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A arte como energia coletiva: conversa com Pedro Vilela, curador do VOLTS

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Pedro Mendes
August 26, 2025

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A arte como energia coletiva: conversa com Pedro Vilela, curador do VOLTS

De 2 a 6 de setembro, o Porto volta a ser palco do 25 VOLTS – Encontro Internacional de Artes Performativas, que este ano celebra a sua 6ª edição. Promovido pela CRL – Central Elétrica, o festival tem-se afirmado como um espaço de experimentação e encontro, trazendo ao CACE Cultural propostas nacionais e internacionais que cruzam linguagens artísticas, convocam questões políticas, sociais e ambientais, e desafiam a forma como pensamos e vivemos a arte contemporânea.

Com uma programação gratuita e marcada pela diversidade, o VOLTS apresenta artistas do Brasil, Chile, Venezuela, Colômbia, Luxemburgo e Portugal, muitos deles pela primeira vez em território nacional. Performances, residências, instalações e formatos híbridos ocupam a Central Elétrica, um espaço simbólico da memória industrial do Porto, transformando-o num lugar de criação e diálogo.

À frente da curadoria está Pedro Vilela, que tem procurado consolidar o festival como uma plataforma transnacional e interdisciplinar, onde a arte se cruza com a crítica e a comunidade. Nesta conversa, falamos com o curador sobre o percurso do VOLTS, os desafios da curadoria, a relevância política e estética das obras apresentadas e o futuro de um festival que continua a abrir caminhos para novas vozes e imaginários.

O VOLTS chega à 6ª edição. Que balanço fazes do percurso até aqui? O que mudou desde a primeira edição?

Chegar à 6ª edição do VOLTS é o reflexo de que o projeto tem cumprido o seu propósito e continua a gerar um impacto real no ecossistema das artes do país. Na 1ª edição, tínhamos um número reduzido de ações, experimentando formatos de diálogo com o público. Hoje, podemos contar com uma programação mais robusta, diversificada e alinhada com os desafios atuais. É um momento de construção da maturidade do projeto, no sentindo de que vamos acumulando experiência, ampliando parcerias mais estratégicas e em que o próprio público passa a olhar para o VOLTS como uma referência na área.

Que lugar ocupa hoje o festival no ecossistema artístico português e internacional?

É um pouco difícil para nós mensurarmos o lugar que ocupamos diante de um panorama tão diverso. Temos trabalhado nos últimos anos para nos afirmarmos como um espaço interdisciplinar e experimental, na contramão da institucionalização que tem regido o panorama português. A busca por se constituir como um espaço de criação e fruição artística, por abrir espaço para vozes emergentes, tem ampliado a visibilidade internacional através de colaborações com artistas e estruturas estrangeiras, residências, e convites a curadores e criadores de fora de Portugal. Essa dimensão internacional tem reforçado o seu posicionamento como um espaço de diálogo transnacional, atento às grandes questões globais e à experimentação artística além-fronteiras.

A programação tem um forte peso internacional. Como é que escolhes os artistas e projetos que trazes para o Porto?

Ao longo do ano temos dedicado um bom tempo a integrar festivais e rede internacionais, mapeando artistas que dialoguem com o que temos desenvolvido no espaço. Ao mesmo tempo, com o passar dos anos, temos recebido cada vez mais propostas para acolhimento, o que nos possibilita dialogar com diferentes contextos e territórios.

A escolha de artistas e projetos parte, antes de mais, de uma escuta ativa ao que está a ser feito fora de Portugal — em particular, em territórios que, muitas vezes, operam à margem dos grandes circuitos institucionais. Interessa-nos o pensamento crítico, a experimentação formal e a relevância política do que está a ser criado — independentemente da sua escala ou notoriedade.

Ao selecionar projetos internacionais, há sempre uma preocupação dupla: por um lado, trazer propostas que possam dialogar com os eixos curatoriais da edição; por outro, garantir que essa presença faz sentido no contexto específico do Porto, em relação ao território, à comunidade local e à história do espaço onde o festival acontece.

Valorizamos também colaborações — artistas que venham não só para apresentar, mas para partilhar processos, fazer residências, criar em diálogo com artistas locais. Essa relação evita o modelo de circulação rápida e superficial e aposta em intercâmbios mais profundos, que deixam rasto.

Que importância tem para ti que muitos destes artistas se apresentem pela primeira vez em Portugal?

Para mim, é extremamente significativo que muitos dos artistas que apresentamos estejam a mostrar o seu trabalho em Portugal pela primeira vez. Isso traduz, de forma concreta, o compromisso do VOLTS com a descoberta, com a renovação do olhar e com a criação de pontes entre geografias, estéticas e discursos.

