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Entre o manifesto e o palco: Rita Loureiro e Paula Pedregal em Teoria King Kong

Por

 

Pedro Mendes
31 de Julho de 2025

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Entre o manifesto e o palco: Rita Loureiro e Paula Pedregal em Teoria King Kong

A 17 de julho, a Casa de Teatro de Sintra acolheu a estreia de Teoria King Kong, um espetáculo que não deixa ninguém indiferente. Inspirada no manifesto feminista homónimo de Virginie Despentes, a peça — uma criação da Companhia de Teatro de Sintra, com encenação de Paula Pedregal e interpretação de Rita Loureiro — mergulha de forma crua, direta e profundamente política nas questões de género, poder, violência e liberdade. Entre a denúncia e a celebração, a provocação e o pensamento, o monólogo dá voz a mulheres que recusam o papel de vítimas e desafia o público a reavaliar preconceitos sobre feminilidade, masculinidade e identidade.

Nesta entrevista, Paula e Rita partilham o processo criativo por detrás da adaptação deste texto incómodo e transformador, refletindo sobre os desafios artísticos, as escolhas difíceis e a urgência de falar sem medo — e sem pedir desculpa — sobre o que ainda permanece invisível ou silenciado.

O que vos levou a escolher “Teoria King Kong” de Virginie Despentes para adaptação teatral neste momento concreto?

Pensamos que os temas que atravessam o texto, nomeadamente as questões de género e as várias formas de violência, são hoje mais urgentes do que nunca. Vivemos uma época marcada pelo aumento de discursos e atos de intolerância face à diferença, e este espetáculo é, para nós, uma forma de refletir e confrontar essa realidade. A obra parte de uma experiência profundamente pessoal da autora, uma violação coletiva, mas amplia-se para uma análise crua e incisiva das múltiplas violências que afetam sobretudo as mulheres. Isso levou-nos a querer ir mais além, a investigar as raízes dessa violência estrutural: perceber de onde vem, como se manifesta e por que persiste.

Como é que esta obra dialoga com o contexto político, social e cultural atual em Portugal?

Esta obra ganha uma relevância ainda maior quando assistimos ao crescimento preocupante de forças políticas extremistas em vários países do mundo, e Portugal incluído. Há um risco real de retrocesso nas conquistas sociais e nos direitos humanos, sobretudo no que diz respeito à igualdade de género e à proteção das vítimas de violência. Todos os dias somos confrontados com casos de violência brutal contra mulheres desde agressões a feminicídios e, muitas vezes, a forma como estes episódios são tratados socialmente revela uma certa normalização ou até culpabilização das vítimas. Casos recentes, como o de tiktokers envolvidos na violação de uma menor, ou o de uma mulher assassinada com 150 facadas por alguém que conheceu online, mostram que este tipo de violência continua profundamente enraizado. Teoria King Kong coloca estas questões no centro da discussão e obriga-nos a enfrentá-las.

Paula, como foi o processo de adaptação de um manifesto tão denso e pessoal como o de Despentes para o palco? Que escolhas foram necessárias?
O processo foi desafiante. Implicou um confronto com as minhas próprias contradições internas e dilemas, relativamente aos assuntos e à forma como a Virginie os aborda, nomeadamente temas como a prostituição ou pornografia. Para além destes assuntos surgiam as dúvidas: em que medida é que uma visão tão provocadora do feminismo podia interessar as pessoas, homens e mulheres? De que forma é que era possível transpor para o palco a biografia, a história da Virginie? Depois tratava-se de desmembrar um texto que segue uma lógica de pensamento e uma forma, para lhe dar outra forma, sem desrespeitar o espírito da obra. Sacrificar uma parte do conteúdo, das ideias. E dar um sentido às escolhas feitas, de forma que traduzisse as nossas intenções.

Rita, como foi o teu encontro com esta personagem-mulher múltipla, que carrega tantas vozes e experiências?
Foi muito bom e também importante para mim, porque houve um revisitar de causas e crenças que já tinham sido despertadas em mim na adolescência, mas que ainda fazem muito sentido hoje em dia. Sinto que nestes tempos que vivemos hoje é cada vez mais importante dar voz a este tipo de textos e manifestos. Há um nítido recuo nos direitos fundamentais do ser humano, que se torna mais grave, como sempre acontece, nas minorias.

