Estudaste fotografia, cinema, video, antropologia. Fala-nos um pouco do teu percurso.
Estudei fotografia e arte contemporânea na Universitat Autònoma de Barcelona, assim como interpretação / cinema no Centre d'Estudis Cinematogràfics de Catalunya, também em Barcelona. Como intérprete em teatro, cinema, televisão, performance e dança contemporânea, trabalhei profissionalmente apenas cerca de 3 anos, pois sentia-me insatisfeito enquanto mera ferramenta emocional, física e técnica das ideias dos outros.
Comecei a desenvolver um caminho pessoal, de procura de compreensão do mundo a partir de um olhar próprio que me envolvesse num trabalho mais livre, mais conceptual, mais autoral, mas de reflexiva relação com o Outro. Nesse sentido, decidi desenvolver conhecimentos em artes visuais no programa independente da Maumaus, em Lisboa, e posteriormente na Malmö Art Academy, na Suécia. Comecei a expor e, paralelamente com inúmeras leituras, conversas e vendo regularmente muitas exposições, mudei-me totalmente para o campo das artes visuais a partir de 2005.
Apaixonei-me em particular pelo vídeo e pela videoinstalação. Desde então, só para dar alguns exemplos mais significativos do meu percurso, fui selecionado para a secção de vídeo da mostra nacional "Jovens Criadores" (2006 e 2007) – que infelizmente já não existe e era importante para os artistas emergentes –, para a Anteciparte (2009) – apresentava-se como "uma seleção da mais jovem expressão artística nacional" e também terminou por falta de apoios –, para o LOOP (2007 e 2008) – para quem desconhece por não ser da área, é um dos mais importantes festivais internacionais de vídeo, em Barcelona – ou para o FUSO (2010 e 2013) – a Anual de Vídeo Arte Internacional de Lisboa, onde recebi o prémio do público. Fiz ainda uma série de colaborações com e para outros artistas, das quais destaco as realizadas para Coco Fusco (MACBA - Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2002) e para Erwin Wurm (Malmö Konstmuseum, 2008). Realizei igualmente algumas residências artísticas, das quais saliento a que fiz em Budapeste (2012) por seleção da Câmara Municipal de Lisboa (este intercâmbio felizmente ainda existe e todos os anos a CML abre candidaturas, pelo que qualquer um até aos 35 anos pode concorrer). Com a criação de um corpo de trabalho fui percebendo que a minha
praxis artística, nunca entrando nos domínios do onírico ou do puramente ficcional, se construiu sobretudo enquanto esforço interpretativo do real. Ainda que pela videoarte essa interpretação seja sempre artística, fui adoptando também processos, metodologias e conteúdos que se cruzam com o campo antropológico, sobretudo desde que realizei uma pós-graduação em Culturas Visuais Digitais e um mestrado em Antropologia, ambos no ISCTE. Em termos de apresentação do meu trabalho, nestes cerca de 9 anos participei em mais de 50 exposições individuais e coletivas em Portugal e no estrangeiro, quer em espaços mais alternativos (como a Plataforma Revólver, em Lisboa, o Laboratório das Artes, em Guimarães, o Koh-i-noor, em Copenhaga, ou o Monkey Town, de Nova Iorque), quer em espaços mais institucionais (como a Künstlerhaus Bethanien, em Berlim, o NCCA - Centro Nacional de Artes Contemporâneas, em Moscovo, o Palazzo Albrizzi, em Veneza, ou os Museus Nacionais de Etnologia e de Arte Contemporânea do Chiado, ambos em Lisboa). Realizei um filme – "O Carnaval É um Palco, A Ilha Uma Festa" (2013) – sobre as Danças de Carnaval da Ilha Terceira, que estreou na Cinemateca Portuguesa, tendo sido posteriormente nomeado para melhor documentário pelo Festival Queer Lisboa (2013). Agora, acabo também de lançar um livro – "Manual de Artivismo - vídeo e performance" – integrado no projeto artístico OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS, atualmente patente no MNAC - Museu do Chiado.

Fotograma do filme O Carnaval é um Palco, A Ilha uma Festa, 2012
Como vês o panorama cultural actual no nosso país?
