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Em cena na Sala Azul do Teatro Aberto, João Lourenço apresenta a sua mais recente encenação, Tempestade Ainda, de Peter Handke. Nesta peça de 2010, o autor romancista, guionista e dramaturgo, prémio nobel da literatura, mais conhecido em contexto nacional pelas obras teatrais Insulto ao Público, e A hora em que não sabíamos nada uns dos outros, toma-se como personagem protagonista da história a ser contada.
O tempo da acção divide-se em dois planos temporais: o tempo presente do autor, adulto, e a sua pré-infância, ou seja, o enquadramento sociopolítico da sua família e dos acontecimentos que o geraram como filho em Caríntia, na Eslovénia, ocupada pelo terceiro Reich, mais precisamente no ano de 1943.
Assim, o espectáculo inicia-se com Peter Handke, interpretado por João Pedro Vaz, a entregar-nos aquilo que vai ser uma revisitação do seu passado. No palco assiste-se a um exercício brechtiano que faz uma viagem no tempo a partir de memórias ficcionadas que permitem ao dramaturgo, e ao público, rever os seus ascendentes e o impacto que os acontecimentos da terceira guerra mundial tiveram nas gerações dos seus pais e avós.
Os avós (Luís Barros e Susana Arrais), tios (Carolina Picoito Pinto, Sérgio Praia, Manuel Sá Pessoa, Mia Henriques) e mãe de Handke (Crista Alfaiate) formam o agregado familiar: são camponeses eslavos que vivem a tensão entre as duas fações da segunda guerra mundial. Estão proibidos de falarem a sua própria língua, e os seus tios vêem-se obrigados a alistarem-se nas tropas nazi. A sua tia mais nova, irmã destes tios, opera, por sua vez, a partir da floresta, como elemento dos partisans, que oferecem resistência à ocupação alemã.
Importa sobretudo reviver a história da sua mãe na flor da idade, a sua heroína, que durante a ocupação nazi se apaixona e engravida de um soldado alemão, pai de Handke, que nunca se chega a saber quem é. A intriga é acompanhada por músicos em palco, que introduzem os momentos musicais e são acolhidos como contracena em determinados momentos da peça.
O espectáculo desenvolve-se ao longo de V actos. Peter, o narrador que acompanha a história ora de modo participante, ora ausente, é o promotor da linha cronológica que se desvenda a partir de um cenário que opera a partir do simbólico, representando a natureza humana e a paisagem da sua região natal.
A maquinaria de palco é protagonista neste espectáculo. A partir de um verde absoluto e profundo, que emite a sensação da paz desejada nesta intriga, a cena transforma-se constantemente, ora fazendo surgir do subpalco uma árvore, em representação do pomar da família, ora revelando as montanhas de Caríntia, local de conflito significante da resiliência dos seus habitantes, ora utilizando a plataforma giratória do centro do palco mais os planos que se elevam desde o solo, criando uma contracena visual e activa entre os intervenientes.
As metáforas cenográficas de João Lourenço impõem-se, cercando toda a dinâmica da história, contrastando com esta pela sua impressão de verdes campos, campos de macieiras e enormes montanhas que dominam a intriga familiar a par do clima do conflito mundial.
Com um breve tom de elegia, a tragédia (categorização do dramaturgo) e a encenação de João Lourenço envolvem em poesia e imagens poéticas o que em cena acontece. É um espectáculo logo-centrado, implicado na produção poética das paisagens e das imagens através das palavras, numa dinâmica de diálogo preenchida pelas memórias passadas do narrador e pelos sentimentos presentes da família, numa interpretação quase matemática que se sente bastante calculada pela direcção, que evita maiores rasgos por parte do trabalho do elenco.
Destaca-se a clareza da encenação, que sublinha a memória como identidade e conflito, produtor de estória e História. Tem como calcanhar de Aquiles momentos em que elementos, como a utilização de microfone, parecem não ir ao encontro do que em cena se desenha. Também a cena da descrição dos campos de concentração, que são dados a ver num momento coral em que os actores, apenas com o rosto iluminado, arrastam uma estrutura metálica do fundo até quase à boca de cena, cria uma recessão no ritmo em vez de contribuir para um momento necessário de tensão progressiva.
Tempestade Ainda é um espectáculo-meta-reflexão sobre a meteorologia dos Homens sem primavera, cuja narrativa familiar alcança e cogita os temporais da humanidade em conflito.
18 de janeiro 2024, Sala Azul, Teatro Aberto
Novo Grupo. Texto: Peter Handke. Versão dramatúrgica: João Lourenço e Vera San Payo de Lemos. Encenação: João Lourenço. Direcção musical: Renato Júnior. Coro: João Paulo Santos. Músicos: Carlota Ferreira e Ernesto Rodrigues. Cenografia: João Lourenço. Figurinos: Marisa Fernandes. Desenho de luz: João Lourenço
Interpretação: Carolina Picoito Pinto, Crista Alfaiate, João Pedro Vaz, Luís Barros, Manuel Sá Pessoa, Mia Henriques, Sérgio Praia e Susana Arrais.
Este texto está também publicado em www.ocalcanhardeaquiles.wordpress.com
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