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Maria Toscano é uma criadora com formação em várias disciplinas artísticas. Criou o espectáculo Black Box para endereçar algumas das suas atuais preocupações. Conversámos com ela a esse respeito. Black Box estará no Teatro Municipal Mirita Casimiro - Teatro Experimental de Cascais, nos dias 6 e 7 de Outubro de 2023 pelas 21h00.
Fala-nos um pouco do teu percurso artístico.
Comecei a estudar teatro na Escola Secundária de Santa Maria na Portela de Sintra, onde tive a oportunidade de estagiar no Teatro da Comuna durante dois anos do curso. Terminei o curso e decidi parar os estudos por ter ido parar ao teatro de paraquedas, precisava de ir trabalhar realmente na área para perceber certas coisas que um curso não nos oferece… A realidade. O meu primeiro trabalho foi no Labirinto Lisboa, uma casa de terror, que para mim foi uma segunda escola a todos os níveis. Entretanto o Labirinto fechou, então tive de me fazer à estrada à procura de um novo trabalho, como todas as pessoas que trabalham nesta área têm de fazer. Nos três anos seguintes trabalhei com a break a leg, com o teatromosca e construi a minha primeira criação chamada “Transposto”. 2018 foi o ano em que procurei formação em dança com o QuorumAcademy e decidi criar a associação TeatroCorrente, uma companhia de teatro que fosse criadora e que incluísse sempre a comunidade nas suas criações, para que o teatro chegasse a mais gente. Em 2019 entro na Escola Superior de Teatro e Cinema por sentir a necessidade de outros estímulos, novos conhecimentos e para conhecer pessoas que estivessem ali para o mesmo que eu: aprender, explorar e criar. O grande problema dos anos que se seguiram foi a pandemia e a forma como tínhamos aulas práticas online. O curso parece que passou num piscar de olhos. Após a pandemia trabalhei como bailarina no TNSC na ópera "O Fausto" e terminei a ESTC com o projeto “Insulto ao Público” de Peter Handke, com encenação de Jorge Andrade no Teatro Nacional Dona Maria II. Em 2022 tive ainda a bonita oportunidade de trabalhar com a MalaVoadora no espetáculo “Universal Declaration of Human Rights” em cena na Culturgest. Foi durante os anos 2020/2021 que escrevi a peça “Black Box". A peça começou com ensaios em 2021 mas tivemos de parar por falta de fundos monetários. Em 2022, recebemos um pequeno apoio da Câmara Municipal de Sintra que ajudou a levantar o projeto que estreou em Janeiro de 2023 no Mercado inativo da Tapada das Mercês, com récitas no teatromosca em Março e agora, já esta sexta e sábado, no Teatro Experimental de Cascais inserido na Mostra_T.
Que inquietações te levam a criar?
Ao logo dos anos em que estive a estudar teatro e não só, sempre gostei de escrever, às vezes escrevia sobre nada, mas escrevia e aquilo despoletava-me muitas vezes a pergunta: qual o universo em que aquele pedaço de texto se poderia inserir e como o fazer. Por isso acho que as inquietações que me levam a criar mudam muito consoante a fase da vida e é sempre subjacente ao panorama político e a temas que são para mim urgentes falar em palco e na vida. Sempre que crio e sinto isto em mim, estou automaticamente a criar mais e mais problemas em mim própria e no meu pensamento, porque acho que nunca existe um fim para as questões, existe sempre um problema que pode ou não ser solucionado. Desta forma não acho que tenho uma conduta de criação fixa, ou estipulada e penso que se algum dia a encontrar tenho de descruzar o caminho com ela.
Quais as origens do espetáculo "Black Box"?
