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No seu ensaio Como o Ar que Respiramos: O sentido da cultura, Antonio Monegal propõe uma reflexão profunda e urgente sobre o papel da cultura nas nossas vidas e nas estruturas sociais. Com uma linguagem acessível e rigorosa, o autor - professor de Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidade Pompeu Fabra - defende que a cultura não é um luxo, mas sim um bem essencial, tal como o ar que respiramos.
A obra, que lhe valeu o Prémio Nacional de Ensaio em 2023, convida-nos a repensar a função da cultura no espaço público, o seu valor político e a necessidade de democratizar o acesso aos bens culturais. Nesta entrevista, Monegal explora os fundamentos desta analogia vital, reflete sobre os desafios contemporâneos da cultura, a sua relação com a educação, a política e a tecnologia, e partilha as influências que moldaram o seu pensamento ao longo de décadas de investigação e prática intelectual.
No seu livro, argumenta que a cultura é um bem de primeira necessidade, comparável ao ar que respiramos. Poderia explicar como chegou a essa analogia e por que considera a cultura tão vital para a sociedade?
É como o ar que respiramos porque nos rodeia por todo o lado, mesmo que não nos apercebamos e não a vejamos. A razão desta analogia é que defino a cultura de forma ampla, não restrita à produção artística ou intelectual, mas considerando todo o repertório de recursos que o ser humano utiliza para se situar no mundo e se relacionar com os outros e com o ambiente - recursos que, naturalmente, incluem as artes, o pensamento e outras formas, eruditas ou populares, de produção cultural.
Recebeu o Prémio Nacional de Ensaio em 2023 por esta obra. Como influenciou esta distinção a sua visão sobre o papel da cultura na sociedade contemporânea?
A distinção não influenciou a minha visão sobre o papel da cultura, que está sustentada no ensaio; fez-me antes pensar que, se me atribuíram o prémio, não foi apenas pelos méritos intrínsecos do ensaio - que pode tê-los, claro -, mas porque outras pessoas consideraram que esta argumentação era oportuna e pertinente, ou seja, porque partilham muitas das minhas preocupações.
Em entrevistas anteriores, referiu que a cultura não deve ser considerada elitista, mas sim um recurso vital acessível a todos. Que medidas considera necessárias para democratizar o acesso à cultura?
As políticas públicas das administrações, a todos os níveis - local e estatal -, são indispensáveis para facilitar o acesso: dotando as infraestruturas de meios, apoiando iniciativas cidadãs, subsidiando actividades que o mercado, por si só, não consegue sustentar e outras que, com recursos públicos, podem baixar os preços. Mas, sobretudo, a forma de democratizar o acesso à cultura é formar o hábito e o gosto, e este é um trabalho que deve começar nos níveis mais básicos da educação pública. Não é aceitável, por exemplo, que a educação musical e artística esteja apenas ao alcance de quem a pode pagar.
Tendo em conta a sua experiência como professor de Teoria da Literatura e Literatura Comparada, como vê a relação entre a educação formal e a promoção da cultura como bem comum?
A chave está na educação, a começar por não a separar da cultura, como se fossem duas coisas distintas. São a mesma coisa. Educar é fornecer instrumentos culturais às crianças e aos jovens, mas esse trabalho continua com todos os cidadãos através das práticas culturais. Ou seja, nunca deixamos de nos educar - ao ler, ao ir a um concerto ou ao teatro, ao aprender a tocar um instrumento.
Destaca a dimensão coletiva dos fenómenos culturais. Como pode a cultura actuar como agente unificador em sociedades cada vez mais polarizadas?
O exemplo mais simples é a leitura. Os relatos, os testemunhos e até a ficção aproximam-nos da experiência dos outros, permitem cultivar a empatia, que é hoje um dos bens mais escassos. Além disso, ler livros é um dos melhores antídotos contra a desinformação e a manipulação nas redes sociais. Aceder aos horizontes culturais do outro é hoje uma necessidade, e isso inclui negociar as nossas diferenças ideológicas, reconhecer que o outro tem as suas razões, mesmo que discordemos. É a base da democracia.
No contexto actual, em que a tecnologia e as redes sociais têm um papel predominante, como vê o impacto dessas ferramentas na difusão e no consumo da cultura?
O problema nunca é a tecnologia, mas o seu uso. Ficou claro como o controlo e a propriedade privada das redes agravam os seus efeitos negativos e as transformam no instrumento mais perigoso contra a democracia, sob o pretexto de defender a liberdade de expressão.
Aborda a relação entre cultura e política nos seus escritos. Como crê que a cultura pode influenciar as decisões políticas e vice-versa?
Aquilo a que chamamos cultura molda o nosso imaginário, constrói mentalidades, e portanto todas as nossas posições ideológicas estão determinadas pela nossa leitura do mundo, que é culturalmente condicionada - tanto para o bem como para o mal. A cultura pode conduzir à solidariedade e à tolerância, ou ao racismo, fundamentalismo e exclusão. O colonialismo e até a escravatura tiveram justificações culturais.
Quais são os principais desafios que a cultura enfrenta no século XXI, especialmente perante as crises globais que temos vivido?
São demasiados para os enumerar aqui. A falta de fé na ciência e o desprezo pelo conhecimento, que conduzem à negação da crise climática. O tribalismo paranóico, que vê nos que são diferentes uma ameaça e culpa os imigrantes por problemas causados pelo capitalismo desenfreado - liderado pelos mesmos que atacam os imigrantes. O retrocesso nos valores iluministas, nos direitos e liberdades arduamente conquistados. A desigualdade, que mina a coesão das nossas sociedades e para a qual a esquerda não encontra respostas. Tudo isto parecem problemas políticos, mas são eminentemente culturais. Sem um horizonte utópico que nos permita imaginar uma sociedade melhor, estamos condenados ao desastre. E imaginar utopias é precisamente o que a cultura sempre fez.
Em Como o ar que respiramos, dialoga com diversas obras de referência. Poderia citar algumas influências específicas que moldaram a sua compreensão sobre o sentido da cultura?
São demasiadas para as citar, porque este ensaio é fruto de décadas de investigação e reflexão, e em cada capítulo dialogo com uma ou várias dessas fontes de que aprendi: George Steiner, Raymond Williams, Pierre Bourdieu, Jacques Rancière, Itamar Even-Zohar, Judith Butler, Marina Garcés, Pier Paolo Pasolini, entre outros.
Para quem deseja aprofundar o seu entendimento sobre o papel da cultura na sociedade, além do seu livro, que outras leituras ou recursos recomendaria?
As obras dos autores que acabei de referir.
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