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A estrutura fundada por Inês Barahona e Miguel Fragata volta a pegar nos temas difíceis para torná-los poéticos, pedagógicos e pequeninos. Estreou em Outubro o novo espetáculo da Formiga Atómica com um título que deixa água na boca: Salada Russa. Depois da Morte, das alterações climáticas, da dicotomia verdade/mentira, das dores de crescimento e do pesadelo do bosque sombrio a que se chama, comummente, adolescência, o duo virou a atenção para dois temas sobejamente contemporâneos: a fome e a guerra.
Esta salada russa tem uma receita de fácil apreensão: doses generosas de conflito bélico partilham a saladeira com suculentas tranches de problemática migratória e movimentos de refugiados; rala-se a democracia e salpica-se tudo com o totalitarismo imperialista que, de tão aromático, domina todo o prato; por fim, a crise energética junta-se à alimentar, emulsionam-se mutuamente sem grande esforço para obter a devida cobertura. Salada Russa é, portanto, a resposta performática das Formigas aos recentes acontecimentos na Europa.
A companhia nunca nos escondeu as suas inclinações estéticas: o amor das pequenas coisas está plasmado no próprio nome da estrutura, invocando duas entidades que são usadas muitas vezes como referências de pequenez, a formiga e o átomo. Depois de animais em miniatura, de objetos em Miniatura e de pessoas em miniatura, não nos surpreendem ao usar leguminosas e produtos alimentícios de pequeno porte para representar a atualidade. De forma sagaz e irónica, invertendo a ordem das (pequenas) coisas, caracterizam os problemas geopolíticos e respetivas crises sob a perspetiva dos alimentos que se encontram presos, impedidos de ultrapassar fronteiras, porque as e os dirigentes dos países não chegam a acordo. Temos então tremoços a escapar fronteiras por via de transportadores ilegais, feijão encarnado a combater feijão manteiga e feijão branco — todos feijões, diria um pacifista; lentilhas ortodoxas a evangelizar aquelas e aqueles que o feijão frade não conseguiu converter; grão de bico a atravessar o Mar Negro em buscar de bocas famintas que lhe dê um propósito — para acabar demolhado em águas internacionais; entre tantos outros episódios, ora mais, ora menos felizes.
Inês Barahona e Miguel Fragata conseguem, de forma subtil, transformar o seu longo processo de pesquisa — estudo sobre o tema, conversas com refugiados políticos e civis, discussões com especialistas em dinâmicas bélicas — numa narrativa paralela, bela, cuidada, humanizando objetos inanimados e insuflando neles as vidas, as histórias e as odisseias que a sua investigação lhes trouxe. Em Particular, destaco o trecho dos cereais que, transportados em exíguos contentores, discutem entre si aquilo que gostariam de ser na mesa das civilizações: o trigo gostaria de ser um pão ázimo, o milho prefere virar cuscuz, o centeio sonha ser pumpernickel, mas todos, independentemente da sua espécie ou proveniência, almejam ser pão na boca dos povos de todas as nações.
Este é mais um espetáculo que afirma a Formiga Atómica enquanto estrutura fulcral no desenvolvimento da arte para todas as idades através da conceção plástica e literária de espetáculos que são capazes de agarrar desde a menina de 5 anos à matriarca de 90. Talvez pela constante redução de orçamentos e precariedade do sector, encontraram nas miniaturas uma inteligente solução para poupar recursos e assegurar a portabilidade dos espetáculos. Não sendo uma companhia com a mania das grandezas — aliás, muito pelo contrário, tendo em conta a sua matéria de trabalho — devemos-lhe a nossa grande atenção nos projetos vindouros.
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