Por António Jorge GonçalvesAs melhores descobertas acontecem sempre por acaso.
Numa viagem ao México – na era
aC (antes do Covid) –, o pedido de uma amiga levou-me a comprar um monte de lápis brancos de uma marca que não se arranja em Portugal. Guardei um para mim, como quem guarda uma bizarria, uma recordação de viagem. Explico: o lápis nunca foi a minha praia, muito mole, pouco definitivo, um lambe-lambe que pouco se coaduna com o meu traço decidido. Muito menos branco, porque eu sou da cor, do namoro entre tons afastados ou da mancha negra poderosa da tinta-da-china.
Já em período
dC (depois do Covid), numa deambulação pela papelaria, descubro um pequeno caderno de papel preto. O objecto conquista-me pela sua bizarria, tudo nele parece fechado, opaco, o contrário daquilo que um desenhador precisa para lhe excitar a mão. Deixei-o hibernar vários meses na minha mesa, até que um dia compreendo que o lápis que veio do México pode-se encontrar com ele.
Começo por tentar fazer aquilo que faço normalmente nos meus cadernos, mas ao contrário, porque o branco é o preto e o preto é o branco. Não funciona. Mas um dia percebo: aquelas páginas são uma sala às escuras, precisam de ser iluminadas para revelarem o que lá está contido. E o lápis branco pode ser a minha vela.
António Jorge GonçalvesNasci em Lisboa. Licenciei-me em Design Gráfico pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (1989) e fiz Mestrado em Theatre Design na Slade School of Fine Art em Londres (1999) onde fui bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Leccionei no IADE, RESTART e UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA. O meu trabalho abrange desenho, fotografia, música, e arte pública. A narração por imagens é o meu território favorito: desde 78 que publico banda desenhada em jornais, revistas e fanzines em Portugal, Espanha, França e Itália.