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O projetor vai bem/Identifiquei-me imenso

Por

 

Mafalda Banquart
2 de Dezembro de 2023

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O projetor vai bem/Identifiquei-me imenso

O projetor robótico vai bastante bem. Tanto nas voltas arriscadas, mas tecnicamente irrepreensíveis, como na forma como se abandona à imobilidade, a um estar apenas.


Identifiquei-me imenso. Fiquei comovida até. Aquela estrutura tão pequenina, mas tão resiliente é quase símbolo do belo. Mesmo os cordões verde-florescente dos ténis ou o cabo vermelho dos auscultadores, sem tanto protagonismo, brilharam - o tom era justo. O ensemble, perfeitamente sincronizado, envolve-se numa surpreendente coreografia de montagem de uma estrutura triangular, como a bandeira de um novo lugar, os cabos a fazerem piruetas no ar, lançados pelos humanos, a dar-lhes o foco. O carregador macintosh carrega o espetáculo, é impressionante vê-lo vencer a horizontalidade e permanecer estoicamene na ficha. A truss, como já nos vem habituando, entrega-nos a sua graciosidade, ao deslizar para cima magistralmente sem tocar em nada, ao erguer delicadamente o ecrã nos seus braços de metal. O fumo imprime muito bem (pergunto-me se terá andado a estudar os nevoeiros da manhã) numa performance exímia, sugestiva apenas, nada caricatural. Mas o punctum para mim, foi aquela luz pequenina dos auscultadores a piscar, de uma subtileza como nada que se tenha visto por aí ultimamente.


Imaginem que o espaço performativo e o da instalação se fundem e que estamos perfeitamente habituados a isso enquanto espectadores. Que o facto de a luz de serviço nunca ser desligada, de a porta permanecer sempre aberta e de não sermos informados de quando é suposto entrar ou sair, se nos devemos sentar, ou se podemos usar o telemóvel, não nos causa nenhuma dúvida acerca da relação com o espaço ou com o objeto artístico. Que não nos desorienta. Imaginem que as ideias são articuladas sem necessidade de progressão, sentido, cronologia ou ficção e que temos liberdade para dar atenção ao que quisermos, pela ordem que quisermos. Que, entre os elementos a que podemos dar atenção, estão, sem ponto de vista privilegiado, toda a maquinaria da black box, luz, texto escrito e dito, a própria montagem exigida pelo acontecimento teatral, auscultadores, texturas dos figurinos, toda a equipa criativa. Talvez aí não precisasse de fazer considerações acerca dos protocolos visíveis e invisíveis que estão sempre em ação quando vemos e fazemos teatro, e com que a proposta de Ana Libório, Bruno José Silva e João Estevens/Arraial Cósmico tem inevitavelmente de lidar. 


Porque é que o teatro finge que é o último reduto do humano? Por se definir pela “copresença”, o “ao vivo, ao mesmo tempo”, dispensando mediação tecnológica? Porque é que ignora a rede complexa e intricada de entidades humanas e não humanas que participam nesse evento, em colaboração, em arraial?


Vamos supor que éramos capazes de nos emocionar com o outro sem precisar de o reconhecer como um semelhante. Comovemo-nos, portanto, com os elementos da cena de modo equivalente, sem precisar de partilhar com eles uma condição humana. Se assim fosse, também não precisava de falar do predomínio do humano no teatro, de perguntar porque é que estou treinada a seguir a figura humana em cena, mesmo que ao lado um projetor esteja a dançar e uma estrutura de varas metálicas e projetores ocupe o lugar central. E não precisava de falar da beleza de uma proposta como “Cosmic Phase/Stage” e do seu desafio à noção de indivíduo, à nossa perceção do mundo enquanto reino de entidades autossuficientes, contrastando-a com as ideias de rede e colaboração.


Se assim fosse, podia escrever um texto só a falar de quem (ou daquilo) que “vai bem” ou “vai mal”, do que me tinha fascinado e aborrecido, como se fala dos atores de repertório. O alívio que era. Ainda bem que pude imaginar isso. Mesmo que esse texto continue cheio das minhas projeções antropomórficas, que promova uma interpretação a partir das minhas categorias viciadas na noção de indivíduo, de entidades separadas. Na verdade, não temos linguagem para falar do mundo tal como nos é mostrado neste espetáculo. Para falar da rede de coisas que estavam a acontecer, teria de ter outra linguagem. Deixar de assumir coisas e assumir apenas teias. Dizer Libório-cabo-ficha-acontecem, ou luz-ombro-de-Estevens ou eu-Bruno-projetor-luz-som-vibramos-em-conjunto. Continuavam a ser coisas separadas, mas enunciadas juntas. 


Também teria de falar de outras emoções que não são relativas à identificação entre seres humanos e que ainda não sei nomear. Tentar falar disto é experimentar os limites da linguagem e do mundo. “Cosmic Phase/Stage” está entre mim e essa linguagem e esse mundo. Mesmo que tudo seja um simulacro, uma imaginação, só posso produzi-la porque os códigos teatrais em “Cosmic Phase/Stage” se alargaram até à instalação, permitindo que coubessem mais coisas, noutra ordem. 


O Seminário de Escrita Crítica para Artes Performativas, orientado por Rui Catalão, decorre nos dois fins-de-semana do ET/FEST, festival onde são apresentados os projetos vencedores das Bolsas de Criação d'O Espaço do Tempo, com o apoio do BPI e da Fundação "la Caixa", em Montemor-o-Novo. No segundo fim-de-semana, nos dias 24 e 25 de novembro, os participantes tiveram a oportunidade de assistir às estreias absolutas de "Cosmic Phase/Stage", de Ana Libório, Bruno José Silva e João Estevens / Arraial Cósmico e de "Descansar," de Raquel S. / Noitarder


Foto de Joana Correia

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