O espetáculo “Black Box” surge durante a pandemia, mas não é sobre a pandemia. Este espetáculo surge das minhas urgências enquanto artista e isso levou à criação de um espetáculo que, ao início, seria um ensaio teatral e que neste momento não tem nenhuma ligação com a ideia inicial, apesar de ser essa natureza que me estimulou a criar este espetáculo. As engrenagens que me levaram a escrever os primeiros textos eram sobre o medo do tempo (Cronomentrofobia) e de que forma me iria relacionar com ele. Passado esta fase evoluiu para uma questão de hierarquias, onde fui pesquisar qual o animal a nível hierárquico mais parecido com o ser humano e, entre abelhas e formigas, as formigas foram as escolhidas. Arranquei então para uma nova pesquisa: Quais as pessoas que iriam habitar este espaço e então apareceram as novas fobias: Ometafobia medo dos olhos e a Quifofobia o medo de parar. Estávamos em pandemia e meti na cabeça que o trabalho de pesquisa iria também passar por uma abordagem próxima da comunidade, o que não foi possível. Por isso decidi criar formulários online, onde obtive respostas anónimas (ou não) de imensas pessoas, de norte a sul do país. Foi uma valente ajuda para poder criar partes textuais da peça que foram para uma zona muito específica, ligada ao tecnológico. Esta questão tecnológica e computorizada advém de uma crítica aos media e aos oligarcas que os gerem, que controlam a informação que vem parar aos nossos ouvidos. Assim como as publicidades rápidas onde nos vendem os corpos X, o melhor método para Y e a campanha de FastFood W. Para mim e ao longo destes anos de pesquisa fazia-me sentido as personagens não terem nome. Pensava muito sobre a questão de irmos às finanças ou à segurança social e o meu nome, Maria Toscano, não valer nada. Assim como eu, como pessoa, passar a ser apenas um número. Pensando nisto e pensando também no facto da vida e da morte de uma pessoa ser apenas diminuída a um número, decidi não dar nome às personagens, mas sim números 300, 17.32 e 605 que habitam o espaço da Black Box.
O que nos podes dizer sobre as patologias que a peça aborda?
As patologias de cada pessoa que habita o espaço da Black Box foram colocadas como um motor de trabalho para o corpo dos atores. As fobias abordam temas como o medo do olhar, o medo do tempo e medo de estagnar na vida. São medos/fobias que penso que qualquer artista tem: o receio da critica não construtiva, o medo do tempo porque estamos sempre a correr contra o relógio para criar e TER de criar para sobreviver e entregar a candidatura a tempo e sem saber se vamos colher frutos ou não devido à falta de financiamento para o fazer, assim como a estagnação de um artista. Penso nesta questão de parar, não num sentido literal pois um artista tem de parar. Às vezes acontece tanta coisa que não conseguimos sequer estar e o estar só por si, faz muita falta. Por isso é que residências artísticas fazem tanta falta, porque vais e estás, estás para aquilo e para mais nada. O ritmo de vida acelerado, todos os estímulos que recebemos a cada segundo e muitas vezes não conseguimos simplesmente cancelar e estar só sossegados para pensar, desaparecem.
O excesso de informação e de falta de privacidade são motores para o espetáculo?
O excesso de informação sim, a falta de privacidade não tanto, são coisas diferentes e que foram pensadas, mas o que move realmente o espetáculo e o seu conceito é toda a informação que existe e como é que nós nos movimentamos e posicionamos na sociedade. Tornamo-nos agentes e cúmplices deste turbilhão de informação cada vez que alinhamos no seu "jogo". Ainda assim não ignoramos o facto de que muita informação, vem com o custo de quase toda a privacidade, então isso, de certa forma, é também visível no espetáculo.
Como está a correr o processo criativo?
Como referi nas primeiras perguntas, este foi um espetáculo que demorou a arrancar, as obras começaram a ser feitas e tiveram de parar a meio por falta de orçamento. A falta de orçamento trouxe também a mudança de elenco, que pela vida tiveram de procurar novos trabalhos.
Neste novo elenco somos todos colegas, que juntos terminámos a Escola Superior de Teatro e Cinema no ano passado (2022) e juntámo-nos, após a confirmação de orçamento, para então colocar a Black Box de pé em 15 dias. Estes 15 dias foram recheados de trabalho de mesa no Mercado Municipal da Tapada das Mercês, um mercado inativo há 7 anos e onde as paredes com humidade, as bancadas do peixe e da carne partidas e outras nem tanto, nos ajudaram a construir o espetáculo. Neste trabalho de mesa, a Black Box ganhou outra dimensão, uma dimensão no universo da Ficção Científica, devido a todas as perguntas que surgiram por parte dos atores (José Marques, José Pires, Raquel Cabaço Pereira e Tomás Barroso), assim como também do nosso cenógrafo (Mário Rodrigues) e do compositor (Daniel Alves).