Acho que o panorama cultural em Portugal é um autêntico milagre de contínua produção, muitas vezes extremamente interessante, que face ao desinvestimento que as políticas oficiais têm feito na Cultura se aguenta apenas pelo esforço daqueles que trabalham com dedicação nos teatros, museus, bibliotecas, arquivos, orquestras, festivais, assim como dos criadores de cinema, música, dança, teatro ou artes visuais. Considero mesmo que os grandes mecenas das Artes e da Cultura no nosso país, são os artistas. Quase todos os artistas que conheço, já expuseram em instituições públicas onde eles próprios têm de constantemente colocar o seu dinheiro para a concretização de exposições e respetivos custos de produção, montagem ou divulgação. A grande maioria dos artistas visuais (não só em Portugal, mas ainda mais aqui), tem que ter outros trabalhos para poder viver, para pagar as contas do dia-a-dia. Mesmo os artistas com um tipo de trabalho mais comercial que iam vendendo nas galerias em que estavam representados, confrontam-se atualmente com um mercado que nem sequer ajuda. Nada disto incentiva a profissionalização artística e entristece-me todos os meses ver partir de Portugal mais um artista, mais um produtor, mais um professor de artes, mais um amigo.
Este panorama não é alheio ao facto da Cultura ficar no seu todo com um residual 0,1 a 0,2% do orçamento de estado, quando as recomendações de várias instituições internacionais, incluindo a Unesco, para um desenvolvimento sustentável é de 1% no mínimo; reivindicação aliás antiga no nosso país e que não só nunca se concretizou, como a situação se agravou. Estamos hoje num ponto 5 a 10 vezes abaixo do mínimo que garanta um futuro digno… Sabendo nós a quantidade dos nossos impostos que vai injustamente para PPP's, SWAP's ou bancos, como não nos indignarmos com a desvalorização da Cultura? A destituição do estado da sua obrigação constitucional – recordo que o art. 73.º da Constituição Portuguesa diz expressamente que "O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural" – ocorre numa época em que simultaneamente recursos públicos cobrem processos financeiros criminosos que nos estão a expoliar a todos (como o do BPN, e estamos já todos a ver em que é que vai dar agora o caso do BES). A suborçamentação a que a Cultura foi votada é sintomática das opções que os nossos representantes políticos e, que a comunidade como um todo – pela sua cumplicidade ou passiva aceitação – estão a tomar para a nossa sociedade futura. Desde o Latim e a Filosofia que praticamente desapareceram dos currículos escolares, às Humanidades e Ciências cada vez mais penalizadas nas universidades públicas, passando pelo desinvestimento do estado numa produção cinematográfica internacionalmente reconhecida pela sua criação de autor ou pelo fim de inúmeras companhias e estruturas de teatro e dança, até às políticas de elitização e mera turistificação da Cultura nos museus e monumentos nacionais, com bilhetes de acesso cada vez mais caros (apesar dessas mesmas instituições na prática obterem menores orçamentos e quem lá trabalha receber salários menores). Acabaram até com o acesso gratuito todos os domingos nos museus nacionais, num claro retrocesso civilizacional de democratização da Cultura. Estão agora mais excluídos do acesso ao nosso património cultural, à nossa identidade, arte e conhecimento, os quase 20% de população na pobreza. Tome-se por ex. um casal com 2 filhos maiores de 12 anos que passou a pagar 40€ no Mosteiro dos Jerónimos – um ícone cultural nacional cujo conhecimento é básica cultura geral – num país onde o ordenado mínimo é de 485€ e os índices de desemprego são elevadíssimos.
No meio de tudo isto não deixa de ser surpreendente a capacidade de resiliência do tecido cultural de Lisboa (no resto do país, pelo seu caráter macrocéfalo, parece-me que está tudo muito mais complicado). Note-se contudo que a atual oferta cultural subsiste à custa de estruturas e sistemas criados sobretudo nos anos 90 e 00 (como o da arte contemporânea) que cada vez menos se vão aguentando… Então no que diz respeito aos artistas, a maioria já não aguenta muito mais trabalhar de forma mal paga ou em trabalho obrigatoriamente voluntário. Claro que os artistas, frequentemente fechados em individualismos egóicos de competição e gestão de carreira mansa e politicamente correta (donde 99% recebe migalhas), esquecem-se que fazem parte da sociedade e que o seu não-envolvimento, não-posicionamento ativo, os torna simultaneamente vítimas e corresponsáveis da atual situação.

