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À frente da curadoria da Bienal de Arte Contemporânea da Maia 2025, Manuel Santos Maia apresenta-nos uma edição marcada pela intensidade criativa, pela imaginação e pela liberdade. Depois de explorar a ágora em 2021 e os futuros possíveis em 2023, Maia avança agora com o tema Fulgor, inspirado pelas palavras de Maria Gabriela Llansol e pelo desejo de abrir novos caminhos na criação artística contemporânea.
Nesta conversa, fala-nos da energia transformadora que encontrou em muitas das obras selecionadas, do papel da arte como força de libertação e construção coletiva, e do desafio de montar uma programação multidisciplinar que cruza artes plásticas, poesia, música, performance e gastronomia — tudo com entrada livre e vocação pública. Entre reflexões sobre o tempo que vivemos e o tempo que está por vir, fica claro que esta bienal quer ser mais do que uma mostra de arte: quer ser um espaço vivo de resistência poética e partilha sensível.
Como surgiu a escolha do tema Fulgor para esta edição da bienal?
Depois de, em 2021, termos apresentado a ideia de ágora como conceito central — a ideia de que o artista, ao expor, torna público o seu pensamento e, nesse sentido, é cidadão por excelência, construtor da pólis —, e de em 2023 termos explorado a ideia dos futuros possíveis e realizáveis, ligados à utopia e aos utopistas contemporâneos, senti que ainda havia outras dimensões da criação artística por abordar, mantendo uma espécie de fluxo continuo a partir desses dois motes anteriores. Ao analisar esse panorama contemporâneo, percebi que muitas obras que me interessavam, partilhavam uma mesma energia, uma mesma intensidade: o fulgor. Essa constatação leva-me a adotá-lo como tema e ponto de partida para a seleção dos trabalhos e construção da programação deste ano.
O que te inspirou nos escritos de Maria Gabriela Llansol?
A ideia de fulgor em Maria Gabriela Llansol está intimamente ligada à criação, à potência de agir, à abertura constante ao novo. É um pensamento inspirador, muito querido e acolhido por artistas de diferentes áreas. Essa noção de fulgor como disponibilidade radical para o desconhecido foi fundamental para orientar a seleção das obras. Trata-se de um conjunto que propõe formas diversas de ver, ouvir e sentir, expandido horizontes. Ver através de imagens, sons, movimentos, criações diversas, quase com a possibilidade de nos abrirmos livremente a todas as realidades são ideias muito pujantes no universo llansoliano. Para Llansol, o futuro não é uma projeção distante, é o agora, e estas criações devolvem-nos essa força presente.
Para ti, o que significa o fulgor no contexto da criação artística contemporânea?
Vejo-o como uma energia transformadora presente nas obras que derrubam fronteiras e despertam os sentidos. É uma força que aponta para novas formas de existir, com um propósito muitas vezes hedonista: o da busca pela felicidade e pela liberdade que, diria, são objetivos fundamentais do ser humano e que, de alguma forma, rebate o medo tantas vezes presente. Agrada-me profundamente essa ideia aliada à criação artística contemporânea e, neste caso, estamos perante obras que nos libertam e ampliam a nossa capacidade de compreender o mundo.
Que impacto esperas que o conceito de fulgor tenha no público que visita a bienal?
Vivemos tempos em que os discursos dominantes tendem a limitar, a gerar medo e a tolher o pensamento. Esta bienal pretende ser uma resposta a isso: uma celebração da liberdade, da imaginação e da pluralidade. Por isso, convocámos artistas de diferentes universos e também poetas como Maria Brás Ferreira, Andreia C. Faria ou Nuno Félix da Costa, cuja palavra poética ressoa em toda a programação, desde a inauguração, a 3 de julho, ao segundo momento importante de apresentações, a 19 de julho, até ao encerramento a 14 de setembro, sendo que haverá também um terceiro e último momento, a 6 de setembro, onde será apresentado o livro referente a esta edição. Desejo que o público sinta essa liberdade, enraizada nos afetos e na potência poética, que reverbera em toda a programação.
A programação da bienal é muito rica e variada. Qual foi o maior desafio em montar este programa multidisciplinar?
É uma programação múltipla e diversa, convocando diferentes realidades – voltando a Llansol – que acolhe as artes plásticas, mas também as artes performativas, a criação musical e a poesia. É um programa que tinha de dar conta dessa contemporaneidade transdisciplinar. Muitos dos artistas têm práticas transversais, como Isabel Carvalho, cujo trabalho parte da poesia de Isabel Meyrelles e cruza som e palavra. Interessa-me essa transdisciplinaridade contemporânea, que vemos também no trabalho dos Von Calhau ou da Ece Canli. Por outro lado, quis criar núcleos que, mesmo distintos, dialogassem entre si através de um denominador comum: o fulgor da imaginação. O Fórum da Maia, como espaço de exposição e de criação, foi essencial neste processo.
Há um foco em artistas de países que celebram 50 anos de independência. Como é que esta ligação histórica se reflete nas obras apresentadas?