Como se construiu o diálogo entre encenação e interpretação, tendo em conta que se trata de um monólogo tão potente e desafiante?
Desde o início sentimos que o monólogo era a forma mais adequada de dar corpo a este texto. Embora a obra não apresente uma personagem fixa ou tradicional, há nela uma voz muito marcada e uma identidade forte que representa não apenas a autora, mas muitas outras mulheres. A adaptação obrigou-nos a fazer escolhas difíceis, visto que nem tudo pôde ser levado para o palco, mas o essencial era preservar essa força discursiva do texto. O trabalho entre encenação e interpretação passou, portanto, por encontrar o tom certo para que essa voz ressoasse com autenticidade e impacto.

A peça aborda temas como a sexualidade feminina, o prazer, a violação, a masculinidade e o feminismo não binário. Houve algum tema que vos exigiu especial cuidado ou reflexão durante o processo criativo?
Todos os temas foram abordados com especial cuidado e uma profunda reflexão. Desconstruir muitas ideias feitas e perceber de que forma tudo está interligado. Exigiu estudo de outras obras e uma análise profunda dos assuntos. Estudámos as perspetivas de muitas autoras, por exemplo.

A obra desafia os padrões tradicionais de género. Como é que, enquanto criadoras e intérpretes, veem a função do teatro na desconstrução desses padrões?
Acreditamos que o teatro tem, acima de tudo, uma dimensão política. E somos livres para questionar normas e expor estruturas que muitas vezes permanecem invisíveis. Em palco, podemos confrontar o público com questões desconfortáveis, desmontar padrões de género enraizados e abrir espaço para outras formas de pensar e existir. O teatro tem essa capacidade transformadora de criar empatia, de abalar certezas e, enquanto criadoras e intérpretes, sentimos que é também uma responsabilidade assumir esse papel.

Rita, com a tua vasta experiência em televisão, cinema e teatro, o que te atrai num projeto como este, mais cru, direto e político?
Foi precisamente essa crueza e esse cariz político o que mais me atraiu. Este diálogo tão direto com o público e a forma tão livre e punk que a autora tem no seu pensamento. Pensei que, se era para estar sozinha em cena, então que fosse com um texto com esta natureza.

Paula, o que representou para ti encenar uma obra tão frontal e provocadora?
Não foi por ser frontal ou provocadora que para mim foi muito importante encenar a obra. Para mim, o que é mesmo importante, é tudo o que a Virginie exprime nesta obra. Acontece que, talvez sendo assim frontal e provocadora, me desafiou a mim também a encarar os assuntos de frente, sem medo. De certa forma inspirou-me para ser uma mulher cada vez mais livre.

Despentes escreve sem pedir desculpa. Sentiram essa liberdade também no vosso trabalho ou houve resistências, internas ou externas?
Não nos sentimos todas da mesma forma.  O interessante é percebermos de que forma nós também nos permitimos essa liberdade, apesar dos constrangimentos exteriores e interiores. Nem sempre nos sentimos plenamente livres.  Temos dúvidas ao longo do processo. Mas a própria natureza do texto da Virginie Despentes deu-nos esse impulso para trabalhar com honestidade e sem autocensura. Houve sempre uma vontade clara de abraçar essa liberdade artística e de pensamento que a obra evoca. Afinal, é esse o objetivo: poder criar um espaço para refletir e confrontar temas difíceis, “sem pedir desculpa”.

Que impacto gostariam que este espetáculo tivesse na forma como olhamos para o género, o corpo e o poder?
Esperamos que este espetáculo possa servir como ponto de partida para uma reflexão mais profunda sobre questões como o género, o corpo e o poder. O teatro tem essa capacidade única de tocar cada pessoa de forma distinta, de acordo com as suas vivências e sensibilidades

O que está em cena reflete a sociedade em que vivemos e, muitas vezes, espelha também quem assiste. O nosso desejo é que quem veja esta peça se sinta desafiado a pensar sobre estas realidades e que saia da sala mais consciente, mais atento e com vontade de agir e de contribuir, de alguma forma, para um mundo onde a violência de género deixe de ser tolerada ou banalizada.

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