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«Dueto Duelo» não é só uma peça de teatro musical, mas uma exploração profunda e sensível das relações amorosas nos tempos que correm. A partir de uma ideia de Ricardo Vaz Trindade - que nasceu de uma experiência pessoal mas evoluiu para uma reflexão abrangente e universal - esta criação conduz-nos pela memória e pelo presente de um casal em rutura, pondo em cena as tensões e complexidades que marcam a conjugalidade atual.
Nesta entrevista, Ricardo Vaz Trindade, diretor artístico e encenador do espetáculo, partilha connosco o processo de conceção e desenvolvimento de «Dueto Duelo», revelando como esta obra nasceu do diálogo entre teatro, música e ciência psicológica, para lançar uma luz crítica e poética sobre as relações amorosas no século XXI.
O espetáculo pode ser visto nos dias 28 e 29 de Junho, na BOTA (Base Organizada da Toca das Artes), e de 4 a 6 de Julho, no Teatro do Bairro.
Como surgiu a ideia original para Dueto Duelo? Houve algum acontecimento ou inspiração pessoal que desencadeou este projeto?
Sim, começou com o meu próprio divórcio. No entanto, não é um projeto sobre mim, nem pretende ser catártico. O que aconteceu é que, através da interação social, comecei a aperceber-me que havia um enorme ecossistema de pessoas divorciadas, o que é sustentado pelas estatísticas recentes. Em algumas turmas escolares, os filhos de pais divorciados já são a norma. São as crianças que têm pais juntos que têm tratamentos diferenciadores. Isto é uma realidade muito avassaladora. Não é que seja necessariamente um “problema”, e muito menos somos nós quem tem a chave para o resolver, mas é uma realidade que precisa de ser trazida para a mesa de discussão, sem pudor nem preconceito.
Qual foi o maior desafio em encenar um espetáculo que lida com um tema tão delicado como a rutura conjugal?
Quando fazes teatro de pesquisa ou com uma componente política, sobre um tema da atualidade, os temas são todos delicados. O maior desafio é tentar manter o espetáculo interessante para o público, sem deixar de veicular certos conteúdos que identificamos como importantes. Por outro lado, acredito que a função deste teatro é ativar o debate através da experiência estética, sabendo fazer as perguntas certas. Para isso gosto de reunir equipas multidisciplinares, com a presença de especialistas, e levar bastante tempo a pensar no texto através da reunião de várias e diferentes vozes.
Como foi o processo de colaboração com os autores Joana Bértholo e Eduardo Brito no desenvolvimento do texto?
A primeira pessoa com quem partilhei a ideia de escrever um musical sobre um casal em processo de divórcio foi o Eduardo Brito, que é meu amigo e companheiro de projetos há muitos anos. Convidei-o para se juntar a mim nuns dias que sobravam de uma residência artística n’O Espaço do Tempo e falámos muito durante dois ou três dias. Pensámos neste e noutros casais, traçámos algumas possibilidades de narrativa, mas a grande certeza que tivemos foi a de que o projeto precisava de uma voz feminina na escrita. Nessa altura eu já tinha a ideia muito clara de que a peça tinha de ser escrupulosamente simétrica, para evitar qualquer tipo de apologia de género. Falámos com a Joana Bértholo, também amiga, também companheira de um projeto meu anterior, que aceitou prontamente. Estivemos duas vezes em residência de escrita no GNRATION, em Braga, onde fomos desenvolvendo uma espécie de caderno de encargos deste texto: um homem e uma mulher na casa dos quarenta anos, casados e com uma filha, esgotaram as possibilidades de amor, por nenhuma razão em especial ou pelo somatório de muitos cansaços; o público acompanha esta narrativa no restaurante de sempre do casal, ao som das músicas que alimentaram a sua relação, numa epopeia do quotidiano com a duração de dois jantares – um antes e um depois da sua separação. Foi mais ou menos a partir desta sinopse que a Joana e o Eduardo desenvolveram uma primeira versão do texto do Dueto Duelo. Esse texto foi levado para a sala de ensaios, onde, através de improvisos e exercícios de escrita e criação coletiva, o fomos transformando num “musical”.
Que papel desempenhou a equipa de psicólogos no desenvolvimento do espetáculo e como é que essa colaboração influenciou a construção das personagens e da narrativa?
A Edite Queiroz, a Luana Cunha Ferreira e o Henda Vieira Lopes juntaram-se à equipa numa segunda fase de criação, com a estrutura do espetáculo já esboçada e foram importantíssimos no desenho do Dueto Duelo como ele é hoje. Para além de nos ajudarem a pensar algumas questões específicas da conjugalidade, eu e a Rita Brütt usámo-los como terapeutas. A Luana e o Henda orientaram sessões de terapia de casal fictícias (com as personagens da peça) que mudaram irreversivelmente o rumo do projeto. Devo dizer que foi das experiências teatrais mais imersivas e inquietantes que tive, porque, embora eu e a Rita tivéssemos combinado algumas coisas relativas à história deste casal, algumas perguntas caíam fora do “guião” que tínhamos inventado. Mas, para não destruirmos a ficção que estávamos a construir, respondíamos na mesma, muitas vezes com ideias realmente nossas, ou episódios pelos quais verdadeiramente passámos nas nossas relações amorosas, numa espécie de method acting imposto pelas circunstâncias. A minha personagem deu por si, por momentos, a sentir coisas realmente reais. Foi uma confusão bonita.
