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Nos dias 6 e 7 de setembro de 2025, a aldeia de Manhouce, em São Pedro do Sul, volta a receber o festival literário “A Gente (Não) Lê”, cuja segunda edição tem como mote a palavra “Resistir”. Depois da estreia em 2023, dedicada a José Pinho — o livreiro visionário que ajudou a sonhar este projeto — o festival regressa com uma programação que cruza literatura, música, cinema, caminhadas poéticas, oficinas tradicionais e a participação ativa da comunidade local.
À frente desta iniciativa está Marisa Araújo, dinamizadora cultural e coordenadora do projeto CLDS em São Pedro do Sul, que vê neste encontro um ato de resistência, de memória e de celebração das tradições e da palavra. Nesta entrevista, fala-nos sobre o legado de José Pinho, o desafio de organizar um festival literário numa aldeia serrana e o que significa resistir hoje, através da literatura e da cultura.
A primeira edição foi dedicada a José Pinho, que ainda ajudou a lançar o festival. Que marcas dele continuam vivas nesta segunda edição?
Qualquer pessoa que tenha conhecido o José Pinho terá ficado inevitavelmente marcada por esse encontro. Aconteceu comigo e sinto-o a cada momento de antecipação e de idealização deste festival. Relembro mentalmente os conselhos, a generosidade com que acolheu de imediato esta ideia, mesmo estando já muito doente e da alegria que me passou, face a algo a começar. Essa frescura perante a vida, esse entusiasmo quase de menino, foram/são, profundamente inspiradores. E uma coisa: todas as edições o evocarão e homenagearão, assim o festival continue e eu também.
Escolheram “Resistir” como mote. O que significa, para ti, resistir hoje - no contexto da literatura, da cultura e da própria aldeia?
Comecemos pela aldeia e de como é, por si, um ato de resistência, habitar numa aldeia, num tempo em que tudo parece existir nas cidades. O dito “interior”, palavra repetida até ser abstração e não significar nada. Especialmente nesta altura do ano, em que os incêndios nos colocam na ordem do dia, aos habitantes ou “populares” do interior, como sempre dizem até à náusea nas notícias. Depois os incêndios passam e ficamos para trás na tal ordem do dia, enquanto olhamos, desolados, tudo o que ardeu. Só voltarão a lembrar-se de nós no próximo incêndio. E é (também) aí que entra a cultura, a literatura, a beleza, o poder das palavras, tudo o que nos salva, portanto. Para sermos lembrados por bons motivos, por tentarmos, por persistirmos, por resistirmos. Atravessamos tempos muito perigosos e muito estranhos. E a História ensina-nos que os primeiros (e últimos) resistentes foram/são sempre os artistas, os poetas, os filósofos. Este festival, organizado num lugar de resistência como é uma aldeia, quer lembrar isso mesmo e, ao mesmo tempo, dizer, orgulhosamente, que as aldeias também são lugares de interpelação, de pensamento, de criação, de vida interior.
Dizes que “fazer acontecer esta aventura rural é, por si só, um ato de resistência”. Que obstáculos práticos encontraste e como se transformaram em força para o festival?
Os principais obstáculos são muito elementares: a distância, as deslocações, os equipamentos necessários, entre outros detalhes que não vou enumerar. Mas diria que o principal obstáculo é interior, aquela voz que diz: não faças, é mais fácil projetar isto num espaço fechado e perto de tudo. Mas há aquele momento inqualificável em que todas essas dúvidas e medos interiores se transformam numa força sem nome que diz que é para avançarmos por valer mesmo a pena fazer acontecer isto.
A comunidade de Manhouce parece estar muito presente na preparação do festival, desde o pão ao bordado. Como é que consegues envolver as pessoas da aldeia neste projeto literário?
O festival literário é uma das muitas ações do projeto de desenvolvimento social e comunitário que coordeno aqui em São Pedro do Sul (CLDS) e que implica uma proximidade e um trabalho contínuos junto das comunidades das aldeias. Digamos que é um envolvimento construído graças a essas relações de confiança estabelecidas com tempo e à incrível parceria que temos com a Junta de Freguesia. E também, o que acontece invariavelmente, é que as pessoas das nossas aldeias acolhem e pronto. Gostam de ver acontecer coisas nas suas terras, de receber (bem) quem vem por bem.
A programação junta literatura, música, cinema, caminhada, comida e até oficinas tradicionais. Foi uma decisão consciente aproximar a literatura de outros gestos culturais e comunitários?
Sim, o mais possível. Todos esses gestos estão impregnados de vida. E os livros são a vida que acontece, que aconteceu, como gostaríamos que acontecesse ou não. Como não tentar que um festival literário juntasse tudo o mais possível? E, muito importante: que vivesse o lugar, as pessoas que o habitam, os seus rituais ancestrais.
O “Livro Conduto” é uma ideia muito bonita e original. Como tem sido a reação do público a esta troca livre de livros?
A reação do público na primeira edição foi muito bonita. Foram muitos os livros que ficaram na biblioteca da Escola Primária de Manhouce e que são sinal da generosidade das pessoas que estiveram connosco há dois anos. Tínhamos mesmo de voltar a incluir o Livro Conduto nesta edição. É mais uma forma de as pessoas serem parte do festival e de deixarem algo delas na aldeia. Assim, dessa maneira livre, orgânica.
O festival assume-se político e interventivo. Sentiste alguma resistência a essa dimensão ou a comunidade acolheu naturalmente essa escolha?
Sim. Assumidamente político no que a palavra tem de mais nobre. E interventivo. Há palavras que não se ficam pela metade. E RESISTIR é uma daquelas palavras inteiras, fortes. Temos de a assumir como ela é. E não houve a menor resistência ou hesitação. Ao contrário, a comunidade da aldeia evocou logo o seu património combativo, de resistência, contando histórias de como os seus antepassados foram exemplos a esse nível e de como isso está presente em algumas das músicas das Vozes de Manhouce e que serão cantadas no festival.
Qual é para ti o momento mais especial desta edição?
Não consigo escolher um. Todo o festival está desenhado para ser uma experiência inteira. A ideia é a de convidarmos as pessoas a passarem estes dois dias connosco. De começarem o dia a fazer o pão no forno comunitário, depois fazerem uma caminhada ao longo do rio, regressarem para uma oficina de manteiga artesanal ou de fritas de mel ou de folclore e depois fazerem a prova destas duas coisas maravilhosas, para estarem depois a tomar parte nas conversas com os nossos convidados e ao cair do dia, a assistir a uma leitura encenada de uma peça de resistência do Jaime Gralheiro e ao concerto imperdível da Gisela João. De acrescentar que nesta edição teremos um espaço infantil, para que as famílias possam viver em pleno o festival.
Olhando para o futuro: imaginas “A Gente (Não) Lê” a crescer e ganhar escala, ou preferes que continue a ter esta dimensão intimista, profundamente ligada à aldeia?
Para já, olhamos para o futuro próximo, nos dias 6 e 7 de setembro. A aldeia está a preparar-se e a vestir-se de festa para que tudo corra bem e fazer parte disso tem sido um privilégio. Queremos muito que as pessoas venham e que isso aconteça sempre em diálogo com a aldeia. A nossa escala é essa e é o caminho que queremos fazer.
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