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Em O Estado das Coisas, Bruno Veiga propõe uma travessia visual e emocional pelos vestígios da transformação urbana em Portugal — ruínas, tapumes, marcas nas paredes — que evocam não apenas mudanças físicas, mas feridas sociais e afetivas. Inspirada no filme homónimo de Wim Wenders, a série é menos um inventário de demolições e mais uma meditação sobre o tempo suspenso, o apagamento e a memória coletiva.
Radicado em Lisboa desde 2018, o fotógrafo e artista visual brasileiro transporta para esta nova série uma trajetória marcada por um olhar crítico e poético sobre o espaço urbano, entrelaçando arquitetura, política e território. Ao longo da entrevista, Veiga fala sobre o seu método instintivo de trabalho, a força simbólica da casa frente ao avanço da gentrificação e o diálogo íntimo entre a obra e o espaço físico da Galeria NOTE, que acolhe a exposição entre 10 de maio e 5 de julho de 2025.
O que se segue é uma conversa sobre olhar, perda, resistência e sobre a cidade — esta que habitamos, e aquela que perdemos.
O título da tua exposição faz referência direta ao filme do Wim Wenders. De que forma esse filme dialoga com a tua abordagem fotográfica e temática?
O filme de Wenders trata, entre diversas questões, de um tempo suspenso, da espera, da angústia da espera, da incerteza em relação ao presente e ao futuro. Essas temáticas se encaixam no sentimento vivido por uma parte da população residente em Portugal em relação a questão da moradia, da habitação, da casa aonde vivemos. O diálogo do filme com a exposição se dá no âmbito dessa questão, mas sem um olhar propriamente documental, mas de forma livre e subjetiva.
Como surgiu a ideia de documentares os vestígios da transformação urbana em Portugal? O que te levou a começar essa série em 2019?
Cheguei em Lisboa em setembro de 2018. Vim para ficar 1 mês, acompanhando uma namorada que ia começar um mestrado. A paixão e a eleição de Bolsonaro no Brasil me fizeram ficar. Eu já vinha a Portugal com alguma frequência, pois tenho um extenso ensaio sobre as calçadas portuguesas, aqui e no Rio de Janeiro, minha cidade natal. Nessa vinda fiquei impressionado com a quantidade de remodelações, andaimes, enfim, eram obras por toda a cidade. Algo parecia estar vindo, algo avassalador, como uma invasão silenciosa, que acabou vindo e alterando radicalmente nossas vidas nos últimos anos.
A curadora Bárbara Silva diz que as tuas fotos não são um inventário de demolições, mas uma meditação sobre ausências e silêncios. Como traduzes isso visualmente?
As remodelações contém um certo mistério, algo que se esconde atrás dos véus, dos tapumes. A pergunta colocada nas placas das obras é bem apropriada: O que vai acontecer aqui? Uma transformação está se dando por trás desses elementos. E o processo de mudança pode ser complexo, por vezes dolorido. O objeto dessa transformação é a nossa casa, elemento central na estrutura de nossas vidas.
Dizes que o olhar é o nosso instinto mais primitivo. Como é que esse princípio guia as tuas decisões fotográficas no terreno?
Meu método de trabalho é simples, eu olho o mundo que nos cerca. Olho novamente. E olho mais uma vez, até achar o que eu não sabia que estava buscando. Algo fortuito, como se eu fosse escolhido pelas coisas. E então rola uma certa obsessão, uma paixão que deve ser saciada com imagens que representem o que estou e sentindo.
Que papel têm o enquadramento e a composição na transformação desses “restos urbanos” em imagens poéticas e simbólicas?
Comecei a fotografar na época do filme, ou seja, não tinha essa fotografar e depois “refotografar”, reenquadrar no computador. Era exigido de nós um certo rigor formal no momento da captação das imagens. Resultado: pouco edito as fotografias que faço. O tempo acaba por nos trazer imenso controle sobre a técnica fotográfica. Isso pode resultar em imagens em que a mensagem, a ideia sejam tão claras, tão bem expressas que falte espaço para o espectador ver algo diferente do que o fotógrafo havia pensado. Ou seja, nós aprendemos a construir imagens, mas depois temos que desconstruir, fazer uma espécie de “Cubismo”com nossas fotografias., criar obras abertas, mais descontroladas.
Tocas em temas como gentrificação, expulsão de moradores e mercantilização do espaço urbano. Como equilibras o teu papel de artista visual com o de crítico social?
Tento trazer subjetividade ao discurso político. No caso de O Estado das Coisas, trabalhei o problema do ponto de vista da casa. A Casa, não Habitação. Casa tem emoção, tem afeto, tem memória, tem amor. Mas meu trabalho é engajado politicamente. Eu acredito que a Política é fundamental. Sem a prática política, voltamos a Ditadura, que tão bem Portugal e Brasil conheceram.
Na tua visão, que cidade estamos a construir hoje - e o que dizem as tuas imagens sobre isso? Estamos construindo uma cidade menos diversa, mais excludente e com menos identidade. Esse fenômeno, na minha opinião, tem gerado rancor social justificado, levando por parte dos cidadãos a uma falta de credibilidade em relação ao Sistema, o que somado a outras questões, pode explicar ascensão de um populismo perigoso em diversos países do mundo. O que está se passando em Portugal também está acontecendo em outros países, em diversos continentes.
O que significa para ti fotografar “um negativo da vida que um dia ali existiu”?
A maioria das cenas fotografadas para a série O Estado das Coisas” não existem mais. O que ainda existe são memórias que não são minhas, são coletivas. Memórias que eu captei com minha máquina e que imprimo em papel.
Como fazíamos com o negativo de um filme. Ele é a matriz de algo que não existe mais.
Como é que a tua mudança do Rio de Janeiro para Lisboa influenciou a tua visão sobre espaço urbano e transformação social?
Lisboa e Rio de Janeiro tem algo em comum: são cidades-sereia, extremamente sedutoras, sexies, com muitas semelhanças e enormes diferenças.
Meus trabalhos autorais no Rio sempre foram conectados com a ocupação urbana, com A Casa, com Arquitetura. Sigo em Lisboa nesse caminho, mas sempre pode surgir um novo. Será bem vindo.
Tens uma trajetória longa a ligar Brasil e Portugal no teu trabalho. De que forma esta série continua esse diálogo?
O fenômeno da Gentrificação está disseminado por todo o planeta, do interior da Bahia até a pequena vila do Carvalhal, na região da Comporta. Mas a Globalizacão também globalizou problemas. Comecei a pesquisar esse tema ainda no Rio de Janeiro, mas em Lisboa...foi um choque, pois ele já saltava aos olhos em 2018, quando cheguei.
A exposição estabelece um diálogo direto com o estado físico da Galeria NOTE. Como pensaste esse encontro entre a obra e o espaço? A Galeria vem enfretando um problema que acabou por causar diversas infiltrações nas suas instalações. Ficamos por meses aguardando uma solução do condomínio., mas temos um prazo para realizar o projeto acordada com a Dgartes, que patrocina uma parte relevante do projeto. Eu estava numa reunião a buscar um espaço alternativo com a curadora e dona da Galeria Bárbara Silva e o curador José Oliveira,quando, auxiliados por alguns copos, percebemos que aquele problema era na verdade uma solução: a galeria era uma instalação, a linguagem. E assim foi.
O que gostarias que o visitante levasse consigo depois de passar pela experiência da instalação?
Meu desejo é que seja uma experiêcia aberta, que cada um tenha sua própria experiência diante do propomos, que emoção seja o caminho que leve a reflexão.
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