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O novo filme de Marta Pessoa, "Rosinha e outros bichos do mato", é um documentário que perscruta a ideia de “racismo suave” e como este vem beber ao enaltecido colonialismo português. A Rosinha titular é uma nativa guineense que se tornou no símbolo da primeira exposição colonial portuguesa apresentada pelo Estado Novo em 1934. Conversámos com a realizadora a propósito do filme.
O que te levou até à Exposição Colonial Portuguesa de 1934?
A trabalhar noutros projectos, também eles ligados ao Estado Novo, mas não foi logo evidente que a Exposição daria um filme. E não deu, no sentido que o filme não é sobre a Exposição, mas é o ponto de partida, sem dúvida. Talvez o momento em que percebi que teria de fazer o filme foi quando comecei a ouvir um pouco por todo o lado, e sem qualquer questionamento, a expressão "Portugal não é um país racista". Voltava-se a ouvir os chavões da "brandura" do "nosso colonialismo", de como eramos "mais bonzinhos" ou "menos maus". Ora colonialismo "bom" é coisa que não existe. Foi neste confronto que decidi que era o momento certo para avançar com o projecto. Ou seja, o que me levou ao filme não foi o "acontecimento" de 1934, mas o que se estava a passar agora! Neste momento.
Como achas que os portugueses vão olhar para esta exposição 90 anos depois?
Sublinhemos 90 anos! É também essa a questão. Passaram 90 anos. A Exposição, posso mais ou menos afirmá-lo, pois tem sido esse o retorno que tenho tido de quem vê o filme, é quase complemente desconhecida. Acontece que o que se passou nesta Exposição, para além de outras coisas que estabeleceram as "linhas" de um Estado Novo acabadinho de se formar, foi um zoo humano. Em 1934 foram trazidas das então chamadas colónias pessoas para serem "expostas". Foram criadas aldeias, supostamente recriações de "aldeias indígenas" onde essas pessoas ficavam para serem vistas pelos visitantes da Exposição. Acredito que muitos portugueses saibam da existência de zoos humanos (na Europa, nos EUA, por exemplo), mas quantos saberão que existiu um nos Jardins do Palácio de Cristal em 1934? E depois há todo um arquivo que serve de prova de que tudo o que ali se passou existiu. E, isto é muito importante: textos ditos e escritos pelos homens do regime. Perante tudo isso é difícil não ver o paralelo com alguns discursos que ainda hoje se ouvem. E não há como negar. Todo este material existe. Agora resta saber como é que em 2024, depois de "olharem" tudo isto, vão reagir, fazer essa ponte para os dias de hoje. É essa a grande questão.
Sentes que a propaganda realizada pelo Estado Novo era eficaz?
Então não era? Tanto que era que ainda temos o seu lastro. Ainda estamos presos a ideias e a muita iconografia do passado. Se não fosse eficaz o regime teria caído mais cedo. Pensemos, e este é só um exemplo, que Portugal manteve as colónias depois da II Guerra Mundial. O mundo estava em ebulição, os movimentos de libertação em acção, e Portugal muda o nome de "colónias" para "províncias ultramarinas" e segue o seu caminho.
Qual o teu principal objetivo com este filme?
Acho que o objectivo de todos os filmes: que seja visto, e que seja visto por muita gente e em muitos sítios. Eu sei que esta pergunta vai no sentido de criar uma discussão à volta da questão do racismo, e é claro que é essa também a minha luta. Anti-racista. Como cineasta e como cidadã.
Quem terá sido Rosinha?
Não sei quem terá sido Rosinha. É essa mesmo a questão. Não se sabe, porque também não interessava aos organizadores da exposição saber quem era aquela mulher. Aliás, nem aquela nem as mais de 300 pessoas que foram trazidas para a exposição. No caso de Rosinha, ela tornou-se a grande metáfora de tudo aquilo. De um lado, o império colonial masculino, viril, branco; do outro África, feminina, disponível, fecunda. E, no entanto, Rosinha era uma pessoa, real. Foi enfiada num barco, depois num comboio, esteve durante alguns meses no Porto e depois voltou para a Guiné.
Como foi o processo de pesquisa para este filme?
Desde logo foi feito online. Com tanto material produzido em 1934, e pensando que já passaram estes anos todos, e que a Exposição é praticamente desconhecida, poder-se-ia pensar que passei os meus dias de um lado para o outro, enfiada em salas reservadas a abrir caixotes. Mas não. E isto é muito importante, parece-me. Grande parte do material de arquivo que aparece no filme está disponível online. As imagens em movimento, os textos, os jornais da exposição que eram publicados todos os dias, estão digitalizados, assim como actas, revistas e as fotografias. Aliás, desde o início da pesquisa que decidi que iria usar quase exclusivamente material que qualquer pessoa pudesse consultar. Este foi o primeiro passo, o segundo foi ir fisicamente aos arquivos, claro. E filmar os arquivos, os objectos, as provas fotográfica. Tudo na materialidade do arquivo. Tirando os filmes, tudo o que aparece no filme é "analógico". Foi também muito tempo passado em alfarrabistas à procura dos "despojos" da exposição. O resto do tempo, e foi muito tempo, foi a trabalhar com a Rita Palma (co-argumentista) a tentarmos perceber o sentido de todo aquele material.
A memória é terreno fértil para a criação?
A memória tem de ser terreno fértil para tudo! Sem memória não andamos cá a fazer nada. Tem-me acontecido, sim, andar por questões do passado que ainda estão bem vivas, e acesas, na nossa vida, no nosso quotidiano.
Portugal é um país racista?
Sim. E esta é a resposta curta e a resposta longa. Não há outra maneira de dizer. Sim.
Em que estás atualmente a trabalhar?
Estou a trabalhar numa longa metragem (documentário) que parte da relação das pessoas de Lisboa com a natureza. Um "pouco diferente" da ROSINHA E OUTROS BICHOS DO MATO, sem dúvida, mas que de certa forma vai no mesmo sentido de procurar entender algumas das nossas acções.
Como sentes que vai o cinema feito em Portugal?
Sinto que o cinema que se faz vai bem e recomenda-se! Agora, as questões dos financiamentos, da exibição e do público já tem muito que se lhe diga. Continua o desprezo pela cultura, e isso é geral, não é só um problema do cinema.
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