Vista da exposição O Carnaval é um Palco, A Ilha uma Festa, no Espaço do Conhecimento – Museu da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil, 2014
Acabas de inaugurar uma videoinstalação no Museu Nacional de Arte Contemporânea com uma performance um tanto controversa.Sim, é aliás muito interessante confrontar a versão oficial do projeto no
site do museu com a performance não-oficial neste
target="_blank">vídeo. A performance foi controversa porque o seu programa saiu da pauta institucional esperada. Pauta que, consciente ou inconscientemente, emoldura e limita o artista. Certo sistema da arte gosta muito de arte política, mas desde que seja meramente simbólica, descomprometida, inócua, porque na realidade o sistema das artes faz parte do mesmo macrossistema de poder político-económico que só na aparência critica. No caso do Museu do Chiado, após recorrente suborçamentação do estado, dentro das lógicas neoliberais internacionais dominantes, optou-se por rebatizar a antiga Sala Polivalente para Sala Sonae (note-se que sou favorável a mecenatos, mas sem privatizar a identidade pública dos museus – continuando por este caminho, hoje temos a Sala Sonae, amanhã, quem sabe, o Museu Lidl do Chiado). Contudo, eu, o primeiro artista a expor nessa rebatizada sala cujos valores, benefícios fiscais ou termos do contrato nem foram divulgados publicamente, inaugurei-a subvertendo a lógica de funcionamento esperada. Com a mudança de nome da sala (que ocorreu posteriormente a me ter sido endereçado o convite para lá expor) fiquei confrontado com 2 opções: recusar expor, remetendo o trabalho para a invisibilidade da não existência, ou aceitar calado um financiamento que em parte anularia o ato artístico crítico face ao atual modelo económico-político. Eu escolhi uma 3ª via: aceitar essa condição apenas com o intuito de na inauguração a subverter e denunciar, como forma de contrapoder, fazendo dessa tensão uma das forças dissonantes do trabalho. Claro que quando o artista passa da teoria artístico-política que tanto gostam, para uma prática consonante, e a estética se alia com uma ética, então já a coisa não pode ser permitida. Seguem-se os discursos e atitudes de repressão e exclusão. Esses são elementos que podem ser desagradáveis mas que não me desviam do meu foco, do que me faz sentido e me permite ser feliz: os meus valores e os meus sonhos, e não os meus medos e os medos deles. Defendo que a arte deve ser o campo do extraordinário, onde o inesperado é possível. Já há espaço mais do que suficiente para a banalidade e para a morte lenta.

Performance artivista de ocupação do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado
Ora nessa noite o inesperado começou precisamente no meio de uma típica
vernissage, com uma das convidadas a parar para cantar (aparentemente encontrava-se ali apenas para assistir à inauguração, mas era a mesma cantora lírica / ativista que entrou nas celebrações do 5 de out. de 2012 a cantar Lopes-Graça, um dos mais importantes compositores de música erudita e de resistência do séc. XX português). A cantora – Ana Maria Pinto – para além da sua presença, cantando ao vivo o "Acordai" de Lopes-Graça, surge no material audiovisual da videoinstalação exposta no museu e no livro (vários dos artivistas que aparecem nas imagens e sons da videoinstalação e no texto do livro encontravam-se
in loco a ocupar o museu, o que deu ao conjunto uma dimensão semiológica). A cantora, seguida de vasto cortejo de convidados, desceu uma escadaria até se aproximar de Antígona, personagem símbolo de luta pelo Justo, até então princesa adormecida numa antiga
chaise-longue grega que as pessoas tentavam despertar atirando ervilhas (trabalho colaborativo do Colectivo Negativo). Com a presença de todos diante de Antígona, li um manifesto escrito por mim, onde declarei: "Estamos aqui em ocupação artivista do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Estamos a ocupar o museu em defesa do museu e não contra o museu. (...) Isto não é teatro, nem encenação, nem nós somos personagens, embora o que estamos a fazer seja uma grande performance. Performance para a qual, a partir de agora, estão todos convocados. Os que a apoiarem e os que a ela se opuserem".
