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Dois filósofos - ou mesmo três

30 de Dezembro de 2020

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Dois filósofos - ou mesmo três
Por Rui Zink

Sempre que passo pela Alemanha, tento ir visitar um português radicado há trinta anos numa cidadezinha obscura perto de Dortmund, Altena. Mais do que amigo, o Luís é família, e é o mais divertido e o mais pícaro operário metalúrgico jamais visto na cintura industrial do aço e do carvão. Uma espécie de príncipe dos emigrantes. Sábio, ainda por cima, tem a qualidade maior dos sábios: também é louco.

Hoje passei por Altena e o Luís convidou-me para um almoço só de cogumelos. Um hábito local, disse.

– Epá, vais experimentar uma das duas coisas mais alemãs que há. A primeira é ir passear na floresta, como sabes. A segunda é apanhar cogumelos.

E, claro, a terceira, que nem precisava de ser dita: beber cerveja.

Sentei-me então à mesa com uma Warsteiner à temperatura ambiente, ou seja, fria, enquanto ele preparava os cogumelos. Naquela região, para as cervejas, é desnecessário usar frigorífico. Basta deixá-las ao ar livre.

O Luís é um excelente cozinheiro, e os cogumelos cheiravam bem, mas devo dizer que não tinham lá grande ar, espalmados na frigideira, enegrecidos e esponjosos. O que podia não significar nada. Mas, segundo a Wikipédia, «Cogumelo é o nome comum dado às frutificações de alguns fungos dos filos Basidiomycota e Ascomycota, pertencentes ao Reino Fungi. Possuem corpo frutífero composto por uma base. Estes organismos fazem reprodução sexuada pela junção de hifas. São seres vivos que contêm uma ampla variedade de formas, cores e tamanhos. E muitos são venenosos.» Obrigado, Wikipédia, por me sobressaltares.

– Parece que os cogumelos venenosos podem matar de forma fulminante, mais do que uma víbora. É mesmo verdade?

– É verdade, pá. Todos os anos morrem umas dezenas de alemães por não terem sabido distinguir os comestíveis dos venenosos.

Como devem imaginar, fiquei tudo menos calmo ao ouvi-lo dizer isto. Ao contrário do Luís, a mim tudo me perturba. Debaixo desta carapaça viril e musculada, há um tipo muito medroso, como um panda bebé... Ao ver o meu ar, o Luís riu-se e deitou os cogumelos no meu prato:

– Epá, não te preocupes, fui eu que os apanhei no bosque.

Isso ainda me sossegava menos. Que ele tinha muitos anos de Alemanha, sabia eu, mas se até alemães profissionais se relevavam incautos e morriam envenenados…

Insisti:

– Tens a certeza de que esses cogumelos são comestíveis?

O Luís riu-se mais:

– Bah, não te preocupes. Todos os cogumelos são comestíveis. Pelo menos uma vez.

Vá lá saber-se porquê, esta tirada não me tranquilizou muito. Lembrou-me outra, no sentido inverso mas de igual calibre, que habitualmente oiço a outro filósofo, o editor e lendário fumador Carlos da Veiga Ferreira: um daqueles homens que, literalmente, mal acordam, acendem um cigarro. O Carlos ainda hoje acende um cigarro noutro cigarro; é, aliás, pensando bem, um dos poucos fumadores que conheço ainda no ativo, menino para queimar dois ou três maços por dia. E diz o Carlos:

– Deixar de fumar? Meu caro, deixar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. Eu, num só dia, faço-o várias vezes.»

Respostas opostas, mas a mesma lógica, só que virada ao contrário.

A fiar-me no título acima mencionado, falta-me, para completar a história, um terceiro filósofo. Que tal, enquanto eu abro outra cerveja e me preparo para acreditar no Luís, ser quem está a ler esta mesma frase? Ora diga lá de sua justiça:

Rui Zink (Lisboa, 1961)
Escritor e professor. Autor, entre outros, de Apocalipse Nau (1996) e A Instalação do Medo (2012). Livros mais recentes: Manual do Bom Fascista e O avô tem uma borracha na cabeça.

Esta iniciativa resulta de uma parceria Coffeepaste / Prado. A Prado é uma estrutura financiada pela DGArtes / Governo de Portugal para o biénio 2020/2021.

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