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A exposição “Imagens intangíveis”, patente nas Carpintarias de São Lázaro, em Lisboa, de 4 de setembro até 5 de outubro, propõe um mergulho singular no universo da projeção fotográfica. Com curadoria de Filippo De Tomasi, Isabel Stein e Maura Grimaldi, o projeto reúne nove artistas de diferentes gerações e linguagens, explorando a relação entre memória, arquivo, fabulação e obsolescência tecnológica através da luz como matéria artística.
Mais do que uma mostra de obras, trata-se de um exercício crítico e curatorial que nasce do diálogo entre investigação académica e prática artística, refletindo o percurso dos curadores enquanto investigadores e criadores. Em conversa com o Coffeepaste, partilharam os bastidores da exposição, os desafios encontrados e a relevância de pensar a história e o futuro da fotografia projetada a partir da sua perspetiva.
Como nasceu a ideia de reunir obras que exploram especificamente a projeção luminosa fixa no contexto fotográfico?
O recorte curatorial parte dos nossos interesses artísticos e das nossas investigações académicas. Os três, Filippo, Isabel e Maura, atuamos entre o meio universitário e o circuito da arte contemporânea, buscando estabelecer pontes entre esses dois fazeres. Conhecemos-nos ainda em 2018, durante a formação do Observatório de Estudos Visuais e Arqueologia dos Media composto por investigadores da Universidade NOVA de Lisboa sob a orientação da professora, crítica e investigadora Margarida Medeiros (1957-2024). Nesse contexto, fizemos uma série de atividades que pensavam na difusão da produção universitária, como por exemplo, o projeto Conversas Foto-fílmicas. Tal projeto convida críticos, curadores e artistas para uma conversa aberta com o público que muitas vezes não está conectado à linguagem académica. Por isso, foi importante eleger locais para esses encontros fora do ambiente universitário. A maior parte sucedeu-se entre a Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa e o Arquivo Fotográfico de Lisboa. Junto a isso, tínhamos uma rotina de partilha interna das nossas pesquisas, isto é, os próprios membros do grupo apresentavam os seus estudos, artigos e projetos de tese uns aos outros. Foi um período muito relevante para o desenvolvimento do que viria a ser a exposição Imagens intangíveis. Foi precisamente durante esses diálogos que percebemos interesses comuns e o desejo de aprofundarmos algumas temáticas e também a obra de alguns artistas que eram recorrentes nas nossas pesquisas. Nós três estávamos desenvolvendo projetos no campo da teoria fotográfica e discutindo sobre o campo da arqueologia dos media, o que criou um terreno para a consolidação dessa exposição. Em relação ao tema da exposição - especificamente, projeções luminosas fixas - a decisão ocorreu devido à constatação pelos três curadores de que a ideia de “projeção” estava sempre muito relacionada à imagem em movimento e ao cinema, tanto no campo artístico, quanto nas discussões críticas e teóricas. Assim, era importante fazer um projeto que abarcasse as projeções luminosas no âmbito da fotografia: um aspecto que está diretamente relacionado à própria história deste meio.
Que critérios orientaram a escolha dos nove artistas participantes, tendo em conta a diversidade geracional e temática?
Como muito bem colocado pela sua pergunta, a nossa intenção era garantir uma diversidade entre os artistas — tanto em termos de trajetórias quanto de linguagens. Procuramos reunir nomes que estão em momentos distintos de suas carreiras, mas que, ao nosso ver, compartilham um campo de interesse comum e, ao mesmo tempo, abordam questões múltiplas nas suas obras. Um dos critérios centrais foi selecionar trabalhos que, de alguma forma, tensionassem ou dialogassem com a história da fotografia projetada — seja de maneira mais direta ou mais subtil. Há trabalhos que utilizam a projeção em stricto sensu, mas a partir de aparelhos diferentes e de formas variadas, como é o caso de Hugo de Almeida Pinho, Noé Sendas, Nuno Vicente, Mariana Caló & Francisco Queimadela; há artistas que trabalham mais com a ideia de vestígio e dos efeitos da projeção sobre os materiais como o caso de Tânia Dinis e Henrique Pavão; e em outros casos, evoca-se a cultura material e os dispositivos implicados nessa economia da fotografia projetada do século XIX e XX, como no trabalho das caixas de luz de Carla Cabanas. Além disso, consideramos também a atuação dos artistas no meio artístico português, o que estabelece conexões entre contextos locais e práticas mais amplas. Para nós, era importante fazer um recorte de autores que tivessem, sobretudo, um pensamento crítico a partir e sobre os dispositivos óticos, abordando nos seus trabalhos os efeitos que essas visualidades específicas produzem sobre os temas propostos em cada obra.
