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A cigarra e a formiga

June 26, 2020

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A cigarra e a formiga
Por Rui Zink


Fábula que se preza é duma simplicidade portátil. A da cigarra e da formiga, então, é perfeita: de um lado a formiga trabalhadeira, acumulando pão seco para o inverno, do outro a cigarra preguiçosa e armada em artista, que canta todo o verão e só tarde de mais se dá conta de que também há inverno.

Na versão mais cruel, a cigarra morre. Na mais caridosa, a formiga partilha com a desaustinada um bocado do valor acrescentado que, graças ao seu meritocrático mérito, acumulou.

A moral da fábula é clara: a cigarra é uma idiota lírica, uma analfabeta financeira, só sabendo cantar e gozar a vida; já a formiga é uma pessoa como deve ser, acumuladora incansável de capital que não tem medo da monotonia nem do sacrifício, porque sabe que a vida é para trabalhar, não para nos divertirmos.

Dito de outra maneira: a cigarra é José Cid, a formiga é Passos Coelho.

Esta fábula encena a enésima oposição entre o bem e o mal, sendo que aqui o Bem é o sacrifício insano até à exaustão. E o Mal, a despreocupação feliz, o amor à vida. É uma perversão do slogan pacifista: em vez de make peace, not war é make formiga, not cigarra.

E, implícita, a ideia, sub-reptícia, quase explícita, de que toda e qualquer alegria é suspeita. De que toda a nudez será castigada.

Quando em criança ouvimos a fábula, o lado mais tacanho-protozoário pode não nos atingir assim tanto. Sobretudo se os adultos que a contam não repararem nas implicações. Afinal estão apenas a cumprir ordens: é saber antigo e a ideia principal é (pelo menos parece ser) inofensiva: o sublinhar da importância do trabalho e da perseverança.

É mais tarde que vemos as implicações subliminares. Uma delas, a de que as artes (geralmente a cigarra aparece a tocar guitarra) são coisa de preguiçosos. Por acaso é mentira, e quem aprendeu a tocar guitarra, piano ou outro instrumento sabe que para ser cigarra são precisas muitas das qualidades atribuídas à formiga, nomeadamente capacidade de trabalho e perseverança.

Mas o mal está feito. Os artistas são vistos como uns molengões subsidiodependentes e irresponsáveis. Já os verdadeiros lapas passam por entre os pingos da chuva.

E, perante uma crise que a todos atinge, ninguém repara que quem se porta como a cigarra da fábula é na verdade quem tem fama de formiga: «Ah, vamos precisar de mais uns milhõezitos, afinal».

A culpa é em parte nossa. Os artistas habituaram mal o público, porque em palco têm geralmente um ar bem-disposto. Tão bem-disposto que as pessoas se convencem de que não estão a trabalhar mas sim a divertir-se.

Ao contrário dos gestores daninhos que, mesmo apanhados com a boca na botija, mantêm um ar grave e cinzento. Maus a fazer contas, mas bons a fazer de conta que sabem fazer contas.

Rui Zink (Lisboa, 1961)
Escritor e professor. Autor, entre outros, de Apocalipse Nau (1996) e A Instalação do Medo (2012). Livros mais recentes: Manual do Bom Fascista e O avô tem uma borracha na cabeça.

Esta iniciativa resulta de uma parceria Coffeepaste / Prado. A Prado é uma estrutura financiada pela DGArtes / Governo de Portugal para o biénio 2020/2021.

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