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Uma amiga convida-me a pensar sobre figuras aladas. Faz acompanhar a proposta com fotografias que tirou a uns retábulos que viu. Lá estão os anjos nas suas tarefas, nem por isso participando nas histórias dos outros, talvez assistindo, mas sem tocar, implicados com a cena pelo olhar. Lembro o quadro de que ainda há uns dias se falava num ensaio: Angelus Novus, do Paul Klee. Walter Benjamin escreveu sobre ele que é o Anjo da História, na iminência de mudar a direcção do olhar. Está de boca aberta, e asas abertas. Olha para o passado. Assim é o Anjo da História, voa de costas para o futuro, a olhar para o passado.
Diz-me esta amiga sobre os anjos: que são "aquelas figuras que ligam o céu e a terra, o terreno e o celeste".
Devolvo-lhe que na manhã do dia em que me enviou a provocação das figuras aladas, na mota, sou assaltado pelo pensamento "o Bob Dylan também paga impostos". Passo os minutos seguintes a ilustrar o pensamento: Bob Dylan entra na repartição das Finanças para tirar uma dúvida. Imagino a pessoa ao balcão a desculpar-lhe todos os erros - entre o carinho e a admiração. E, exactamente enquanto desenho uma curva (o que pode justificar qualquer lamechice), penso: precisamos de cuidar dos poetas.
Cuidar dos poetas. Das pessoas que são poetas - pontes entre o terreno e o divino. Uma certa forma de divino. Uma outra maneira de viver. Os lugares misteriosos para onde o mundo nos leva.
Algumas vezes assisti à queda de poetas. Na verdade, bastará assistir ao processo de crianças que deixam de o ser. Crianças que se tornam crescidos. Crianças que se tornam cada vez mais versadas na língua do mundo, nos artigos e nas excepções. Nas obrigações e na regra. Que sabem escrever e fazer matemática. Crianças que começam a usar o sofá como sofá, para quem o ramo partido da árvore já não é uma espada de cavaleiro, que começam a saber o nome de cada coisa. Cada vez que um sofá se torna sofá, perdemos um poeta, cada vez que um ramo partido não é outra coisa qualquer, perdemos um poeta, cada vez que uma coisa tem nome perdemos um poeta.
O dia-a-dia é ao mesmo tempo o melhor e o pior amigo dos poetas. Alimentam o seu imaginário, dão-lhes o pretexto, mas tentam-nos com as preocupações quotidianas, os problemas que se esgotam na espuma dos dias, a banalização de um certo esforço.
Se não nos podemos salvar a nós, tentemos pelo menos salvar os poetas. Como a pessoa nas Finanças com o Bob Dylan. Para que o sofá, e ramo, e as palavras, e tudo quanto existe à nossa volta se ultrapasse, e possa ser outra coisa qualquer, essa coisa que não tem nome.
Imagem: Paul Klee - Angelus Novus
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