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ser-se representado ou o dom de representar

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Guilherme Gomes
3 de Fevereiro de 2023

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ser-se representado ou o dom de representar

Se pensarmos bem, a ideia de ter quem nos represente é uma espécie de luxo; alheia-nos de muitos problemas, retira-nos de muitas confusões, poupa-nos muito trabalho, e, acima de tudo, faz-nos sentir que temos uma certa importância. Se formos bem representados, a pessoa que nos representa há de querer saber o que realmente pensamos, aquilo com que não concordamos, e até nos ajuda a fazer uma auto-análise. Ser-se representado é do melhor; confirma-nos que somos vistos, e tidos.

 

Nem pensamos nisso, porque o damos por adquirido - e muitas vezes nem queremos saber se o nosso representante desempenha bem o papel ou não; ou quando percebemos que não, não sabemos o que lhe dizer exactamente. E acabamos por ficar descontentes com o que nos representa, sem fazer nada sobre a representação. Por vezes, o conflito passa por um Mas este tipo não sabe o que faz, pode conhecer a forma de um mero Isto não me representa. Em momentos iluminados, numa qualquer periferia da normalidade, uma alma inquieta passa pelo Será que eu sou mesmo assim?

 

Mas, por pior que corra a representação, ser-se representado é um luxo. Ter quem salvaguarde os nossos interesses - faça por nós, ou de nós para nosso proveito - para nos entreter ou confrontar, para nos puxar a ir mais longe naquilo que podemos ser. Quem nos dera que nos representassem mais e melhor. Numa assembleia, num quadro, num compromisso, ou no palco.

 

O palco como lugar de representação é um título a que é preciso estar à altura. Ter o mundo inteiro no palco é um compromisso a que é preciso estar à altura. Levantar um espelho em frente à realidade.

 

Entramos na sala, ou nos claustros, ou sentamo-nos na praça, onde quer que vá acontecer, e ainda não sabemos o que aí vem. O teatro não se faz todo da mesma maneira. De cada vez, é preciso inventar-se a forma de fazer um espectáculo. E nem sempre uma pessoa a fazer de si mesmo é mais forte ou mais fraco que uma pessoa a fazer de outra - dependerá do espectáculo.  E tudo é possível e permitido. Mas seria uma perda enorme para a Humanidade se uma pessoa fosse ao teatro, e insistentemente fosse privada de representante. Se não se reconhecesse no espelho que o espectáculo levanta para o mundo. Se pensasse Calma. Falto ali eu. Aí, a questão não está só no palco, mas na plateia: é a do sintoma de outras coisas que não ser tido em conta no reflexo do mundo carrega, num momento em que esse reflexo é tão complexo e variado que uma pessoa talvez nem compreenda completamente o que é. Nasceu-nos uma sombra sobre os lábios, e nós ainda não estamos prontos para ser adultos.

 

Porque é isso: ser representado é um luxo.

 

Agora, representar… Representar é uma espécie de dom. Representar é um combinado de  experiência, espírito crítico e intuição, a tempos diferentes. Representar é interessar-se pelo sujeito que se representa, procurar ver verdadeiramente esse sujeito, compreendê-lo tão bem que seja possível supor o seu comportamento em determinada circunstância, e abdicar do seu próprio impulso para agir de acordo com o impulso de outro. Fazemos isto com quantas pessoas? Para muita gente, isto é amor. Uma atitude compreensiva perante o outro, ao ponto de, por mais disparatada que seja, acabarmos por vestir a fala. Representar é, em certa medida, como amar. O teatro (quem o faz, ou em algum momento fez, acredito que concordará) faz-se de amor. Por isso, representar é um dom que deve ser cultivado - como o amor, uma vez que o convocámos.

 

Numa conversa sobre Ensino Artístico, algures no ano passado, uma professora diz Não é possível dizer que se tem o mundo inteiro no palco só com homens brancos. Em tempos terá bastado, de vez em quando é uma proposta com força, mas a suspensão da descrença tem um limite, ou será melhor aplicá-la a outras coisas que têm menos impacto em assunto de crescidos no teatro como é o direito a trabalhar.

 

Inventamos o teatro a cada espectáculo. Por isso, tudo é possível. Mas ter quem nos represente ainda é um luxo - e é assunto sério. Para tanta gente, de tantos contextos diferentes, com tantas histórias e conflito, e nem tanto por isso mas por existirem, e viverem no mesmo mundo que toda a gente quando se levanta o espelho, e se procura que o reflexo seja completo, complexo, contendo de todos e todas uma representação - isto é, um representante - isto é, alguém que ame.


Imagem gerada por inteligência artificial com recurso ao Dall.E

BREVES CRÓNICAS DO TEMPO são pequenos episódios, registos, princípios de reflexão pelo dramaturgo Guilherme Gomes.

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