O espetáculo combina teatro e música ao vivo. Como foi feita a integração entre o texto dramático e a partitura musical?
O texto da Joana e do Eduardo não estava preparado para ter partes cantadas, isso não fazia parte do caderno de encargos que lhes pedi, era uma camada formal que achei que só deveria aparecer mais tarde no processo. A música foi composta na sala de ensaios, com o contributo de todos, mas sobretudo com a versatilidade e génio criativo do Vasco Pimentel, que era quem ia harmonizando todos os nossos caprichos: um blues, uma cadência triste, um interlúdio à Gershwin. Também há alguns temas que são meus. Um, fi-lo em casa durante os ensaios. Outros dois eram composições minhas antigas, que adaptei ao espetáculo, com pequeníssimas alterações, porque de certa forma já eram músicas de amor. Foi uma espécie de product placement musical.
Sendo também um dos intérpretes em palco, como foi conciliar a encenação com a interpretação?
Não é fácil, mas não é o fim do mundo, até porque não é o meu primeiro espetáculo onde isso acontece. Acredito que os anos de estudo e prática da arquitetura (que é a minha formação) me ensinaram a imaginar uma obra antes dela existir. A ideia de “projeto” é central na arquitetura. “Projetar”, ou seja, ter a capacidade de existir dentro de algo que é virtual, é uma capacidade que se adquire, e a familiaridade com a geometria permite-nos viajar dentro desse espaço ficcional, rodar as ideias, vê-las de outros ângulos, adicionar ou subtrair elementos, etc. Depois, na prática, sinto também que as minhas encenações, talvez devido ao facto de eu estar simultaneamente dentro e fora, são tendencialmente conceptuais, que é uma forma complicada de dizer a palavra “simples”. Por exemplo, o Dueto Duelo passa-se todo à volta de uma mesa, que é praticamente o único elemento cenográfico.
De que forma achas que a peça dialoga com a realidade conjugal contemporânea, especialmente num contexto de crescente individualismo?
Uma das minhas ideias iniciais para o Dueto Duelo era que a peça tinha de ser muito simétrica, por um lado para evitar para evitar qualquer tipo de apologia de género, e por outro, porque eu não queria que houvesse “culpa” neste divórcio. A culpa deveria vir de um desgaste externo a que este casal se expôs, designadamente por via de um tempo histórico que está demasiado preocupado com a produtividade e que nos fecha em casulos de sentido, não promovendo laços comunitários e de (boa) dependência entre as pessoas. Esta ideia está patente de forma subtil no espetáculo, mas certamente irei desenvolvê-la em projetos futuros.
Que papel atribuis à música na expressão dos afetos e dos conflitos conjugais retratados na peça?
Eu gosto de repetir esta ideia de que a música é uma forma pré-racional de relacionamento com o mundo. Atinge as nossas emoções sem passar pelo filtro da racionalidade. Vai direta ao arrepio e à pele de galinha. E quando falamos de amor, isso exponencia-se, porque, de uma forma ou de outra, toda a gente já se apaixonou e toda a gente já sofreu desilusões amorosas. Foi isto que instintivamente pensei quando decidi fazer um espetáculo sobre um casal e imediatamente soube que teria de ser um musical. Embora seja um espetáculo político e sustentado na psicologia, tem um lado que é diretamente dirigido ao centro emocional de cada um.
Que tipo de reações tens recebido do público até agora? Há algum momento particularmente marcante que gostarias de partilhar?
Tenho recebido muito boas críticas dos espetadores que amavelmente me dão a sua opinião. Aquilo que me dizem sempre é que se reveem com muita facilidade naquelas personagens. É um espetáculo com muitos momentos cómicos, mas no final, quando as luzes dos agradecimentos se acendem, vejo muitas pessoas a limpar lágrimas. O momento particularmente marcante é que eu próprio tenho de fazer um grande esforço a cada espetáculo para não chorar.
Como vês o papel das mesas redondas de mediação após os espetáculos? Que impacto esperas que tenham no público?
Já me disseram que as mesas redondas são outro espetáculo… São debates sobre questões da conjugalidade assentes nas questões levantadas pela peça. Eu assisto sempre. É incrível como ainda sabemos tão poucas palavras e conhecemos tão poucos conceitos para descrever as relações amorosas. A psicologia e a terapia de casal deviam estar mais presentes nos sistemas públicos de saúde. É incrível o poder de desconstrução que está nas mãos de um destes terapeutas. Nestas mesas redondas o público pode colocar questões e as conversas chegam a patamares muito interessantes. É quase uma consulta coletiva.
Foto: © Catarina Gralheiro
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