Dar visibilidade a artistas que ainda não passaram pelo circuito nacional é uma forma de desafiar o que se convencionou chamar de 'centralidade artística'. É também uma resposta a uma certa saturação de nomes repetidos nos mesmos palcos — acreditamos que há uma vitalidade imensa a acontecer noutros contextos, muitas vezes fora dos grandes centros de produção, que merece ser ouvida e partilhada.

Essa estreia em Portugal não é pensada como um ‘feito’ isolado, mas como uma porta de entrada para outros diálogos: com artistas locais, com públicos novos, com estruturas que possam depois continuar a acompanhar esses percursos.

No fundo, há aqui uma dupla aposta: surpreender o público com propostas que talvez nunca tivesse acesso de outra forma, e contribuir para alargar o campo artístico em Portugal, tornando-o mais plural, mais permeável e mais atento ao que se faz fora dos seus próprios eixos habituais. E isso, para mim, é parte essencial do que um festival deve fazer

O festival é gratuito e procura criar um espaço de encontro e partilha. Como se equilibra a abertura ao público com a exigência de propostas tão experimentais e politicamente engajadas?

A gratuidade do VOLTS é, antes de mais, uma escolha política e ética. Acreditamos que o acesso à criação artística e ao pensamento crítico, principalmente quando utilizamos um espaço municipal cedido, não deve ser condicionado por barreiras económicas. Ao manter o festival gratuito, estamos a afirmar que a cultura deve ser um bem comum, acessível a todas as pessoas, independentemente da sua origem ou condição social.

Ao mesmo tempo, temos plena consciência de que o VOLTS trabalha com propostas exigentes — do ponto de vista estético, conceptual e político. O desafio, e também a riqueza do projeto, está precisamente em encontrar formas de acolher essa complexidade sem cair na exclusão. Para isso, apostamos na construção de uma relação de proximidade com os públicos, tanto os habituais como os que estão a chegar pela primeira vez.

Não se trata de ‘simplificar’ o conteúdo, mas de criar pontes: entre artistas e comunidade, entre discurso crítico e experiência sensível, entre a arte e o quotidiano. É nesse equilíbrio que o VOLTS se posiciona e é justamente essa tensão que dá força ao festival e ao seu impacto. No fundo, o VOLTS é um convite: a estar, a escutar, a pensar em conjunto. E essa abertura radical ao público é parte essencial do nosso compromisso artístico e político.

A Central Elétrica tem um peso simbólico muito grande. De que forma o espaço influencia a programação e a experiência do público?

A Central Elétrica é parte essencial da identidade do festival. O seu peso simbólico enquanto antigo espaço de produção energética confere-lhe uma força histórica e visual que dialoga diretamente com os temas que o festival propõe: transformação, energia coletiva, futuro.

Do ponto de vista curatorial, o espaço influencia profundamente a programação, pois suas limitações e potencialidades influenciam diretamente as escolhas. Para o público, a experiência também é marcante no sentido de não vivenciar 'caixas neutras', mas sim um lugar que impõe presença. Quando programamos um conjunto de atividades ao longo do dia, temos por objetivo que o público, em certo sentido, possa experenciar o lugar a que foram convidados.

O VOLTS dialoga com questões urgentes – políticas, sociais e ambientais. Que temas sentes que estão mais presentes nesta edição?

Desde o início, o VOLTS tem assumido um posicionamento claro: ser um espaço de criação artística que não se desliga do mundo, mas que mergulha nele com coragem e sentido crítico. Nesta 6ª edição, sentimos que certos temas ganharam uma urgência ainda maior — não só pela sua atualidade, mas pela forma como ressoam nas práticas artísticas contemporâneas.

Entre os temas mais presentes destacaria, em primeiro lugar, a crise ecológica, a partir de uma preocupação evidente em pensar novas formas de habitar o planeta e explorar imaginários alternativos de futuro. Também sentimos uma forte presença das questões ligadas ao corpo, identidade e território – com destaque para a descolonização do pensamento e as narrativas periféricas. Estas vozes não apenas ocupam o espaço do festival, como o transformam: trazem outras formas de ver, sentir e estar, que desafiam estruturas tradicionais e convidam à escuta ativa.

Por fim, há uma reflexão transversal sobre a própria ideia de comunidade — como se constrói, como se resiste, como se cuida. Num momento global de tanta fragmentação, o VOLTS propõe-se como um lugar de encontro, de partilha de vulnerabilidades e de criação coletiva de sentido. Esta edição não só reflete o mundo em que vivemos, como convoca o público a pensar e sentir com mais profundidade, num exercício coletivo de imaginação crítica e ação sensível.

Há projetos que partem da memória histórica (como os ligados à ditadura chilena) e outros que olham para questões ambientais ou de identidade. Como é que costumas pensar o equilíbrio entre estas vozes?