Entretanto as dezenas de ocupantes combinados (suposto público, portanto, "espectatores") e outros que ali espontaneamente se lhes juntaram, abriram a
chaise-longue da Antígona – autêntico "cavalo de Tróia" – e do seu interior tiraram uma série de sacos-cama que se encontravam escondidos para que pudéssemos ali
target="_blank">pernoitar. Assim como cartazes com mensagens como: MENOS DINHEIRO DOS NOSSOS IMPOSTOS PARA PPPs, SWAPs e BANCOS / MAIS DINHEIRO DOS NOSSOS IMPOSTOS PARA MUSEUS, ARTE E CULTURA / ACESSO GRATUITO AOS MUSEUS TODOS OS DOMINGOS / + CULTURA = + EDUCAÇÃO = + DEMOCRACIA, etc, etc. Dentro da
chaise-longue estavam também 2 blocos A2 de papel em branco e marcadores para as pessoas escreverem os seus próprios cartazes de reivindicação cultural (houve tanto cartazes sobre o caso dos Mirós como demandas mais filosóficas: A ARTE NÃO É MERCADORIA / QUE AS TUAS ESCOLHAS POSSAM REFLECTIR AS TUAS ESPERANÇAS E NÃO OS TEUS MEDOS, etc. Imediatamente uma série de pessoas dentro e fora do museu começou um intenso trabalho de divulgação mediática (conseguimos que em noite de jogo de futebol do Brasil na Copa o tema da nossa performance artivista no twitter fosse um
trend topic nas cidades de Lisboa e Porto, houve igualmente centenas de partilhas no facebook, transmissão em direto de vídeo via
live stream do museu para a internet, polémica em alguns bloques e foi notícia na grande maioria dos meios de comunicação social: TVs, jornais e rádios (
RTP,
SIC,
Diário de Notícias,
Público,
Correio da Manhã ou
Rádio Renascença). Ao longo do processo de ocupação, tudo foi decidido pelo grupo em constantes assembleias cívicas de participação direta horizontal. Passámos a noite no museu e só saímos depois das 10h da manhã, hora a que tínhamos convocado uma conferência de imprensa com as nossas reivindicações para os Museus, Arte e Cultura. Desde o princípio da noite foi sempre exigida reunião oficial com o ministro da Cultura (isto num país que não tem ministério da Cultura desde 2011). Juntamente com os jornalistas ainda fomos brindados com a presença da polícia, mas tudo terminou pacificamente dada a natureza não-violenta e pró-museu da nossa ação.

Performance artivista de ocupação do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado
O que é artivismo?
Mais do que artivismo (= arte + ativismo), eu tenho-me debruçado em particular no conceito de performance artivista. Defendo que essas performances constituem formas artísticas de obter uma voz na esfera pública com impacto suficiente para constituir os seus agentes como atores políticos. Com os nossos corpos, a nossa energia, a nossa ação, os nossos sonhos, estivemos a realizar no museu uma performance que pretendeu precisamente demonstrar ao vivo e
in loco, que as performances artivistas podem operar representações de cariz subversivo que funcionem como formas de contrapoder e contestação pública. A performance artivista do MNAC - Museu do Chiado demonstrou na prática aquilo que a videoinstalação representa e o livro, na sua reflexão, ensaiou: que a arte, de facto, pode empoderar as pessoas e que o corpo é o
medium mais democrático e universal para o executar – todos temos um. O facto de tudo isso ser produzido a partir da ação do corpo, remete-nos para o conceito de
afeção. Tendo aplicação num contexto psicológico e filosófico, o termo foi fundado por Espinosa e desde então foi amplamente abordado
a posteriori por autores como Deleuze, Guattari ou Massumi. Numa abordagem muito sucinta, a
afeção prende-se com a capacidade dos corpos afetarem ou serem afetados através das energias das suas ações e atitudes, o que de alguma forma toca em algo as emoções. Ora uma performada representação de contrapoder bem sucedida é precisamente aquela que de alguma maneira exerce
afeção a quem a presencia. As manifestações de coletivos na rua como demonstração de poder necessitam da presença do maior número possível de pessoas para ganhar
afeção e adquirirem uma legitimidade que lhes confira representatividade. Pelo contrário, a força das performances artivistas no espaço público é mais qualitativa que quantitativa, assumindo em pleno a sua vocação de contrapoder. Como tal, o mais importante não é o número de participantes, mas a sua capacidade de impacto no questionamento das relações de poder institucionalizadas na sociedade.
Nos protestos políticos mais convencionais e institucionalizados o arrastar repetitivo de fórmulas e dinâmicas emotivamente pouco entusiasmantes, de certa forma tem anulado a força desses movimentos. Há portanto o risco de tal alimentar um esvaziamento de emoção política. Note-se que corpo que perde emoção é corpo que perde ânimo (basta pensar na própria origem etimológica da palavra
anima) e um processo prolongado de existência desanimada leva consequentemente a uma perda de crença, de motivação e, em última instância, sucumbe. A um nível coletivo é o próprio espírito da Polis que perde fôlego, isto é, perde-se o emotivo e vivo exercício da Democracia para além da rigidez institucional. Ora o que fizemos naquela inauguração foi precisamente levar desbragadamente o Político para dentro do Museu e ainda fazer disso Arte. Pode-se interpretar nesse sentido este excerto do manifesto lido na inauguração: "Ao realizarmos esta ação podemos mudar algo na sociedade - ou não! - no entanto, com o exemplo desta ação de certo modo somos nós próprios que nos podemos transformar. É uma mudança que vem da expressão de uma consciência cívica mais crítica, audaz, criativa, interventiva, sentida e livre, que não se esgota nas normas institucionais, nem no mero voto de 4 em 4 anos e que pretende levar-nos a viver uma experiência política com maior intensidade. A viver uma maior intensidade pela emoção na crença em valores em que acreditamos, podendo ser igualmente inspiradores para outros. (...) Toda e qualquer performance artivista, só por existir, afirma na esfera pública o próprio ideal de Democracia. E enquanto nós, cidadãos ativos para além da norma e da estrita regra, estivermos vivos, esse ideal não morre. Nem dentro de nós, nem nas ruas, nas praças ou nos museus de todos.”