Como pensaram a relação entre as obras para que o visitante construa o seu próprio caminho?
Não existe uma ideia de cronologia ou linearidade no percurso da exposição. Os trabalhos, muitas vezes, estão em conexão com a arquitetura das Carpintarias de São Lázaro. Tal espaço tem uma presença muito vigorosa, e não poderíamos ignorá-la no momento de pensar a montagem e a expografia. De modo geral, é uma exposição que joga com obras que têm a sua própria iluminação e acabam por criar um ambiente que faz uso das relações de claro e escuro no espaço. Outra característica marcante é pensar que essa exposição contempla obras que não têm apenas a linha do horizonte médio, isto é, as instalações podem direcionar o nosso olhar ao chão, como no trabalho de Nuno Vicente, às paredes, como na fotografia de Henrique Pavão ou as caixas de luz de Carla Cabanas, e até mesmo a um eixo mais elevado, como em Flor-Fantasma — uma obra flutuante e suspensa de Mariana Caló & Francisco Queimadela. Convidamos o público a ter um olhar atento, mas também bastante livre para caminhar entre as obras e às vezes até chegar a interferir e a participar, como na instalação de Noé Sendas.
Quais foram os principais desafios curatoriais ao trabalhar com dispositivos óticos e tecnologias, algumas delas obsoletas?
Um dos principais desafios curatoriais foi lidar com a natureza material e técnica das obras. Isso exigiu, nalguns casos, remontar ou até substituir projetos originais. Outro ponto comum foi a da reposição de peças e a busca por insumos específicos, que nem sempre são fáceis de encontrar. A delicadeza e fragilidade de certos elementos aumentou a complexidade desse processo, demandando cuidados a mais no momento da montagem e adaptação das obras. Também enfrentamos a dificuldade de ter que deixar de fora artistas muito interessantes e relevantes para o debate, por limitações técnicas ou logísticas. Além disso, devido à dimensão da exposição, foi essencial encontrar um espaço que atendesse às necessidades de dimensão, qualidades de luz e infraestrutura, e que estivesse aberto ao diálogo — e, nesse sentido, somos gratos ao acolhimento das Carpintarias de São Lázaro, que acreditaram no projeto e tornaram sua realização possível.
Referem no texto de apresentação mostras internacionais que influenciaram este projeto. De que forma Imagens intangíveis dialoga com esse legado e acrescenta uma perspetiva portuguesa?
Dia/Slide/Transparency — Materialien zur Projektionskunst (Alemanha, 2000), Projektion: Chan, EXPORT, Fischli/Weiss, Gander... (Suíça, 2006), SlideShow (EUA, 2005), e Diapositive: Histoire de la photographie projetée (Suíça, 2017) são algumas das mostras que inspiraram diretamente o projeto Imagens Intangíveis. As duas últimas almejaram pensar uma certa historiografia no modo de partilhar imagens com a presença de artistas de diferentes gerações e contextos geográficos. Já a primeira, trabalhou com autores no contexto da Alemanha e portanto acabava por ter um recorte mais local. Todas essas mostras fizeram um esforço de debater a materialidade da projeção a partir de uma perspectiva do campo fotográfico. Entretanto, é curioso notar que elas possuem um viés bastante delineado entre artistas atuantes majoritariamente nos Estados Unidos ou no norte da Europa. Talvez pensando nas escolhas, nas direções e na produção bibliográfica gerada não apenas por essas mostras, mas também por outras como Lupa: ensaios audiovisuais (Brasil, 2016), Audiovisuais - Frederico Morais (Brasil, 1973), Projections : les transports de l'image (França, 1997), Le Diaphane & l’Obscur (França, 2002), Matéria Luminal (Portugal, 2021-2022) fomos instigados a explorar sobre o assunto no contexto onde vivemos e trabalhamos. Percebemos que no âmbito artístico português existe uma consistente produção que não é acompanhada por uma reflexão crítica, curatorial e teórica à sua altura.
