento. Além disso, levar o festival a diferentes regiões ajuda a criar uma ligação mais forte com comunidades diversas, incentivando o diálogo e a ação em torno do ambiente.

Tens percebido um crescimento do interesse do público português por este tipo de cinema?
Existe um interesse crescente do público português, mas não só. Em todo o mundo, as questões abordadas nestes filmes são cada vez mais incontornáveis. Durante o festival, percebemos isso claramente. No ano passado, as pessoas vinham procurar-nos diretamente ao fim das sessões para expressar como se sentiam impactadas e tocadas pelos filmes. Foi algo muito forte e muito marcante. Perceber como o público responde às provocações dos filmes é algo sempre muito gratificante, mas que não é mérito nosso: infelizmente, essas questões são cada vez mais preocupações de primeira ordem na vida de todas as pessoas.

O CineEco procura também ser um espaço de debate e reflexão. Que atividades paralelas destacarias nesta edição?
Além das sessões especiais já mencionadas acima, teremos também uma mesa redonda sobre a tradição do olhar estrangeiro sobre a Amazónia com o jornalista português Manuel Carvalho, que está a lançar o seu livro 'Amazónia: Viagem por uma Ferida Aberta do Planeta'. Devemos contar também com a presença dos realizadores brasileiros Renato Barbieri (“Tesouro Natterer”) e Priscilla Brasil (“Não Haverá mais história sem nós”), cujos filmes giram em torno desse tema. Além disso, sempre promovemos conversas ao final da tarde no jardim da Biblioteca Municipal de Seia com os/as realizadores/as presentes no festival.

Como é o processo de discussão entre os curadores quando há filmes que suscitam opiniões muito diferentes?
Tendemos a concordar mais do que a discordar. Quando há divergência, respeitamos sempre a maioria – somos três, então é um processo bastante democrático. E se um filme desperta um debate muito aceso, é sinal de que há nele algo que não deixa o/a espectador/a indiferente. Portanto, muito provavelmente deve entrar na programação.

Se tivesses de escolher uma palavra para definir esta edição, qual seria?
Duas. Urgência e Resistência.

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