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Gisela Cañamero fundou a arte pública, com sede em Beja, em 1991. Tem vindo aí a desenvolver o seu trabalho desde então. Vai apresentar, de 13 a 15 de setembro de 2023 a performance “Suicido-me nas Palavras”. É também a coordenadora da publicação WOS - Women on Scene. Conversámos com ela sobre estes e outros temas.
Fala-nos das origens da arte pública
A arte pública surge em 1991, enquanto grupo informal, pela vontade de criar uma estrutura profissional de Teatro em Beja. A agregação das pessoas foi sendo feita através de acções de formação nos domínios do trabalho de actor e da produção plástica do espectáculo; em 1996 constitui-se associação sem fins lucrativos, e desde então tem mantido a sua actividade continuada, na criação de obras teatrais - adaptadas, encenadas ou escritas de raiz – e performances (poéticas, musicais, com vídeo ou cinema) em cruzamento de linguagens. A actividade formativa no domínio das artes performativas, da literatura e da criatividade, para diversos públicos-alvo, tem sido também uma marca da estrutura – com três Encontros Internacionais de Criatividade realizados em Beja – as CRIATIVAs - e dezenas de acções – oficinais, documentais e de partilha de experiências - no país, em Espanha e no Brasil. O trabalho da arte pública revela-se com uma forte marca autoral - que tem dado voz e visibilidade a outras mulheres criadoras – na literatura e nas artes performativas.
Como surge a performance “Suicido-me nas Palavras”?
Pela vontade de dar corpo e voz ao extraordinário legado de Ruy Belo – ainda tão desconhecido da maioria do público. Fizemos uma primeira abordagem em 2010 – e sentimos que não foi, ainda assim, suficiente. Fazêmo-lo para que as palavras do poeta tenham eco na vida do quotidiano das pessoas.
O título é retirado da sua escrita: «Ao escrever dou à terra que para mim é tudo um pouco do que é a terra. Nesse sentido, escrever, para mim, é morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra. Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas palavras.»
Então, porquê Ruy Belo?
Por ser um poeta maior da língua portuguesa, um grande pensador, ainda desconhecido de grande parte da população portuguesa. Ruy Belo sofre um percurso que temos de reconhecer ser recorrente na sociedade portuguesa, ao expulsar os criadores das diversas comunidades, profissionais, sociais, menosprezando a sua proposta criativa e a sua capacidade intelectual – e que tem continuidade depois do seu desaparecimento físico, ocorrido com Ruy Belo muito precocemente. É claro que hoje existem múltiplos estudos, investigações e comunicações sobre a sua obra; são divulgações absolutamente necessárias que ocorrem sobretudo no âmbito académico. O nosso trabalho é o de tocar outros públicos. De cativar. De espoletar uma procura da sua obra poética.
O que têm de especial as palavras de Ruy Belo?
São encantatórias. São palavras que têm o poder da transformação.
Repare-se que, apesar da sua grande erudição, é um poeta que recusa ter de mostrar, de provar, qualquer rebuscamento da construção literária nos seus poemas – e este facto é revelador da singularidade de Ruy Belo, sobretudo se nos colocarmos nos conceitos que regem os padrões de vida do português dos anos 50 e 60, e de quem, como ele, possuísse, em termos de saberes académicos e de relacionamentos sociais, digamos, as vantagens que lhe permitiriam a chamada ascensão social associada ao desafogo económico (que não teve). Assim, a sua escrita poética – que é, claro, sujeita a diversas apreciações na sua compreensão - utiliza uma linguagem directa e simples, uma linguagem acessível: as palavras são as palavras de todos os dias e de toda a gente; e com essas palavras, ele consegue fazer o alargamento da compreensão dos limites da nossa realidade.
É uma escrita que busca, além do sentir poético, as possibilidades, até à exaustão, da melodia e do ritmo da palavra - e onde consegue essa enorme aparente simplicidade que é tão difícil de alcançar e que só alguém com um imenso talento e maturidade na escrita e no pensamento poderia fazer-nos chegar de modo tão inovador.
A sua obra é, afinal, a obra de um grande artista, pelo prazer da descoberta que nos proporciona, desvendando, desvelando, questionando aquilo que somos, tocando-nos com outros saberes, outras visões e outras possibilidades vivenciais e de entendimento.
Como surge o projeto Women on Scene (WOS), que coordenas?
Surge como mais uma enzima a querer provocar mais uma reflexão na sociedade portuguesa, no que se refere ao olhar sobre a visibilidade do trabalho e da resistência de criadoras que dinamizam o território, na indagação e contaminação criativa. Tenta tornar visível o âmbito de intervenção e a reflexão sobre a contextualização política e social do trabalho criativo das mulheres — com os vários discursos que afirmam ideias e identidades, num país da Europa aparentemente equitativo em relação às oportunidades entre homens e mulheres, mas ainda dominado por preconceitos e omissões – também no domínio da criatividade e expressão artística, da sua produção, circulação e divulgação.