Consideram que existe uma lacuna crítica e curatorial, em língua portuguesa, sobre projeções fotográficas. Como esperam que esta exposição contribua para preencher esse vazio?
O nosso desejo é iniciar um debate e cristalizar alguns pontos críticos que estão mais circunscritos ao contexto académico. Não diríamos que há uma lacuna, pois estaríamos generalizando. Além disso, seria injusto e ignoraria algumas produções. Talvez tenhamos de enfrentar a ideia de que a ausência de um debate mais amplo sobre o tema acaba por relacionar-se com certa ideia de acesso, ou falta dele: acesso a materiais, equipamentos, tecnologias, e que, portanto, fazer exposições do gênero implica em dispor de uma estrutura económica que não se tem facilmente.
Sentíamos que há uma história e uma reflexão mas que está restrita a um público muito especializado e muitas vezes, apenas universitário. As nossas pesquisas dos últimos anos estiveram concentradas nos contextos de Brasil e Portugal, que são os nossos circuitos de atuação profissional. Nesses contextos, podemos relembrar alguns escritos de artistas que foram importantes para pensar a projeção fotográfica no campo artístico, como foi o caso dos artistas brasileiros Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 1937-1980) e Frederico Morais (Belo Horizonte, 1936). Também quem esboçou notas sobre o uso performativo das imagens projetadas, fez uso desse dispositivo nas suas obras, e que é muito caro à nossa investigação, foi Ernesto de Sousa (Lisboa, 1921-1988). Na atualidade, também gostamos de pensar noutros artistas que estão em contacto com essa reflexão, como por exemplo, a artista brasileira Rosângela Rennó (Belo Horizonte, 1962), que tem representação numa galeria em Lisboa e costuma participar periodicamente em exposições em Portugal. Temos uma lista de mais de quarenta nomes de artistas que trabalharam nalgum momento com projeções fotográficas desde a década de 1970 até hoje só em Portugal, e, infelizmente, ainda não encontramos um estudo mais aprofundado sobre esse recorte temático aqui. No Brasil, ocorre algo parecido, também com uma produção muito interessante, alguns escritos publicados por artistas sobretudo na década de 1970 e 1980, mas que acabam por ficarem conhecidos apenas por pesquisadores da área. Talvez por sentir falta de uma interlocução e um diálogo, acabamos por nos reunir enquanto curadores-pesquisadores-artistas e propor essa experimentação.
A mostra aborda questões como memória, arquivo, fabulação e obsolescência. Há alguma obra ou momento da exposição que considerem especialmente emblemático para estes temas?
Ainda que as questões abordadas sejam várias, existe um elemento de fundo: a importância da reflexão da dimensão social e política das imagens e dos seus modos de exibição. Com efeito, memória, arquivo, fabulação e obsolescência são características presentes ao longo da história e da utilização da fotografia. Muitos trabalhos acabam por tratar mais de um assunto, uma vez que são temas diretamente relacionados e interdependentes; ou seja, é quase impossível falar de um deles sem automaticamente tangenciar os outros, no caso desse projeto. Ainda assim, há obras que nos suscitaram mais diretamente algumas destas questões: Flor-fantasma (Caló & Queimadela), Caffè sospeso (Noé Sendas) e Fossilization of a spectrum (Nuno Vicente) conduziram-nos mais especificamente à ideia de fabulação; Eclipse de Carla Cabanas e Linha de tempo de Tânia Dinis lidam explicitamente com as questões relacionadas à memória e aos arquivos; enquanto as obras Core de Hugo de Almeida Pinho, Lanterna ótica de Maura Grimaldi e Hotel Palenque (Fossil) de Henrique Pavão, trouxeram-nos de forma contundente debates que envolvem a obsolescência.
A programação paralela inclui visitas guiadas, conversas e oficinas para jovens. Como pensaram estas atividades de forma a expandir a experiência expositiva?
