À medida que o verão expira os derradeiros bafos estivais, sente-se chegar o bom hálito da BoCA em suaves ventos que varrem o país, de norte a sul. A Bienal de Arte Contemporânea tomou um rebuçado de mentol e refrescou a programação nacional durante o mês de setembro, trazendo à cena alguns nomes que se encontram já na ponta da língua dos seguidores deste ajuntamento artístico — é como se João Romão, diretor artístico e programador da BoCA, tivesse entrado na secção de artistas num dos corredores
premium do El Corte Inglês e guardasse no seu carrinho os melhores produtos nacionais e internacionais: Angélica Liddell e um presunto ibérico de bolota; Romeu Castellucci, paredes-meias com
parmigiano reggiano DOP; teve de pedir ajuda para encontrar um Tiago Cadete, que não estava nem na secção lusa nem na brasileira; e na tabacaria ainda ganhou uma Tania Bruguera na compra de seis charutos cubanos.
“Prove you are woman” é o mote da edição deste ano, que se propõe a desafiar todas as formas e preconceitos de ser mulher, ou de não o ser. Mulheres e homens,
cis,
trans,
bis ou
frees poderão testar a extensão e profundidade da sua feminilidade numa série de propostas ousadas já apanágio deste evento. Entre físico e virtual, são variadíssimas as plataformas que acolhem um sem-número de atividades — diversidade que levou até à criação de um passaporte BoCA para que os verdadeiros aficionados pudessem preencher de carimbos, num repescar melancólico da saudosa
Expo 98.
O festival arrancou com uma performance
online de Sara Goulart apenas acessível para quem conseguisse identificar corretamente 5 das 10 fotografias de ativistas feministas que surgiam no ecrã do espetador. Já nas ruínas de Conímbriga, Angélica Liddell desenvolveu um Magnânimo espetáculo com interpretes portuguesas onde demoliu as construções sociais em redor do discurso feminista, iconografia feminina, literatura ativista e uma coluna romana durante esse processo, segundo consta.
Outra especialidade da programação BoCA são os cruzamentos improváveis: Nenny, a cantora luso-cabo-verdiana assinou a sua primeira ópera, em colaboração com a Orquestra Sinfónica do Porto, que estreou no Palácio da Cristal; Sofia Coppola foi convidada para escrever e encenar, em Portugal, uma peça teatral baseada na vida de Amália Rodrigues; Tita Maravilha criou o seu primeiro espetáculo infantil para crianças de pré-escolar, tomando como imaginário o conto
Alice no País das Maravilhas; o Cardeal José Tolentino Mendonça sentou-se para receber confissões de masculinidade tóxica e machismo, numa performance duracional de 5h no Convento de Cristo, em Tomar.
Por fim, não poderiam faltar os workshops que alimentam os CV’s de jovens artistas acabados de sair da academia: Guida Scarllaty ensinou os formandos a desmontar uma
dragqueen, e respetivos cuidados a ter com uma peruca; Os Espacialistas traçaram um itinerário por Lisboa, na forma de um corpo feminino, e convidaram os participantes a criarem momentos de feminilidade ao longo desse percurso; Cátia Terrinca partilhou com o seu grupo técnicas e dicas para ser mãe e artista-programadora em simultâneo, mantendo a sanidade mental e um coletivo funcional.
Apesar de ainda não ter terminado, a edição deste ano traz à luz debates e Preconceitos de e para com o feminino, incorporando artistas e não artistas de vários quadrantes para criar um discurso eclético e fértil de argumentário. Que refrescante forma de inaugurar a temporada!
Critic@ Sombr@
sombra.critic@gmail.com
@ autor@ não escreve ao abrigo do acordo com a realidade.
Para o comprovar reveja as críticas anteriores:
V, dos auééuA Batalha de Aljubarrota, de Ricardo Neves-NevesAntipríncipes, de Cláudia Gaiolas