
Continuando a nossa ronda pelos principais actores políticos portugueses, a nossa entrevistada de hoje é a deputada do Partido Socialista (PS) Inês de Medeiros. Aqui ficam as suas posições sobre vários aspectos das politicas culturais nacionais.
Se for Governo, é intenção do PS voltar a estabelecer o Ministério da Cultura?O PS já assumiu claramente como prioridade o restabelecimento do Ministério da Cultura, onde vai juntar todo o sector do audiovisual, incluindo o serviço publico de rádio e televisão, para que haja um promotor de uma política cultural coerente e sustentada, interlocutor privilegiado com as demais tutelas, para a promoção de politicas transversais que a cultura pela sua riqueza e diversidade tanto necessita. A política cultural deve passar a integrar-se no conjunto da actividade governamental enquanto elemento central e não subalternizado.
Em tempos em que o orçamento para a cultura é menor de ano para ano, é possível manter a oferta com qualidade?
O orçamento cada vez menor para a cultura é uma opção política, não uma fatalidade. E é como opção política que deve ser avaliada.
Hoje já não é mais possível ter o discurso de que a Cultura tem de aceitar os cortes orçamentais por solidariedade para com os outros sectores. Foi certamente o sector que mais cortes sofreu e neste momento já é a própria existência de instituições de referencia que está em causa. Por isso, para responder muito claramente, com o orçamento actual que ronda os 0,08% do OE não é possível criar uma oferta de qualidade - veja-se a programação minimalista de um São Carlos que nos deve envergonhar- não porque quem está a frente das instituições não a tenha ou não se esforce mas porque o Estado não assume os seus compromissos e opta por se demitir da sua própria obrigação constitucional de acesso democrático à criação e fruição cultural. Desistiu de preservar e divulgar o nosso património, (não basta criar novas classificações se depois não se dão os meios de as preservar), desistiu de pensar a Cultura como pilar essencial da democracia, da coesão nacional, factor de inovação, qualificação e competitividade da nossa economia. É tudo isto que é preciso reverter. Mudar totalmente de postura e de pressupostos na avaliação que se faz das politicas culturais.
Por fim importa lembrar que ao estado não compete ser “criador”, nem promotor ou programador, mas criar as condições para quem é criativo o possa ser e os que produzem, promovem e difundem a criatividade o possam também continuar a fazer.
Para quando um sistema de protecção social para os artistas?
É uma urgência. Nenhum sector pode crescer, desenvolver-se, criar riqueza e renovar-se mantendo-se o caos em termos de proteção social como é actualmente o caso, com sobreposição de sistemas quase todos inadequados e ineficazes. Mas importa lembrar que isto não afecta apenas os artistas, designação aliás demasiado lata. Estamos a falar de todos os que trabalham nas mesmas condições, ou seja engloba também os técnicos, os programadores e os próprios produtores. Eu prefiro por isso falar de profissionais do espetáculo e do audiovisual tal como está previsto na Lei 4/2008 revista em 2011. A primeira coisa a fazer é, por isso mesmo, regulamentar o registo que a lei prevê para sabermos exactamente de que universo de pessoas estamos a falar. É uma medida que não tem custos e não se entende porque esteve parada durante quatro anos. Inépcia, incúria ou desleixo?
O que falta no apoio às artes em Portugal?
Falta agilidade e coerência. É essencial criar apoios descentralizados para garantir a actividade cultural em todo o território, mas é também essencial acabar com a uniformidade de critérios de avaliação que descuram a realidade e especificidade dos projectos, o meio em que estão inseridos e muitas vezes aquele que é o seu propósito.
O que podemos aprender com a realidade cultural dos nossos parceiros europeus?
Tanta coisa que nem sei por onde começar. Tudo o que já abordei, os sistemas sociais, a dinamização territorial, as politicas transversais, os estímulos a inovação e criatividade, etc... Para resumir eu diria o respeito. Tudo seria tão mais fácil, simples e eficaz se não tivéssemos de estar permanentemente a explicar porque a Cultura é importante para o desenvolvimento e qualificação de um país. Pelo menos com António Costa sei que isso não será necessário.
Que artistas portugueses lhe têm despertado a atenção ultimamente?
Não acho que deva aqui fazer uma listagem dos “meus” artistas. Todos os que não desistem apesar da adversidade extrema com que são confrontados.
Qual a medida que considera essencial implementar no actual panorama cultural?
Já falei de algumas em concreto. Mas penso que deve haver duas condições ou objectivos prévios a toda acção. Uma profunda alteração na forma como se encara a política cultural e a Cultura como um todo, e garantir estabilidade e coerência nas opções governativas. Nenhum sector se pode desenvolver se todas as regras forem mudadas sempre que muda um governo. E sobretudo quando essa alterações, nomeadamente ao nível da orgânica, são feitas –como foram- de forma cega. Por exemplo, o Premac criou “monstros” sobredimensionados com excesso de competências, supostamente para diminuir custos mas apenas conseguiu paralisar todo o sector, fomentar a opacidade, burocratizar procedimentos. A lei dos compromissos teve as mesmas consequências. Não diminuiu custos, pois estes muitas vezes já estavam em mínimos históricos, apenas criou travões artificiais à actividade das próprias instituições. Por fim importa repor a confiança na palavra do Estado e acabar com os inexplicáveis atrasos nos apoios já contratualizados.
Já sabemos que o objectivo deste governo era, e passo a citar: “Libertar a Cultura do Estado”. Para além da vacuidade de tal afirmação – que sentido faz o património “libertar-se” do Estado? - o resultado foi o que se viu: um sector condenado ao abandono cada vez mais dependente dos apoios do estado pois também nada foi feito para criar financiamentos alternativos. Por exemplo: fazer uma Lei do Mecenato Cultural não é alterar dois artigos no regime dos benefícios fiscais. É pensar uma lei especifica, que tenha em conta a diversidade das actividades culturais e que possa representar um verdadeiro benefício para quem se propõe como Mecena.