As atividades paralelas foram pensadas para atrair públicos para além dos trabalhadores da cultura ou do campo académico. Neste contexto, propomos as Conversas Foto-Fílmicas para dialogar com as ideias que estão à base de obras apresentadas na exposição. Ainda, com a intervenção de Tânia Dinis, será realizado um laboratório com alunos de escolas básicas no qual as crianças poderão criar diapositivos amadores através da experimentação de diversos materiais. Nesse sentido, temos uma preocupação pedagógica que objetiva estimular o pensamento crítico das crianças acerca das imagens e da sua função social, política e estética.
Igualmente importante é o desejo de promover espaços onde a exposição possa ser percorrida em conjunto, promovendo a troca e o debate entre os indivíduos. Certamente a experiência silenciosa e mais imersiva de uma visita sozinho, a dois ou a três, difere-se de uma guiada, onde o público tem a chance de abrir perguntas, saber mais sobre o processo de produção do projeto e contribuir com o seu parecer e percepção. Assim, esses momentos serão de aprendizagem e diálogo com públicos que - assim como nós e os artistas da mostra - interagem com as imagens crítica e artisticamente. De forma geral, esperamos que a programação paralela proponha outras formas de circular no espaço expositivo - sejam essas experiências mais formais ou mais lúdicas - gerando, também, novas maneiras de visualizar a exibição.
Que impacto gostariam que a exposição tivesse junto de públicos não especializados em artes visuais?
Enquanto curadores, pensamos que apostar numa exposição leva consigo uma certa crença de que o espaço do sensível é um âmbito de mobilização e conhecimento. Nesse sentido, entendemos que tanto essa mostra, quanto outras, seriam capazes de aguçar um interesse genuíno do público através da curiosidade e do fascínio pelas imagens. Muitas das obras expostas acabam por despertar uma memória ligada a modos de se ver e partilhar fotografias que já não estão presentes de forma corriqueira. Tais modos, muitas vezes, conectam-se com parte do público que se vê reconhecido nessas práticas aparentemente perdidas ou apagadas.
Seria, nesse movimento, uma espécie de reencontro com uma ideia de infância e juventude que ainda persiste. Mesmo aqueles mais jovens, que eventualmente não possuem esta referência, podem experimentar corporalmente dentro do espaço expositivo: a relação com a luz e com as formas é algo absolutamente orgânico. Dessa maneira, embora a exposição parta de um estudo mais sistematizado, mobilizado por pesquisas críticas e históricas, afinal, ganha uma dimensão que brinca com a plasticidade de certa nostalgia, ativando espaços íntimos, domésticos e afetivos. Acreditamos que uma mostra deve assumir a responsabilidade de autonomizar o sensível e apostar que a maneira de aproximar-se do mundo, conhecer e experienciá-lo vincula-se a muitos sentidos e a uma presença do corpo no espaço.
Que outras investigações ou temas relacionados com projeção e fotografia gostariam de explorar no futuro?
Futuramente, gostaríamos de aprofundar nos trabalhos de alguns artistas e talvez desenvolver uma exposição individual sobre o tema. Também, aproveitar para trabalhar com diferentes autoras/es que não tivemos a oportunidade de incluir nesse momento, devido às limitações físicas, materiais e orçamentárias do projeto. Entretanto, ainda não temos nada confirmado nesse sentido. Além disso, enquanto curadores, temos o desejo de organizar uma publicação que reúna textos seminais sobre a projeção luminosa fixa, traduzidos para o português. Em paralelo, seguimos com as nossas pesquisas individuais. Nesse momento, Maura Grimaldi está a desenvolver projetos ligados ao cinema, fazendo uso das materialidades fílmicas, como o formato 16mm. Filippo De Tomasi, por sua vez, continua a aprofundar a relação de práticas obsoletas na contemporaneidade através de artigos e investigações. Por fim, Isabel Stein continua a explorar a fotografia analógica, tanto em experimentações com diferentes formatos quanto com técnicas de laboratório.
Foto: Tânia Dinis. Linha de Tempo. 2025 © Cortesia de Pedro Jafuno
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