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Pedro Correia: “A alegria é uma forma de rebeldia”

Por

 

Pedro Mendes
15 de Outubro de 2025

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Pedro Correia: “A alegria é uma forma de rebeldia”

Há doze anos que o riso, a poesia e o absurdo invadem Vila do Conde pelas mãos da Nuvem Voadora. O Encontro Internacional de Palhaços transformou-se num momento singular da criação artística em Portugal — um espaço onde o humor é resistência e o palhaço, espelho da condição humana. Nesta edição, o cinema é o grande protagonista: um tributo às figuras que moldaram a sétima arte com humor e humanidade. Conversámos com Pedro Correia, criador e diretor da Nuvem Voadora, sobre o tema “O Palhaço no Cinema”, o poder político do riso e o caminho poético que tem guiado este projeto de sonho e insubmissão.

Este XII Encontro Internacional de Palhaços celebra o “Palhaço no Cinema”. Como nasceu esta ideia de cruzar o universo do clown com a sétima arte?
A natureza multidisciplinar do universo do palhaço levou-me, desde a primeira edição, a escolher um tema diferente a cada ano e a programar o encontro em torno dessa ideia. Ao longo das várias edições, a Nuvem Voadora explora as diferentes dimensões do clown, como o palhaço ativista, o palhaço terapeuta, a poética do palhaço, palhaços sem fronteiras ou o palhaço no circo, entre outras.

Era, portanto, inevitável que chegasse o momento de explorar a relação entre o palhaço e o cinema. A própria história do cinema mostra-nos como o humor teve um papel fundamental na afirmação e popularização da sétima arte em todo o mundo.

Nesta edição, revisitamos figuras incontornáveis dos primórdios do cinema, como Charlie Chaplin e Jacques Tati, através de sessões de cinema e cine-concertos, e também abrimos espaço a abordagens contemporâneas do palhaço no cinema com o filme-documentário da jovem realizadora russa, Gabrielle Lubtchansky.

Os espetáculos apresentados refletem igualmente esta inspiração cinematográfica, assumindo uma poética que dialoga com a linguagem e a estética do cinema.

A programação deste ano parece um verdadeiro “filme de autor”, com nomes vindos de vários países. Que tipo de diálogo queres criar entre artistas tão diferentes?
A ideia central do Encontro Internacional de Palhaços é precisamente revelar ao público a grande diversidade de propostas artísticas que têm como figura central o palhaço. Neste Encontro, pretendemos mostrar como esta linguagem universal se manifesta de formas muito distintas, dependendo da cultura, do contexto e da trajetória de cada artista. Reunir artistas de diferentes países é uma forma de promover um diálogo vivo e inspirador entre tradições, estilos e sensibilidades. Há criadores que vêm de uma linha mais ligada ao circo clássico e outros que exploram o teatro físico, a performance ou até o cinema e as artes visuais. Este encontro de linguagens é o que torna o evento tão rico — um espaço de partilha e de descoberta, tanto para o público como para os próprios artistas.

Há uma dimensão poética e política no trabalho da Nuvem Voadora, sobretudo quando falas em responder “à injustiça e à violência da atualidade” com humor. Como se faz essa resistência através do riso?
O riso é, talvez, a última esperança que nos resta enquanto sinal de humanidade. Num tempo marcado por tensões, desigualdades e pela falta de empatia, o humor torna-se uma forma de resistência — uma maneira de continuar a acreditar no ser humano. O riso tem uma força transformadora: desmonta o medo, aproxima as pessoas e cria espaço para dialogar onde antes havia conflito.

Acredito que o palhaço, com a sua fragilidade e a sua capacidade de expor o ridículo do poder e das certezas absolutas, é uma das figuras mais livres e subversivas que existem. Rir é um ato profundamente político, porque nos permite olhar o mundo de outra forma, com leveza mas também com consciência.

Hoje vivemos tempos em que as diferenças se acentuam e o entendimento parece cada vez mais difícil. O sorriso, porém, é universal. É comum a todos os seres humanos — uma ponte silenciosa que pode restituir a empatia e a tolerância que o mundo tanto necessita.

