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Entre a delicadeza e a denúncia: Marianna Brennand fala sobre MANAS

Por

 

Pedro Mendes
August 21, 2025

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Entre a delicadeza e a denúncia: Marianna Brennand fala sobre MANAS

Marianna Brennand estreia-se na ficção com MANAS, um filme que nasce de dez anos de investigação sobre casos de abuso sexual e exploração de meninas no Marajó, no Pará, Brasil. A obra, que chega agora às salas portuguesas, foi distinguida internacionalmente — venceu o Prémio de Melhor Realização na secção Giornate degli Autori do Festival de Veneza, recebeu o troféu Women In Motion em Cannes e conquistou o Prémio do Público no FEST – Festival Novos Realizadores | Novo Cinema, em Espinho.

Coproduzido pela brasileira Marahu Filmes e pela portuguesa Fado Filmes, MANAS é um drama intenso e delicado, que procura dar voz a realidades silenciadas sem nunca cair na exploração da dor. Nesta conversa com o Coffeepaste, Marianna Brennand fala sobre o processo de criação do filme, os desafios éticos e artísticos de transformar em cinema uma realidade tão dura, e partilha também a sua visão sobre o momento actual do cinema brasileiro e o lugar das mulheres realizadoras.

Como é que o cinema entra na tua vida?

O cinema sempre esteve muito presente na minha vida como forma de olhar o mundo. Desde cedo entendi que a imagem em movimento não era só entretenimento, mas também uma ferramenta poderosa de transformação, de empatia e de escuta. Através dele, consigo dialogar com realidades muitas vezes silenciadas.

O que te levou a dedicar dez anos à investigação sobre casos de abuso sexual e exploração de meninas no Marajó?

Quando soube das histórias das meninas nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó, fiquei profundamente tocada. Não era possível virar as costas. O tempo longo da investigação foi uma necessidade: precisei escutar, compreender, construir confiança, respeitar silêncios. E também lidar com a complexidade ética — como transformar em cinema algo tão doloroso sem reproduzir a violência.

De que forma esse longo trabalho de pesquisa influenciou a escrita e a abordagem cinematográfica de MANAS?

A pesquisa foi a espinha dorsal. Ela me mostrou a impossibilidade ética de filmar em formato documental, de expor vítimas reais. Foi a partir daí que decidi construir uma ficção, inspirada pela realidade, mas que permitisse criar distância poética e ao mesmo tempo manter a verdade emocional. O rigor da pesquisa está em cada gesto do filme, mesmo que de forma invisível.

O filme aborda um tema duro e sensível. Como encontraste o equilíbrio entre a denúncia e a construção de uma narrativa cinematográfica?

Esse equilíbrio só foi possível pela delicadeza. Eu não queria um cinema que revitimizasse, nem que explorasse a dor. Muito menos que sexualizasse o corpo feminino. Quis um filme que fosse duro na denúncia, mas terno no olhar. Mais do que mostrar a violência, fazer com que o espectador sentisse a violência. Acredito que a beleza e as escolhas estéticas podem ser também um gesto político — ela abre o coração do espectador para acolher uma realidade difícil.

Qual foi o maior desafio durante as filmagens?

Tivemos muitos desafios na feitura desse filme. Mas todos foram enfrentados com muita leveza e um senso de compromisso e responsabilidade de toda a equipe, estávamos todos imbuidos em dar o nosso melhor e conscientes da importância de contar essa história. Mas diria que a direção de atores, por ser minha estreia na ficção, talvez tenha sido, um dos meus maiores desafios.

A coprodução com Portugal teve impacto no desenvolvimento ou na distribuição do filme?

Sim, a coprodução com a Fado Filmes foi muito importante. Trouxe novas possibilidades de financiamento e ampliou o alcance de distribuição. MANAS é um filme profundamente brasileiro, mas feito em diálogo com parceiros de fora — e esse diálogo só fortaleceu a obra.

O reconhecimento internacional - Veneza, Cannes, FEST - mudou a forma como o filme é recebido ou discutido no Brasil?

"Sem dúvida. A carreira internacional, além de trazer reconhecimento artistico para o filme, ao confirmar sua potência e qualidade cinematográfica cria também um eco que ajuda a reverberar a temática dentro do Brasil. Quando um filme sobre violência sexual contra meninas da Amazônia é premiado em Veneza ou em Cannes, o debate no Brasil ganha outra dimensão. Passa a ser visto não apenas como uma questão local, mas global."

Que papel gostarias que MANAS desempenhasse no debate sobre violência sexual infantil no Brasil e em geral?

Gostaria que MANAS fosse usado como ferramenta de transformação social. Que ajudasse a quebrar os silêncios, a provocar empatia e mobilização. É um filme, mas também é um instrumento — e acredito que pode abrir caminhos para políticas públicas e para mudanças sociais profundas.

Trabalhar num tema tão pesado exige cuidado com a equipa e o elenco. Como geriste esse lado humano durante a produção?

Esse foi um compromisso central. Criamos espaços de escuta, conversas coletivas, pausas necessárias. O set não podia ser um lugar de reprodução da violência que estávamos denunciando. A ética não estava só na escolha estética, mas também na forma de fazer o filme.

Fala-nos do processo de seleção da protagonista, Jamilli Correa, que não tinha experiência prévia em representação.

Foi uma jornada longa de pesquisa de elenco, quase um ano até encontrarmos nossa protagonista. A Jamili nunca tinha atuado mas desde o primeiro momento já trazia em si uma uma presença muito forte e marcante quem nos impressionou. É uma menina que vive na cidade, em um contexto urbano, não vinha de um universo ribeirinho. Fizemos uma preparação longa e cuidadosa para que ela pudesse mergulhar no universo da personagem e dar vida a Marcielle com tanta verdade. Ela se fundiu às águas do rio e aos sons da floresta como se sempre tivesse pertencido àquele lugar.  Costumo dizer que ela é uma força da natureza, uma presença que preenche a tela com uma força arrebatadora. Sem Jamilli, MANAS não existiria.

Que cineastas ou obras mais te inspiraram ao longo da tua carreira e, em particular, na criação de MANAS?

Sempre fui muito inspirada por filmes que tratam de questões humanas e sociais. Acredito no cinema como uma ferramenta muito poderosa de transformação pela sua oportunidade de gerar empatia. Alguns filmes que marcaram profundamente minha vida e influenciaram o Manas são: Quem Matou Pixote (Hector Babenco), Iracema um transa amazônica (Orlando Senna, Jorge Bodansky), Cristiane F. (Uli Edel ), Central do Brasil (Walter Salles), Eu, Daniel Blake (Ken Loach), Vivre Sa Vie (Jean Luc Godard), Mutum (Sandra Kogut), Verão de 1993 (Carla Simon), Flórida Project (Sean Baker).

Como vês o momento atual do cinema no Brasil, sobretudo para realizadoras mulheres que abordam temas sociais?

Vivemos um momento de afirmação, transição e de resistência. As mulheres estão conquistando mais espaço atrás das câmeras, mas ainda é uma luta diária. Fazer um filme como MANAS, com um tema social tão duro, é também uma forma afirmar o direito de ocuparmos esses espaços. É fundamental termos o lugar de decisão sobre quais histórias queremos contar e, principalmente, como contar histórias através de olhares femininos. O futuro do cinema brasileiro passa necessariamente pela pluralidade de vozes — e nós mulheres temos muito a dizer.

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