Para quem deseje saber mais sobre o tema, tudo isto se encontra teorizado de forma mais profunda no livro "Manual de Artivismo - vídeo e performance". Lamento não explicar mais e melhor todo o conceito, mas mesmo assim, tratando-se de um formato de entrevista na internet, creio que já me alonguei muito.

Performance artivista de ocupação do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado
O que te move para criar?Isso varia muito. Interesso-me um pouco por tudo o que diz respeito à vida dos homens e ao mundo que me rodeia. Têm-me interessado diversas questões em torno das construções culturais contemporâneas. Seja ao nível da linguagem, da memória, da performance ou da arquitetura (por exemplo em questões ligadas com a identidade, o conhecimento, os afetos ou as relações de poder), só para referir alguns elementos referenciais que já utilizei no meu trabalho. A continuidade da prática artística e a diversidade de objetos de análise têm me permitido procurar compreender o Outro, posicionando-me e compreendendo-me a partir do objeto dessa mesma análise.
Gosto especialmente de trabalhar com vídeo.Fascina-me a gramática visual própria das imagens em movimento dada pela composição e escala dos planos, pela edição, pelos movimentos da câmara, pela exploração da abordagem aos conteúdos, pelos dispositivos de apresentação, por todo um potencial estético e conceptual. Procuro por via da videoarte compreender o real, interpretando-o segundo um olhar poético da câmara e da sua apresentação em dispositivos multicanais. Esses dispositivos de apresentação (recorrentemente em jogos duplos de imagens) pretendem obter combinações de sentidos além da simples soma das imagens isoladas (em que não seja apenas: imagem A + imagem B = sentido AB; mas sim: imagem A + imagem B = sentido ABC). É como se as situações enquadradas e confrontadas, fossem vividas de maneira especular, num recuo ostensivo onde no final tudo fica conceptualmente deslocado do seu contexto original. Tudo se torna desnaturalizado e colocado em perspetiva. Tudo é reinterpretado.
O meu passado performativo de alguma maneira está também presente no trabalho que faço, pela importância do corpo. Inclusivamente, crio muitas vezes autênticas coreografias de corpos com o vídeo, através da composição e montagem de imagens de movimentos do quotidiano. Há uma base de apropriação e estética documentação do real para a partir daí estabelecer novas reflexões e construções formais. Esses registos transformados em metáforas constituem-se como representações sensíveis de intersubjetividades culturais, sociais, sexuais, económicas, políticas, históricas, etc. No fundo, o foco da minha pesquisa artística busca ora ligações, ora tensões entre o individual e o coletivo, a exceção e o sistema, o linear e o não-linear, a razão e a emoção, as palavras e os gestos, o passado e o presente, o ver e o ser visto, o Eu e o Outro.
Que reconhecimento tem recebido o teu trabalho além fronteiras?Isto é um cliché, mas por vezes o reconhecimento é maior lá fora. Por exemplo, enquanto por cá alguns artistas e curadores com relações pessoais e profissionais dependentes do atual modelo político e económico se indignaram com a ocupação do Museu do Chiado em defesa dos Museus, Arte e Cultura, logo de seguida, quando fui apresentar uma série de vídeos, fotos e depoimentos dessa performance artivista numa exposição num museu do Brasil, deparei-me com uma receção que não podia ter sido mais calorosa, com um generalizado apoio não só na exposição, como em palestras ou até em conversas informais. Mas como me dizia um amigo, face a trabalhos artísticos deste género, frequentemente a atitude dos que estão no poder nas artes (aqui, como provavelmente na maior parte do mundo) é: "I love Pussy Riot, but not in my pussy".
Quais os teus próximos projectos?
Isso ainda não posso revelar. Já ouvirão falar…