
A edição de 2014 do Doclisboa realiza-se de 16 a 26 de Outubro. Conversámos com Augusto M. Seabra, em representação da Direcção do Festival.
Qual o balanço que fazem das edições passadas do Doclisboa?A afluência de público ao festival ao longo dos anos tem sido uma prova da vitalidade e do interesse pelo documentário. Ao longo destes anos, também foi possível ao festival ir-se transformando e, nessa mutação, ir questionando os próprios conceitos estabelecidos em relação ao género documental e ao mesmo tempo afirmar-se no panorama internacional.
O neo-realismo inspirou parte da edição deste ano. Como surgiu a ideia?O neo-realismo foi um momento fundamental da História do Cinema e não só no cinema italiano. O Doclisboa tem tentado, para além do estrito género documental, apresentar, mais latamente, diferentes abordagens do real e designadamente, aquelas que hoje em dia são chamadas "ficções do real" ou na expressão anglo-americana "docufiction".
É preciso relembrar que a prática de fazer filmes em que existe essa atenção à actualidade, não deixando de haver uma base ficcional, mas onde o primeiro aspecto da atenção ao real e à actualidade acaba por se tornar prevalecente, que tem estado muito presente no Doclisboa, designadamente desde a secção "Riscos" em 2007, fazia já parte integrante da herança do neo-realismo.
Nós apresentaremos filmes de finais dos anos 40, início dos anos 50, em que essa presença é já patente. Além disso, entendemos que um festival como o Doclisboa se deve fazer num diálogo entre o Presente e a História do Cinema.
Quais os principais destaques da edição deste ano?Evidentemente que os destaques têm que ser dados às duas retrospectivas: a retrospectiva dedicada a um grande mestre do documentário, e feita em co-produção com a Cinemateca Portuguesa, o holandês Johan van der Keuken, e a retrospectiva dedicada ao "Neo-Realismo e Novos realismos".
Para além disso, apresentamos o que nos parece ser uma das propostas mais relevantes de todo o percurso do festival que é "O nosso Século XX - O Cinema face à História", com uma série de documentos que abordam momentos marcantes e alguns mesmo extremos do século XX e dos quais ainda somos, quer se queira quer não, herdeiros. Em particular, esse momento limite que foram os campos de concentração nazis, sobre os quais nos é possível apresentar um número raro de filmes.
Além disso, não podemos deixar de destacar as 40 estreias mundiais, das quais 18 são de realizadores internacionais. O festival conta ainda com 12 estreias internacionais, 2 europeias e com 42 filmes portugueses, dos quais 14 estão em competição. Cabe destacar um facto que nos é particularmente grato, que é o numero sem precedente de 14 primeiras obras.
Acresce ainda que, para além de todas as restrições, nos é possível este ano apresentar filmes com uma diversidade geográfica e cultural de origens que faz jus, mais do que alguma vez no passado, ao mote do Doclisboa "Em Outubro, o mundo inteiro cabe em Lisboa".
Nota que os jovens realizadores portugueses têm apostado no cinema documental?Sem dúvida alguma e isso é muito grato. Mesmo numa situação bem conhecida de grave crise da produção de filmes portugueses, o que é certo é que continuam a existir filmes documentais e propostas muito variadas que nos permitem manter quantitativa e qualitativamente, a nível assinalável, a competição nacional.
Qual a importância do documentário no Cinema?É cada vez maior, ao contrário do que as pessoas possam supor pela menor presença dos documentários nos circuitos de distribuição comercial. Nada, aliás, melhor o atesta que o facto de uma das mais relevantes, influentes e históricas revistas de cinema, a "Sight and Sound", que organiza de dez em dez anos uma votação dos dez melhores filmes de sempre - a última das quais em 2012 - ter promovido uma iniciativa inédita, que foi uma similar votação dos dez mais importantes documentários de sempre.
Isso é uma demonstração cabal da importância acrescida do documentário, que está longe de ser marginal ou um gueto, como, aliás, o próprio sucesso na procura do público do Doclisboa ao longo dos anos, o tem também confirmado.
Para finalizar, como conseguiram manter um festival dadas as restrições orçamentais que temos vivido?É uma conclusão de milagres. Faz-se com um orçamento bastante apertado, tendo que aceitar algumas quotas de programação, que poderiam ter sido um risco muito grande para o festival, mas que nos garantiram certos financiamentos a nível europeu, e por uma política generalizada de contenção de custos, sem abdicar de afirmar a importância do festival.
Nesta conjuntura, de facto, bem se pode dizer que este festival só foi possível por um conjunto de milagres e por um enorme esforço, devido ao trabalho da produção, programação e a todos os elementos que constituem a equipa do Doclisboa 2014.
Vejam todas as informações sobre o festival em http://doclisboa.org