
A Mala Voadora é um colectivo com actividade desde 2003. Tem neste momento em cena “Pirandello” no Teatro Nacional D. Maria II. Falámos com Jorge Andrade, fundador, para saber mais sobre este espectáculo e sobre os projectos da companhia.
Como surgiu a ideia de “desconstruir” Pirandello na pele de Albano Jerónimo?A mala voadora já tinha posto a possibilidade de trabalhar com Ele Foi Mattia Pascal, o romance de Pirandello, em 2009, no âmbito de um ciclo de espetáculos sobre a – em grande medida falsa – questão da identidade. Mas na altura isso não chegou a acontecer. Entretanto, quando falámos com o João Mota sobre os projetos que tínhamos em mãos (outros, que não nos pareciam ter a ver com Pirandello), ele disse-nos, com a sua sabedoria, que devíamos “era ler Pirandello”. Era a oportunidade de regressar a Mattia Pascal! Decidimos que Mattia Pascal não se ia chamar Mattia Pascal, mas sim Albano Jerónimo, para que o espetáculo arrancasse logo com uma evidente mentira. Como é evidente que a história não tem nada a ver com a vida do Albano, torna-se mais evidente que o público está perante uma ficção chamando à personagem “Albano Jerónimo”, do que chamando-lhe “Mattia Pascal”.
Encenar no Teatro Nacional carrega uma responsabilidade diferente?Estamos muito contentes por apresentar este espetáculo no Dona Maria, mas a nossa responsabilidade não varia: quando estamos a trabalhar, optamos sempre por aquilo que nos parece melhor artisticamente, independentemente das circunstâncias.
A Mala Voadora iniciou a actividade em 2003. Que balanço fazes destes quase 12 anos?Muito positivo: continuamos sem conseguir definir a nossa identidade, continuamos sem uma resposta para aquilo que é, ou deve ser, o teatro, continuamos a preferir o difícil ao fácil, e não repetimos “modos de fazer” espetáculos. Gostamos muito dos artistas com quem trabalhamos, conseguimos consolidar a equipa de gestão e produção da companhia, temos estabelecido boas relações com muitas instituições públicas que nos financiam, apoiam e apresentam, e temos tido oportunidade de apresentar espetáculos um pouco por todo o lado, em Portugal e no estrangeiro. Temos agora o desafio de programar um pequeno equipamento no Porto: a mala voadora.porto – um desafio que nos entusiasma muito.
Até que ponto é que as tuas competências e as do José Capela se complementam?A minha formação é de ator e de encenador. Ele é arquiteto e escreve sobre arquitetura e sobre artes visuais. Eu sou mesmo do teatro; ele não. Antes de mais, complementamo-nos nas tarefas: eu enceno e ele faz cenografia (apesar de as nossas tarefas se contaminarem reciprocamente, claro). Mas, para além desta questão prática, partilhamos a direção artística da companhia e esta dualidade reflete-se nos espetáculos da mala voadora que, não querendo ser senão espetáculos de teatro, vivem de uma certa tensão entre a tradição teatral e a “importação” de recursos de outras artes. E entre texto e imagem.
No Porto têm um espaço com uma programação regular, dando oportunidade a caras menos conhecidas para mostrar o seu trabalho. É importante para vocês dar essa visibilidade a novos valores?Sim, é uma oportunidade de fazer a outros aquilo que fizeram connosco, e é uma oportunidade de estarmos mais próximos de artistas cujo trabalho nos estimula.
Quais as maiores diferenças que encontram entre o tecido cultural das duas grandes metrópoles do país?O Porto é um caso muito particular. Viveu vários anos sob uma gestão camarária com uma visão pouco esclarecida sobre a cultura e que asfixiou uma parte significativa da produção cultural da cidade. Isto foi particularmente gravoso para os artistas locais que não tinham financiamento do Estado e que não eram incluídos no eixo tripartido de programação TNSJ-TECA-S.B. da Vitória, e também para os artistas que, não sendo do Porto, acabavam por ver a sua relação com a cidade condicionada pelas mesmas adversidades. Nós próprios fomos um exemplo disso: durante muitos anos, apenas conseguimos apresentar o nosso trabalho no Porto porque fomos convidados no âmbito de programas da Fundação de Serralves – cuja vocação nem sequer é exatamente aquilo a que se chama “teatro”. Como todos sabemos, Lisboa tem um tecido cultural muito mais denso e complexo, com oportunidades para os artistas e para o público muito mais diversificadas. E, ainda que mais escassas do que o desejável, sempre foi tendo várias instituições abertas às diversas escalas e tendências de produção teatral. Neste momento, a diferença entre as duas cidades está a transformar-se (a diferença em si é positiva). O Porto está numa fase de clara reanimação cultural, designadamente no que respeita ao teatro. É muito bom ver que o Porto voltou a ter, por exemplo, um Pelouro da Cultura ativo e interventivo, e um teatro municipal com uma programação de grande qualidade. Entusiasma-nos muito podermos participar, à nossa escala e com a nossa especificidade, nessa movida.
Planos, projectos e desejos para o que resta de 2015?O que resta de 2015 vai ser um ano de colaborações: com Chris Thorpe (que vai estar a escrever em residência no Porto) e com os brasileiros Magiluth. Um espetáculo – your best guess – servirá para inventar versões da história recente a partir de coisas que não aconteceram mas que podiam ter acontecido. Com os Magiluth, vamos tratar da felicidade. Ou, melhor, criá-la num espetáculo. E também vamos procurar a felicidade na mala voadora.porto!
Mais sobre PirandelloMais sobre a Mala Voadora