Alejandro é o convidado especial desta edição. O que te interessou particularmente no seu trabalho e na sua ligação a Slava Polunin?
O trabalho do Alejandro é muito interessante por várias razões: por um lado, pelo universo artístico e estético que propõe — profundamente poético, sensível e visualmente marcante. Por outro, pela dimensão humana e familiar que atravessa o seu trabalho. A companhia Théâtre Cirque Cosmique, sediada em Paris, é composta pela sua companheira e pelo seu filho de 10 anos, o que lhe confere uma autenticidade e uma coerência raras no panorama do circo contemporâneo.

Esta forma de trabalhar em família resgata a essência comunitária do circo, que muitos dos grandes projetos modernos acabaram por perder ao transformarem-se em meros negócios de entretenimento. No caso do Alejandro, esta dimensão íntima e afetiva está presente em cada detalhe — no modo como constrói o imaginário poético dos espetáculos, na relação com o público e na procura constante de humanidade através da arte.

A ligação ao universo de Slava Polunin é também evidente. Partilham a mesma busca pela poesia, pela melancolia e pela alegria do absurdo. Ambos fazem do riso e da emoção um caminho para chegar ao essencial: a beleza e a fragilidade do ser humano.

Vila do Conde volta a ser o epicentro deste encontro. O que significa para ti manter o evento nesta cidade, e como tem evoluído a relação com o público local?
Vila do Conde é a cidade onde nasci e onde está sediada a Companhia Nuvem Voadora, que dirijo há 17 anos. É aqui que desenvolvemos, ao longo de todo o ano, um trabalho contínuo e muito próximo da comunidade local. Ter a oportunidade de transformar a nossa cidade na capital nacional do riso é um verdadeiro privilégio.

Atualmente, sentimos que o público de Vila do Conde abraçou o evento de forma plena. As salas do Teatro Municipal e a Praça da Alameda enchem-se a cada edição, revelando um envolvimento crescente e genuíno. Paralelamente, temos vindo a investir no público escolar, com uma sessão inteiramente dedicada às escolas do concelho — que esgotou logo nos primeiros dias de divulgação.

Este entusiasmo mostra-nos o quanto o Encontro já faz parte da vida cultural e afetiva da cidade, tornando-se um espaço de encontro entre gerações e um motivo de orgulho para toda a comunidade.

É também muito gratificante perceber que o Encontro atrai cada vez mais público de outros pontos do país e da vizinha Galiza, o que reforça a sua projeção e relevância no panorama das artes de rua e do circo contemporâneo.

A Gala Solidária já é um marco do Encontro. Este ano as doações revertem para artistas afetados pelos incêndios. Como vês o papel social e solidário do humor nestes tempos?
É verdade que o humor, em particular, e os artistas, de uma forma geral, são frequentemente chamados a participar em iniciativas solidárias. E também é verdade que raramente recusam esses convites — pelo contrário, respondem com generosidade e entusiasmo, porque compreendem profundamente o valor humano desses gestos.

A Gala Solidária é, para nós, um momento muito simbólico dentro do Encontro de Palhaços. Representa a ideia de que o riso pode — e deve — ter um papel ativo na construção de um mundo mais justo e equitativo. O humor tem essa capacidade extraordinária de unir as pessoas, de aliviar a dor e de criar laços entre quem sofre e quem se dispõe a ajudar.

Este ano, ao direcionarmos as doações para artistas afetados pelos incêndios, queremos também sublinhar que a arte é um território vulnerável e que os artistas, tantas vezes invisíveis, precisam de cuidado e de solidariedade.

A solidariedade não pode morrer. Se um dia deixarmos de cuidar uns dos outros, de estender a mão e de rir juntos, estaremos a condenar à morte a própria humanidade.

