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Breves Crónicas do Tempo

Um conto de Natal

Por

 

GUILHERME GOMES
23 de Dezembro de 2022

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Um conto de Natal

Numa conversa a que recentemente assisti no Teatro São Luiz, o professor Jorge Ramos do Ó partilhou umas visões verdadeiramente empolgantes. A sessão era dedicada a professores e alunos, e ao público geral - razão por que lá estava este que vos escreve. Organizada pela companhia Formiga Atómica, propunha pensar sobre “o meu Ministério da Educação”, e a determinada altura o professor Ramos do Ó sugere que cada vida tem uma dimensão estética. E que devemos alimentar o gosto de a cultivar.

 

Parece-me que esta é uma outra formulação da ideia de viver a vida como quem a inventa, que já dei por mim a dizer a amigos como desabafo sobre a forma como vivemos “devíamos”, diz o Guilherme que promete uma revolução, “viver a vida como quem a inventa”, que muitas vezes não é diferente de ler um texto e procurar perceber as suas subtilezas e estrutura: perceber a origem das coisas.

 

Provavelmente digo isto aos meus amigos por ter ouvido algo parecido dito pelo professor Agostinho da Silva, que me foi apresentado pelo meu pai quando eu era criança e me chocou que o meu próprio pai defendesse que eu não precisava de aprender a ler, era mais importante brincar.

Talvez tenha sido o professor Agostinho da Silva que inspirou Jorge Ramos do Ó a inventar a forma desta frase, talvez outra coisa qualquer. Não sei, mas qualquer coisa terá sido, porque o próprio professor defendeu nessa conversa a dessantificação do autor, como quem sugere que o autor não é uma pessoa iluminada, especial, diferente de todos os outros - mais importante, talvez, diferente de mim, aluno ou aluna, e que esse papel de criador me é interdito por ser sagrado. O professor diz-nos: a criatividade é uma manta de retalhos, feita das coisas que conhecemos. E, por isso, o professor sugere que devemos aprender que podemos ser autores, criadores, em lugar de espectadores embevecidos. E, se podemos ser autores, porque não ser os autores da nossa vida?

 

Há uns meses surgiu esta oportunidade: um mês em Vinhais. Passar um mês mergulhado no Portugal profundo com a minha namorada. Chegámos ao fim do mundo, brincámos ao rematar uma viagem dividida em dois dias, mas logo corrigimos para Chegámos ao princípio do mundo, para rimar com o título de um filme de Oliveira.

 

Para além das razões que nos trouxeram a Vinhais, criámos uma nova: a nossa sopa da pedra. Não temos árvore de Natal, por isso apanhámos um ramo de cerejeira que ficou da poda, um balde com areia que nos arranjaram, e começámos a fazer a nossa sopa da pedra: no Talho Pimentel dizemos que temos o ramo, mas não temos decoração, e recebemos uma mão cheia de bolas azuis, em Puebla de Sanabria roubamos uma bola vermelha, em Rio de Onor, dão-nos um arranjo de plantas para espalhar pelo ramo (como se ele ganhasse vida, e rebentassem nele novas folhas), a Linda, do Restaurante Comercial, prometeu-nos logo enfeites, frases que ouvimos na rua, escrevemo-las à máquina e penduramos no ramo, uma amiga envia um presépio por correio, e a sua mãe uma peças de gesso para pendurar. E, de repente, num lugar onde não tínhamos, antes de chegar, qualquer cúmplice, da mesma maneira que se conta que alguém inventou a sopa da pedra, nós fizemos de um ramo de cerejeira uma árvore de natal. A mais bela, comentámos no outro dia, que podíamos desejar. Porque a inventámos, por um lado, mas porque a fizemos a partir da generosidade de desconhecidos.

 

Esta árvore é o nosso conto de Natal, digo à Carolina. Mas não é o único. A caminho de Rio de Onor, paramos num restaurante para almoçar. No meio de uma aldeia, longe de todos os centros, não podemos pagar com cartão; uma expressão quase estrangeira para os dois, desabituados que estamos de levar dinheiro connosco. Contamos os trocos. Não chega. Seguimos caminho sem almoçar - até chegarmos a Rio de Onor. O único restaurante da aldeia fechado, entramos no bar do parque de campismo Servem refeições?, Sim, Têm multibanco?, Não, Nós temos pouco dinheiro, E o que querem almoçar? O nosso conto de Natal, repeti à Carolina, quando dizemos que não temos dinheiro e nos põem a mesa.

 

Nestes últimos dias, temos andado a falar sobre as prendas, muitas vezes conversar sobre o que comprar. Na verdade, os últimos tempos têm sido a prenda maior, um conto de natal, a invenção dos gestos, da vida, da casa, o reconhecimento da generosidade, não era preciso ser lá, mas foi: no princípio do mundo.

BREVES CRÓNICAS DO TEMPO são pequenos episódios, registos, princípios de reflexão pelo dramaturgo Guilherme Gomes.

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