A Black Box passou de um ensaio teatral, para uma peça de Ficção Científica low bugget, onde tinha consciência que tal como é difícil fazer bom terror, é difícil fazer boa Sci Fi. Porque os filmes de Terror antigos e até alguns dos mais recentes são tão bem feitos que o público fica condicionado e exigente na maneira de apresentação destas estéticas. Por isso com a ajuda valiosíssima do cenógrafo, trabalhámos muito sobre o rigor e refletimos muito sobre todo o contorno visual que iriamos colocar na peça.
Encontras resposta para a questão “Como podemos vingar numa sociedade totalmente mecânica?”
Não, mas é uma excelente pergunta e é daquelas perguntas que faço a mim mesma e que coloquei como um motor na peça, mas que não encontrei ainda a resposta. O mecanismo da sociedade atual penso que está totalmente enferrujado por toda a poluição visual, auditiva e sensorial que estamos constantemente a receber. A crença de que um indivíduo cujo discurso é totalmente autoritário e ainda assim é aí onde as pessoas colocam a sua aceitação, é questionável. Acreditar que a violência verbal e visual é que é o caminho, assusta-me. Ir a um shopping e ver uma criança com os pais, a comer FastFood e com o telemóvel à frente, sem existir um contacto. É esta alienação que me fez chegar à questão sobre como podemos mudar nesta e esta sociedade mecânica e que cada vez mais está desligada e nos força a desligar do pensamento.
É importante desviar do carreiro que nos tenta ser imposto?
Sim, penso que sim. Se não desviarmos, se não pensarmos, se não fizermos nada que nos faça sentir vivos, o caos emerge sobre nós. Continuamos na linha da rotina citadina que nos absorve toda e qualquer criatividade e caímos num carreiro interminável. Passamos a ser formigas sujeitas ao curso que nos mandam seguir, mesmo que este nos faça ficar eternamente em círculo até à hora da nossa morte. O livre arbítrio é algo que abordo como sendo uma verdade camuflada nesta nossa sociedade atual. Vivemos numa civilização democrática, ocidental, de primeiro mundo… Mas ainda assim, ao pesquisar, surgem camadas e camadas de coisas que turvam a realidade. Camus fala, no seu Mito de Sísifo, sobre o quebrar da cadeia dos gestos quotidianos levar-nos à consciência. A Black Box, de certa forma, representa também isso.
A tua expectativa relativamente ao futuro é positiva, ou nem por isso?
Penso que sou uma pessoa positiva, mas preocupada e isso cria em mim um paradoxo eterno. Acho que quando penso em futuro, penso sobre o teatro no futuro, sobre esta arte tão valiosa e que não pode ser feita online, levada para o mundo digital (acho que todos percebemos isso durante a pandemia). Ver teatro online, para mim, é horrível. Preciso de estar, de sentir, de ouvir a respiração das atrizes e dos atores ali à minha frente, o suor que acaba sempre por começar a notar-se seja pelo esforço físico ou pelas luzes que são sempre um sol em pleno verão e a 35º. A pandemia sim, assustou-me, pensei diversas vezes de que maneira é que o teatro ia alterar-se. Propomos uma ligeira mudança a esta premissa. Tenhamos o Digital e o tecnológico a ir ter com o Teatro e não o contrário. Não gosto da visão dos robôs e das inteligências artificiais a existirem com papéis fundamentais na sociedade, assusta-me o ser humano em trabalho de mão de obra estar a ser substituído por máquinas. As Fake News, as pretensões sobre o corpo, os bots da internet, enquanto isto tudo está a acontecer ninguém pensa na luta que as pessoas de carne e osso têm. Na luta das mulheres neste novo paradigma, nas alterações climáticas, na escravatura, na exploração, entre outras coisas onde se entra numa alienação total. Na minha opinião… E é por isso que estou constantemente em pensamento e por isso não tenho respostas, a Black Box continua a ser uma grande questão para mim. Tem dezenas de camadas impostas e sobrepostas em si, aborda muitos temas dentro do paradigma que propõe como espetáculo e é uma descoberta constante trabalhar e ensaiá-lo.
Foto por Filipe Ferreira
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