O espetáculo “Paraíso”, que nesta edição, parece uma viagem pessoal e simbólica. Podes contar-nos um pouco sobre essa criação e como dialoga com o tema do cinema?
O meu trabalho como clown é, de facto, muito pessoal e simbólico. Acho que percebi isso verdadeiramente quando cheguei à meia-idade — risos. O processo de criação raramente é linear ou totalmente claro; é feito de descobertas, experimentos, dúvidas e pequenas revelações que vão surgindo pelo caminho.

Paraíso nasceu dessa vontade de criar uma pausa na vida das pessoas, um momento em que o riso e a poesia se encontrem num mesmo lugar. É também uma reflexão sobre a imperfeição divina — essa ideia de que até Deus pode enganar-se. Há algo de profundamente humano nessa falha, e é aí que o palhaço vive: entre o erro e a tentação.

Em relação ao tema do cinema, o espetáculo dialoga com essa linguagem através da construção visual e do ritmo das ações — quase como uma sequência de imagens em movimento, onde cada gesto e cada silêncio contam uma parte da história. É uma espécie de filme ao vivo, em que o público é convidado a entrar nesse jardim e a partilhar o absurdo e a beleza do “Paraíso”.

A Nuvem Voadora tem uma identidade muito própria, entre o circo, o teatro de rua e a poesia visual. Que princípios guiam o teu trabalho como criador e diretor artístico?
Os princípios que guiam o meu trabalho nascem do desejo de criar espaços — físicos, poéticos e imaginários — onde o público possa viajar para outros mundos, suspender o tempo e reencontrar a capacidade de sonhar. Interessa-me provocar o olhar, desmontar certezas, revelar o invisível que se esconde nas pequenas coisas.

Acredito que o circo e o teatro de rua têm essa força rara de tocar o que é essencial: o riso, a fragilidade, o espanto. O meu compromisso é político e humano — falar do mundo de hoje, com as suas injustiças, as suas quedas e a sua beleza. Interessa-me dizer coisas, sim, mas também rir delas; fazer do caos um gesto de poesia.

A alegria, para mim, é uma forma de rebeldia. Num tempo em que o medo e a indiferença parecem dominar, rir, criar e partilhar continuam a ser atos revolucionários. O maior desafio é, talvez, encontrar as parcerias certas para embarcar nestas viagens — cúmplices capazes de transformar ideias em emoção e o quotidiano em assombro. Felizmente, a família tem vindo a crescer a olhos vistos e isso enche-me de esperança. Vejo nas novas gerações uma energia renovada e uma sensibilidade que me fazem acreditar no futuro.

Depois de 12 edições, o que mudou na tua forma de olhar para o “palhaço”? E o que achas que o público português aprendeu com este encontro?
A minha forma de olhar o palhaço está em constante transformação. Para mim, a ideia de palhaço não é estática — é líquida, viva, molda-se aos tempos, às vontades e às possibilidades. Cada encontro, cada criação e cada artista que passa por Vila do Conde acrescenta uma nova perspetiva, uma nova pergunta. O Encontro tem-me dado o privilégio de partilhar experiências com alguns dos maiores mestres da arte do palhaço contemporâneo, figuras que continuam a expandir os limites desta linguagem e a inspirar novas gerações.

Ao longo destas doze edições, passaram por Vila do Conde alguns dos palhaços mais reconhecidos e inovadores do mundo. Esse contacto direto com diferentes tradições, estilos e sensibilidades fez-me perceber ainda mais a profundidade e a universalidade desta arte — que é, no fundo, uma celebração da fragilidade e da beleza humana.

Quanto ao público português, talvez a palavra “aprender” não seja a mais certa. O que o Encontro tem procurado é abrir portas, criar curiosidade e dar a conhecer o palhaço para lá dos estereótipos. Mostrar que o palhaço não é apenas uma figura cómica, mas também poética, filosófica e visceralmente humana. Se o público saiu da sala de teatro ou da rua a rir e a pensar, então o Encontro já cumpriu o seu papel.

Se o Encontro fosse um filme, que título lhe darias hoje?
Se o encontro fosse um filme chamava-lhe: “Quando as árvores dançam as folhas viajam na maionese.“

 

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