Pensar o equilíbrio entre estas vozes é, na verdade, uma das tarefas mais mais ricas do processo curatorial. Não se trata de distribuir temas como se fossem categorias isoladas, mas de perceber como eles se cruzam, se tensionam e dialogam mutuamente.

A memória histórica — como no caso dos projetos ligados à ditadura chilena — não é um tema do passado, mas uma lente fundamental para pensar o presente. Do mesmo modo, as questões ambientais e identitárias não existem num vazio: estão profundamente enraizadas em contextos históricos, sociais e políticos. O nosso objetivo, enquanto festival, é precisamente criar um espaço onde essas camadas possam coexistir e dialogar, sem hierarquias artificiais, mas com cuidado e consciência.

Costumo pensar esse equilíbrio mais como uma ecologia de vozes do que como uma divisão por temas. Procuramos garantir diversidade — de linguagens, de geografias, de corpos, de discursos — mas também criar relações entre os projetos, que permitam ao público fazer ligações, pensar em continuidade, e não apenas por contraste.

Há também um compromisso com o ritmo e a escuta: alternar momentos de maior densidade política com outros mais sensoriais, ou criar espaços para a intimidade depois de propostas mais confrontativas. Isso ajuda a manter um percurso que é exigente, sim, mas também generoso e acessível. No fundo, o equilíbrio não é estático — é um processo vivo, que exige escuta, atenção ao contexto, e abertura ao inesperado.

Que desafios encontras na curadoria de um festival que aposta tanto na experimentação e na interdisciplinaridade?

O primeiro grande desafio é o de manter uma coerência conceptual sem limitar a liberdade artística. Trabalhar com linguagens híbridas, formatos não convencionais e propostas que muitas vezes desafiam as categorias tradicionais exige uma escuta ativa e uma grande abertura por parte da curadoria. É preciso saber acolher o risco e, ao mesmo tempo, construir uma narrativa que dê sentido ao conjunto.

Outro desafio central é o da mediação com os públicos. Quando se aposta em obras que fogem ao que é mais reconhecível ou ‘esperado’, há sempre o risco de distanciamento. Por isso, a curadoria tem também uma função pedagógica no melhor sentido do termo: criar pontes, oferecer contexto, promover a escuta. Não se trata de simplificar as propostas, mas de facilitar o acesso, de convidar à experiência sem impor uma interpretação única.

A própria logística do festival — que lida com formatos variados — exige uma afinação constante entre equipas técnicas, artísticas e de produção. Há também o desafio de manter a relevância política e estética. Num contexto em que muitos discursos se tornam rapidamente esvaziados ou apropriados, é essencial garantir que o festival não apenas acompanha tendências, mas que contribui para criar pensamento crítico, desconforto produtivo e possibilidade real de transformação.

O festival também se afirma como lugar de formação e residência (como o programa Rec̶u̶r̶s̶o̶). Como vês esse papel de incubadora de novos artistas?

Esse papel de incubadora e espaço de formação é, para nós, uma dimensão fundamental da própria Central Elétrica. Desde cedo, percebemos que não bastava apresentar obras: era preciso também criar condições para que novas vozes pudessem emergir, experimentar e desenvolver processos artísticos com acompanhamento crítico e apoio estrutural.

Programas como o Rec̶u̶r̶s̶o̶ são uma extensão natural daquilo que o festival defende e o que desenvolvemos ao longo do ano, não é apenas um espaço físico, mas tempo, diálogo, escuta e um ambiente seguro para correr riscos.

Vejo este papel do VOLTS como absolutamente essencial no atual panorama artístico, onde muitos artistas emergentes enfrentam precariedade, falta de redes de apoio e escassez de oportunidades para trabalhar fora da lógica da produção imediata. A residência permite cultivar processos, não apenas resultados. E isso é cada vez mais raro e valioso.

Este ano o VOLTS cruza-se com os 25 anos da CRL - Central Elétrica. Que significado tem essa coincidência para ti?

Celebrar os 25 anos da CRL enquanto o VOLTS acontece é como ligar duas camadas do mesmo solo: por um lado, há a memória de um percurso coletivo, feito de muitos artistas, projetos e ideias que passaram por este espaço; por outro, há a urgência de pensar o agora — e de projetar futuros possíveis.

Para mim, esta coincidência reforça a importância de espaços independentes e sustentáveis que consigam manter-se relevantes sem perder a sua identidade. O VOLTS, com o seu foco na experimentação, no risco e na abertura ao mundo, representa uma nova geração que, em vez de romper com o passado, escolhe dialogar com ele de forma crítica e criativa.

É também um momento de reconhecimento — de tudo o que foi feito, mas também de tudo o que ainda está por fazer. Num contexto em que muitas estruturas culturais enfrentam instabilidade, celebrar 25 anos com um festival ativo e vibrante, é uma afirmação de resiliência, de compromisso e de continuidade.

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