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Não os conheço a todos, mas sei quem são

21 de Maio de 2020

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Não os conheço a todos, mas sei quem são
Por Jorge Silva Melo

Já fomos a muitas destas salas, sim, uma vez, outra vez, regularmente, espaçadamente. São pequenas salas e há muitas por aí, pequenas salas modestas onde grupos locais (profissionais) trabalham, criam, acolhem, discutem, preparam. São muitas, de Norte a Centro. Mas também (menos) pelo Alentejo e quase nenhuma a sul (já houve).

Têm pouco dinheiro, as condições são modestas e as salas não oferecem o luxo (merecido) dos Teatros Municipais (que não, não foram criados por Carrilho), algumas já soçobraram mesmo, outras fecharam-se em copas, há companhias que apareceram há uns anos e só agora sabemos delas, Lisboa sempre foi muito longe desses campos fora. E trabalham (se trabalham!) com escolas, grupos de adultos, comunidades de leitores, associações locais, sempre ali mesmo ao pé. E se trabalham.

Sei quem são. Mas nem vos passa pela cabeça o trabalho que têm, entre escolas e juntas de freguesia, centros de dia e ensaios, contratos frágeis, orçamentos e dedicação. O certo é que a sua obra está aqui. Não vêm estas pessoas a entrar uma noite para um espectáculo no Teatro Ildefonso Valério, ali mesmo, no meio de uns prédios, em Alverca? Tantas pessoas, expectantes, calmíssimas, seguras.

Eu sei quem são. Já estive com estas pessoas, já nos falámos, até já me levaram um bolo numa noite de debate. E eu gosto de as ver e de ouvir os seus risos.

Sim, estas pessoas são trabalho do grupo (Cegada) sediado no Ildefonso Valério em Alveca. Foram precisos muitos anos para conseguir esta tranquilidade. E este sentido critico, esta curiosidade, esta delicadeza, esta atenção.

Não os vedes? Estão felizes.

Isto é aqui ao pé em Alverca, sim. Mas também vi pessoas assim em Tondela, em Joane (há muito tempo), em Borba (também), em Santo André, em Lagos (ui), em Sintra ainda há pouco, e claro nos meus amigos do Gretua em Aveiro, na Bruxa em Évora, em Abrantes, com os Palha, em Coimbra com o Teatrão, no Teatro da Rainha em Caldas, com o Noroeste em Viana do Castelo, no Seixal, na Póvoa de Varzim onde o Varazim Teatro se ocupa de parte da programação do belo Cine-Teatro Garrett (mas esse já é mesmo um teatro todo pipi). E, claro, na Glória do Ribatejo de onde nos veio, belo e único, o Paulo Claro.

Sim, isto é trabalho.

Tantas vezes o disse ao Joaquim [Benite], creio até que o escrevi, “a tua obra-prima foi este público, foste tu e os teus que o fizeram, cabeça a cabeça, mão a mão, coração a coração”. Claro que, quer em Campolide quer, depois, em Almada o Joaquim, velho sábio, se apoiou na extraordinária máquina do Partido a que dizia não pertencer mas... Claro que naqueles anos de sementeira, o Partido estava interessado num discurso artístico e suburbano. E o Teatro Municipal que agora e merecidamente ostenta o seu nome é a prova: mais nenhum destes novos teatros tem “companhia residente” (como deveriam ter), mais nenhum consegue congregar tantas vontades e tanto teatro. Mas foi modestamente que começou, ali ao alto desta minha rua, numa pequena associação cultural e desportiva, rodeado de raparigas e rapazes da UEC, e assim se foi construindo um repertório, um elenco, umas camaradagens, uma poética que o haviam de levar, teimoso e hábil, para o Outro Lado do Tejo, para aquela cidade que ele também inventou, Almada, à imagem daquelas cidades da cintura vermelha de Paris, Nanterre, Aubervilliers, Bobigny, Vitry... Cá, desfizeram-se Odivelas/ Loures, quase não há Barreiro, talvez volte a haver Seixal, há indícios de gente pelo Montijo, pelo Cacém, há os Aloés parcialmente na Amadora. Mas no fundo, no fundo,só há Almada.

E podia haver mais: é aí que vivem as pessoas. Ah, as pessoas... Estas pessoas.

Sim, eu conheci essas salas modestas, vi-as crescer, morrer, definhar, afirmar-se, triunfa, transformar-se. Delas avistava-se o futuro, sim, estava ali à mão e era possível semeá-lo.

E olho para as pessoas nesta fotografia: viverão lá perto e descem, à noite, das colinas do Ribatejo para virem rir, sonhar, pensar, estar com os outros.

E só isso que desejo (desejamos): ser todas as noites digno da esperança que estas pessoas depositam em nós, honrá-las.

Mas parece que não: estas pequenas salas, habitadas por pequenas, competentes e teimosas equipas, amadas palmo a palmo, conquistadas por artistas e espectadores vão caindo. Não estão na berra, a comunicação social ignora-as, não chegam a Lisboa nem descem à Bica. Por outras palavras: não são merecedoras do indispensável e mais que justificado apoio estatal, são elegíveis mas não são eleitas, são inelegíveis de acordo com possidónios critérios que, não tenhamos dúvida, beneficiam gente finaça dos Centros Históricos de Lisboa ou Porto. Mas não é aí que vivem estas pessoas que aqui se amontoam para ver teatro. Estas vivem em Alverca. E era tão bom poderem ver crescer um teatro na sua terra, é assim que devia ser.

(E se falo aqui de Alverca e do Teatro Ildefonso Valério, não me levem a mal os outros de que não tenho retrato ou nem sei mesmo: é porque foi lá que estreámos, em finais de Outubro, uma peça, “Vemo-nos ao Nascer do Dia” de Zinnie Harris. E com que orgulho conseguimos. Com tanta gente a ver e a conversar na noite ainda amena).

O Teatro podia ser uma coisa linda ali mesmo, ao virar da esquina.

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