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Plantar o tempo: Beatriz Teodósio e Patrícia Fonseca sobre "Ritmo da Semente"

Por

 

Pedro Mendes
15 de Dezembro de 2025

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Plantar o tempo: Beatriz Teodósio e Patrícia Fonseca sobre "Ritmo da Semente"

Criado e interpretado por Beatriz Teodósio e Patrícia Fonseca, "Ritmo da Semente" é um espetáculo para a infância que propõe algo raro: parar. Através da viagem de uma semente que procura o seu lugar no mundo, o projeto cruza teatro, música e participação ativa do público infantil para refletir sobre tempo, crescimento, cuidado e relação com a Natureza. Com um percurso marcado pela itinerância e pela internacionalização - de jardins urbanos a palcos em África - o espetáculo tem vindo a crescer em diálogo direto com as crianças e com os contextos onde se apresenta. Conversámos com as duas criadoras sobre o nascimento da Semente, a importância de “ser criança”, a experiência em festivais internacionais e os próximos passos desta viagem que continua a dar frutos.

O espetáculo nasce da viagem de uma semente que procura um lugar para crescer. O que vos levou a trabalhar esta metáfora do tempo e da relação com a Natureza?
A Semente percebe, ao longo do espetáculo, que o lugar que procura está, na verdade, dentro dela. “O caminho está em mim” é o pensamento em forma de canção que lhe surge quando descobre que a construção do “eu” faz parte do tempo natural da vida.

O trabalho constante com crianças faz-nos entender, já enquanto adultas, que desde muito cedo existe uma pressão social e pedagógica para que sejam “crianças adultas”. Essa pressão é muitas vezes ampliada pelas redes sociais e pelo consumo de conteúdo digital, que contribui para o aumento da ansiedade na infância. Pareceu-nos, por isso, pertinente reforçar a importância de poder “ser criança”, estabelecendo um paralelo com as plantas: também elas precisam de tempo e cuidado para atingir o seu esplendor.

O público infantil é convidado a participar logo desde o primeiro momento. Como pensaram essa participação para que fosse ativa, mas sempre leve e intuitiva?
Enquanto criadoras e professoras de expressão dramática, um dos nossos principais objetivos foi estimular o lado participativo e criativo dos mais novos. O primeiro momento é um exercício simples de concentração e presença — aprender a respirar fundo e em conjunto. Para além de nos ligar imediatamente ao público, revela o formato leve e íntimo do resto do espetáculo, que culmina com a atividade final, onde plantamos juntos a Semente.

A segunda parte, em que cada criança planta a sua própria semente, tornou-se quase uma assinatura do projeto. Que impacto têm sentido nessa relação direta entre as crianças e o ato de plantar?
Diríamos que é mesmo a assinatura do espetáculo. É o momento em que finalmente plantamos a Semente — a personagem que acompanharam durante uma hora, a quem deram pensamentos, escutaram emoções e com quem refletiram. No fim, tudo se materializa quando recebem um vaso só seu, aprendendo sobre o processo de cuidar de um ser vivo.

Depende sempre do público e do país onde estamos, mas é invariavelmente um momento sensível e muito criativo. Cada criança decora o seu vaso biodegradável; muitas querem aprender as músicas, outras já sabem plantar e ensinam os colegas; e muitas descobrem ali que as sementes podem ser tão pequenas e dar flores tão vistosas. É sempre um momento cúmplice com o público, porque privilegiamos ter tempo para cada criança e conversar sobre os temas do espetáculo.

Já apresentaram o espetáculo em contextos muito diferentes - de Monsanto a Maputo, de festivais ambientais a escolas. O que muda na vossa abordagem consoante o lugar?
Este é um espetáculo que se adapta a qualquer espaço — jardins, recreios, salas de aula ou auditórios. Desde o início que queríamos um projeto itinerante, e por isso criámos algo que, como costumamos dizer, “cabe numa mala de porão”.

É verdade que já o apresentámos em contextos e dimensões muito distintas — de uma espectadora a trezentos espectadores. O que muda essencialmente é a forma de comunicar com as crianças. Em cada país tentamos adaptar algumas expressões, palavras e até o ritmo do espetáculo.

A circulação internacional tem sido uma marca forte do percurso. Que aprendizagens trouxeram das apresentações em Moçambique, Cabo Verde e Angola?
Internacionalizar um projeto é sempre uma mais-valia para o seu fortalecimento. Cada país traz desafios próprios - a língua, que apesar de oficialmente ser o português, é muitas vezes o crioulo no quotidiano; ou diferentes modos de viver a rotina. Por isso, regressamos sempre com novas aprendizagens que se inscrevem em nós e, consequentemente, no espetáculo.