Tendemos a olhar para países como Angola ou Moçambique com imagens do passado. Mas, ao longo destes 50 anos, surgiram muitos artistas que pensam a liberdade e o futuro de forma plena, grande parte deles com reconhecido percurso internacional. Malangatana ou Alberto Chissano são exemplos de criadores que sonharam a liberdade mesmo em tempos de opressão. Hoje, temos artistas nascidos em liberdade que continuam essa trajetória. Atendendo a que este ano se celebra os 50 anos de muitas independências, fazia todo o sentido convocar obras e artistas que participaram nessa procura pela liberdade e que contribuíram para a criação de futuros mais amplos e livres. Fazer justiça relativamente a esses países é pensar e dialogar com os seus criadores e com o seu pensamento.
Há alguma obra, artista ou momento que não queres mesmo que o público perca? Algum destaque pessoal?
Destacaria dois universos essenciais: a obra de Eduardo Batarda e a presença da poesia, com os poetas que integram o programa. O desafio que encontro na obra de Batarda é o mesmo que encontro na poesia: são obras e poemas a que tenho sempre vontade de voltar. São obras viradas para o futuro e que, em muitos casos, vamos precisamente compreender melhor nesse tempo futuro quando as revisitamos. E sem deixar cair essa dimensão poética, que encontro em tantas outras obras, não posso deixar de mencionar a fulgurante obra de Ana Manso, mas também de Isabel Carvalho, Von Calhau, Ece Canli, Francisco Trêpa, entre tantos outros. Distinto é também o projeto de Madalena Folgado com as adufeiras de São Miguel D’Acha. No fundo, todos estas propostas são muito singulares, que contribuem decisivamente para o espírito desta bienal.
A bienal aposta na entrada livre e em atividades abertas. Que estratégias pensaste para aproximar mais pessoas da arte contemporânea?
É uma estratégia do município que as exposições do Fórum da Maia sejam de entrada livre. Isso permite que possa abranger todos os tipos de públicos e permite que a frequência de visita e de participação possam aumentar, porque na arte contemporânea esse lado de revisitação é essencial. A programação é desenhada para acolher públicos diversos: há exposições, concertos, performances, oficinas, residências, literatura. Pensámos também nos mais jovens, com ações educativas, e temos vários momentos que contribuem para criar um ambiente de partilha, descoberta e experimentação. Queremos que cada visitante possa voltar e revisitar, algo essencial na arte contemporânea.
De que forma achas que a BACM 2025 pode ajudar a projetar a Maia no mapa cultural nacional e internacional?
Ao convidarmos artistas de diferentes latitudes, estamos a afirmar a Maia como um lugar atento ao mundo. Em vez de termos de sair para ver grandes criações, podemos encontrá-las aqui. Temos obras de Efrain Almeida, Malangatana e Thiago Rocha Pitta que são, precisamente, exemplos de artistas cujas obras podemos hoje ver no Moma ou na Tate Modern, sendo por isso esta uma oportunidade única de as vermos e experienciarmos. Para além disso, temos residências artísticas noutros pontos do país cujos resultados serão apresentados na Maia. Há um movimento de dentro para fora e de fora para dentro. Essa permeabilidade é fundamental para afirmar a Maia como um centro de criação e de reflexão contemporânea.
Quando falas em “futuros possíveis” no texto da bienal, que papel atribuis à arte nesse caminho?
A arte tem o poder de nos abrir a novas linguagens, novas formas de pensar e de sentir. Precisamos de novas palavras, novas imagens, novos sons, novos gestos — e são os artistas que nos ajudam a construir esse léxico do futuro. A arte aponta caminhos, dá corpo aos desejos e inquietações. É urgente sermos mais destemidos e confiantes nesse processo.
Como foi para ti trabalhar com uma equipa tão grande e com tantas áreas envolvidas na produção da bienal?
A maior parte da equipa já tinha colaborado comigo noutras ocasiões. Houve um grande sentido de continuidade, mas também abertura a novos diálogos. Muitos dos artistas foram descobertas recentes, o que trouxe frescura ao processo. Fico muito grato pelos desafios e pelo diálogo que se estabeleceu entre todas as partes envolvidas.
Achas que o tema fulgor vai continuar a inspirar novos projetos teus depois desta bienal?
Acredito que sim. A exposição que apresentei recentemente na Galeria Graça Brandão, com Nuno Ramalho, Sérgio Leitão e André Sousa, intitulada “Geografia Imaterial”, já era um ensaio nesse sentido. Há mais de um ano que tenho pensado e acarinhado estas criações que, como refiro, me dão essa ideia da força do real que está por vir. São obras que me convocam para outras realidades, outras forças do real. Como diria Llansol, continuarei a seguir aquilo que me devolve o fulgor da imaginação, num tempo marcado por fricções políticas, pela construção de novas barreiras e pelo desrespeito pela dignidade do outro e até mesmo atentados à liberdade. Precisamos desse fulgor como antídoto contra o medo e a desumanização.
Foto: © Alfredo Cunha
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