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Porquê

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Guilherme Gomes
11 de Novembro de 2022

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Porquê

Em todas as salas de ensaio do mundo se ouviu, em todas interrompeu uma cena ou uma argumentação, em todas as salas de ensaio do mundo, alguém disse um dia: porquê? Agora mesmo, enquanto lês estas palavras, numa qualquer sala de ensaio no mundo alguém está a fazer essa pergunta, e alguém está a tentar responder.

É como me disse um dia um colega, em jeito de provocação: o texto já está, só falta o subtexto. A verdade é que quando pegamos num texto de teatro conhecemos primeiro o fim, e depois vamos em busca do princípio da frase, a sua origem, o porquê.

Não é um processo exclusivo do teatro, e no outro dia, ao ouvir o professor José Pacheco, um dos mentores da Escola da Ponte, regresso à pergunta: porquê?

Entre outras coisas, o professor lembrava o que Agostinho da Silva dizia sobre este assunto, sobre a importância de formar inventores do mundo, poeta, gente que por aqui anda à descoberta de si mesmo e do seu contexto, em lugar de operários funcionais. Fazer a pergunta num ensaio leva a pessoa que a faz (rigorosamente: a equipa) a inevitavelmente encontrar uma forma sua de responder à cena. Podemos imaginar o diálogo Fazemo-la assim, Porquê?, Ora, tem sido feita sempre assim, Mas porquê?, Porque era assim, na altura, Queremos fazer como na altura – porquê?, e por aí fora. Mesmo que seja para repetir fórmulas, a pergunta salvaguarda a originalidade – é assim porque é como imaginamos, queremos, sonhámos que podia ser. Um pequeno livro do Ingmar Bergman com o argumento de Lágrimas e Suspiros começa com uma carta do realizador à equipa do filme. Nesta carta, Bergman introduz que não escreveu um argumento como se costuma ver, é uma espécie de livro de apontamentos de cenas e sensações. De facto, o livro parece um pequeno romance, ou um conto fragmentado. Nessa introdução, Bergman conta que das poucas coisas que sabe sobre o filme é que os interiores têm de ser vermelhos, e remata: não me perguntem porquê, porque eu não sei. Depois, sugere algumas explicações, mas nota que quanto mais verosímeis mais ridículas. Na sua origem, o porquê deste impulso é um mistério, se não aceitarmos o porque o sonhei assim como resposta possível.

Retomemos Pacheco e Agostinho da Silva, porque não se desligou ainda uma coisa da outra. Sobre aprender o que quer que seja o professor Pacheco pergunta: porquê? Porquê aprender? O princípio do subtexto aplicado à vida: ir para a escola com que intenção? José Pacheco pergunta-o, nem tanto para nos provocar o olhar sobre o que fazemos e a forma como o fazemos, mas porque a experiência lhe ensina que quando sabemos porquê, quando temos uma motivação, um sentido, quando há uma razão para fazer as coisas, elas fazem-se mais facilmente.

Numa daquelas maravilhosas Conversas Vadias, que ainda se encontram no Youtube, o professor Agostinho da Silva problematiza os mecanismos instalados da vida em sociedade – como convencer as crianças a estudar, e a preparar-se para o mundo competitivo em que vivemos?, pergunta a jornalista, Talvez o problema esteja no mundo competitivo e não nos meninos, responde Agostinho da Silva. E não me esqueço de o ter ouvido contar, num outro vídeo, que um dia umas senhoras lhe pediram que as ensinasse a ler; o professor perguntou porquê, e disseram-lhe que havia uma igreja a que só poderiam pertencer se soubessem ler – era uma condição do pastor. O professor tratou de ensinar a ler, e conta que uns tempos depois, regressou ao lugar e viu as senhoras sentadas a ler revistas de sociedade – já viu o desperdício?, perguntou o professor.

Sempre que posso, esta semana tenho convivido com o maravilhoso livro de crónicas de Maria Vlachou O que temos a ver com isto? É um conjunto de textos sobre a responsabilidade política de projectos e espaços culturais. A sua clarividência é inspiradora. Num dos primeiros textos, Vlachou cita um director de museu que, ao ver transformado em centro de vacinação contra a COVID-19 o museu que dirige, escreveu que aquele era o dia mais importante da sua vida profissional. Vlachou termina convidando os leitores a pensar qual terá sido o dia mais importante das suas vidas profissionais, também. E parece-me que lhe poderia roubar a pergunta, mudando apenas um detalhe. Pensar, ao longo da nossa vida, de todos os que perguntámos, qual foi o porquê mais importante.

Imagem gerada por inteligência artificial com recurso ao Dall.E

BREVES CRÓNICAS DO TEMPO são pequenos episódios, registos, princípios de reflexão pelo dramaturgo Guilherme Gomes.

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