A maior aprendizagem é “don’t stick to the plan”: integrar o inesperado no espetáculo. Aprendemos a relativizar, a sair do roteiro inicial e a transformar cada apresentação numa descoberta, permitindo que o ambiente nos influencie de forma enriquecedora.

Em 2025 apresentaram o espetáculo no Festival de Teatro da Guiné-Bissau. O que representou para vocês integrar este festival e correspondeu às expectativas?
À medida que viajamos para novos países, o processo de preparação torna-se mais descontraído. Sabemos que sairemos sempre dos festivais com cruzamentos e aprendizagens que superam as expectativas e passam a integrar a nossa forma de ver a vida e fazer arte.

No Festival DJINTIS, na Guiné-Bissau — já na segunda edição — foi notório o trabalho excecional de toda a equipa. Sentimos uma grande diversidade de nacionalidades e pudemos assistir a obras de várias partes do mundo — do Benim à Suíça ou ao Chile. Com o apoio de artistas locais, apresentámos o espetáculo e conhecemos espaços culturais dentro e fora da cidade de Bissau.

O DJINTIS é dirigido por Carolina Rodrigues, uma artista que nos inspira pela capacidade de criar o espaço URGENTE, essencial para a evolução das artes no país e para a abertura de horizontes dos artistas locais.

Em 2026 seguem para Macau e, em Portugal, para Setúbal e Olhão. O que estão a preparar ou ajustar para esta nova fase da digressão?
Costumamos brincar e nomear todas as “primeiras vezes” da vida da Semente. A primeira vez com microfone e mais 500 pessoas, a primeira vez a transportar o cenário via barco, a primeira vez a ter apenas uma criança na plateia. Esta digressão terá certamente uma lista totalmente nova. Para Macau, estamos particularmente curiosas: é a primeira vez que internacionalizamos o projeto para o continente asiático, e não sabemos o que esperar - que é muito entusiasmante.

Para já, estamos a estudar a biodiversidade local para perceber que tipo de planta se adapta melhor ao clima e ao ambiente. Essa pesquisa é fundamental no nosso trabalho e permite-nos conhecer cada lugar com outro olhar.

“Ritmo da Semente” promove uma reflexão sobre o tempo — o tempo de crescer, de observar e de parar. Como é que este tema dialoga convosco enquanto criadoras?
O espetáculo surge precisamente da vontade de questionarmos a forma como o tempo nos afeta enquanto sociedade, seres humanos e artistas. Num mundo cada vez mais capitalizado, onde o ócio se transforma em moeda de troca e cresce a ideia de utilitarismo, sentimos a necessidade de refletir sobre como regressar à natureza, à simplicidade. 

A ansiedade, tema cada vez mais discutido, está em constante evolução nas gerações mais novas. Também nós vivemos essa luta diária entre fazer e não fazer, tentar tudo ou deixar algo para trás; queremos alcançar objetivos, mas também queremos ter tempo para “não fazer nada”. Por isso quisemos trazer essa reflexão para os mais novos - porque também nós a estamos a tentar habitar.

O espetáculo cruza teatro, música e literatura. Como encontraram o equilíbrio entre estas linguagens sem perder a simplicidade necessária para chegar aos mais novos?
As linguagens foram criadas simultaneamente no processo de ensaio, dialogando de forma equilibrada e já pensadas para serem acessíveis ao nosso público. O texto original, escrito por nós, aborda de forma cativante a ecologia e o conceito de tempo, acompanhado pela música original de Beatriz Almeida, compositora com experiência no espetáculo para a infância.

As canções servem também para concluir pensamentos mais complexos, funcionando como um pequeno resumo dos acontecimentos - o espetáculo tem três atos e, no final de cada um, há uma reviravolta na vida da personagem acompanhada por uma canção.

Depois de tantos quilómetros, público e experiências, o que vos surpreende ainda neste espetáculo?
Pergunta difícil. Apresentamos este espetáculo há quase três anos e, por isso, crescemos com ele - enquanto pessoas e enquanto criadoras. A perceção sobre o objeto artístico é mutável; tentamos sempre redescobri-lo e adaptá-lo ao público. Isso torna a reação e interação sempre surpreendentes. E, sim, continuam a acontecer-nos momentos inesperados.

Também a nossa relação enquanto colegas - feita de admiração e partilha - tem sido posta à prova e simultaneamente fortalecida. Duas jovens mulheres a viajar pelo mundo sozinhas, a defender o seu trabalho e a gerir toda a pré-produção que o projeto exige… e, ainda assim, não nos cansamos uma da outra. Isso talvez seja o mais surpreendente (risos).

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