Fala-nos das duas edições já disponíveis do WOS.
Na WOS #1 CRIADORAS, têm voz cerca de 40 criadoras multifacetadas - dramaturgas, encenadoras e performers-autoras – muito díspares na sua proveniência, fixação ao território, opções artísticas, percurso e idade – que, ao assinarem estes depoimentos, afirmam ideias e identidades que tornam visível o seu âmbito de intervenção, bem como a a contextualização política e social do seu trabalho criativo. É-nos mostrado, de um modo pessoal e, algumas vezes, confessional, como cada uma projecta o seu modo de viver e de partilha, na reflexão, vivência e transfiguração do mundo. Inclui ainda um artigo introdutório da Profª Maria João Brilhante e artigos de Programadores: Paulo Pires e Natália de Matos.
Na WOS #2 A CRIAÇÃO, propusemos às colaboradoras uma reflexão sobre o processo de descoberta e de construção performativa – tornando explícito o surgir da ideia para encenar um texto ou ideia, o enquadrar da sua encenação ou coreografia na nossa contemporaneidade, bem como as condicionantes que definiram um rumo. Importava-nos pois que se verbalizasse, que se fixassem em discurso escrito, os estímulos e caminhos seguidos tantas vezes de forma intuitiva. Ao reflectir sobre a criação da sua obra, a encenadora ou coreógrafa identifica e reconhece padrões de abordagem que tornam específica a sua marca autoral: este foi o nosso desafio. Inclui ainda um artigo de Tito Lívio sobre as mulheres no Teatro que com ele se cruzaram.
As edições WOS tiveram, até agora, a colaboração de Alexandra Diogo, Ana Ademar, Ana Bárbara Soares, Ana Luena, Ana Rocha, Anabela Mira, Beatriz Baptista, Joana Brito Silva, Mariana Fonseca, Susana Paixão, Carlota Lagido, Carolina Santos, Catarina Santana, Catarina Vieira, Célia Martins, Cláudia Dias, Cristina Carvalhal, Cristina Paiva, Fernanda Lapa (entretanto falecida, e a quem dedicamos o primeiro número), Filipa Francisco, Isabel Mões, Isabél Zuaa, Julieta Aurora Santos, Lídia Martinez, Lígia Soares, Lucinda Loureiro, Luísa Pinto, Luzia Paramés, Madalena Victorino, Margarida Mestre, Maria Caetano Vilalobos, Maria João Luís, Mariana Barros, Mariana Fonseca, Patrícia Andrade, Raquel André, Renata Portas, Rita Calçada Bastos, Sandra Maya, Sara Barros Leitão, Sara de Castro, Sarah Adamopoulos, Sofia Santos Silva, Telma João Santos, Teresa Faria, Teresa Vaz ; de Cristina Taquelim, Carmen Jesuíno, Sara Castanheira, Tânia Sacramento.
É importante criar novos centros fora do eixo Porto-Lisboa?
Se não pensasse assim, não me teria deslocado, há 30 anos, de Lisboa para Beja.
Como encaras a tua faceta de autora?
Essencial à vida, na emergência da atenção à pulsão criativa, à constante indagação, à investigação – à contínua transformação, à acção libertadora e libertária do pensamento.
Uma biografia tua que li, termina com a frase “Vive num monte no Alentejo com doze cães resgatados e um gira-discos”. Ainda é assim?
É preciso rectificar: os cães são agora trinta e quatro. O abandono e o mau trato aos animais, aos mais desprotegidos da fera humana, ainda que disfarçada sob a domesticidade dos gestos, continua em marcha avançada. O gira-discos, entretanto, avariou; um dia - «não muito longe não muito perto» - hei-de arranjar outro.
A tua expectativa relativamente ao futuro é boa, ou nem por isso?
O futuro é uma invenção. (Que futuro inventámos, para nós, ontem?)
Respondo-te com um excerto de «Saudades de Melquisedeque»:
«Esta manhã gostaria de ter dado ontem
um grande passeio àquela praia
onde ontem por sinal passei o dia
É difícil a vida dos homens senhor
Os anjos tinham outras possibilidades
e alguns deles foi o que tu sabes
Esta terra não está feita para nós
Mesmo que ela fosse diferente
nós quereríamos talvez outra terra
talvez esta de que agora dispomos
Não achas meu senhor que temos braços a mais
dias a mais complicações a mais?
Pra nascer e morrer seria necessário tanto?»
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