Conteúdos
Agenda
Recursos
Selecione a area onde pretende pesquisar
Conteúdos
Classificados
Notícias
Workshops
Crítica
Por
Partilhar
Na performance imersiva de Aura, sexo e morte não são apenas temas - são portais. Com um olhar profundamente sensível e provocador, a artista constrói um díptico que atravessa os limites entre o desejo e o fim, o carnal e o etéreo, o corpo e a memória. Inspirada tanto por experiências pessoais quanto por urgências coletivas, Aura desmistifica dois dos maiores tabus da contemporaneidade ao entrelaçá-los num projeto transdisciplinar que é, simultaneamente, instalação, ritual e manifesto. “Sexo” e “Morte” não são apenas polos opostos, mas espelhos que se refletem num mesmo gesto de autonomia e cuidado - uma travessia onde a ternura radical e a tecnologia convivem para reimaginar o presente e antecipar futuros possíveis. "Sexo e Morte" será apresentado dias 13 e 14 de maio, dentro da programação do FITEI.
O que te motivou a explorar os temas de sexo e morte de forma conjunta neste projeto?
Pode parecer estranho, mas há mais conexões entre ambos os temas do que pode inicialmente aparentar e foi isso que mais me motivou a juntá-los como um díptico entre o libidinal e o liminal, o carnal e o digital. Há claro a expressão ‘la petite mort’ em francês que liga orgasmo a uma pequena morte, mas também o facto de ambos se relacionarem com as noções de desejo e da autonomia do corpo durante e após a vida. Para além disso, ambos são dois grandes tabus na sociedade contemporânea que precisam de ser desmistificados e desconstruídos, porque não em simultâneo?!
Como surgiu a ideia de criar um díptico com dois momentos tão distintos e, ao mesmo tempo, tão intimamente ligados?
Criar um díptico (que na verdade é mais um quarteto, pois o projeto tem ainda uma sala de espera e instalação na W.C.) é algo que já me persegue desde a faculdade, quando já me tinha surgido a vontade de criar uma dark room e, em contrapartida, um outro espaço etéreo e digital, como uma travessia entre dois mundos que habito. Acabei por juntar ambos no que veio a ser a minha primeira performance a solo, 7 ≈ 8, ainda que simbolizados nos dois espelhos de água que se cruzavam e criavam uma forma de infinito. Passado 4 anos, tive a visão de numa rua, existirem 2 lojas, lado a lado, uma que fosse um espaço de exploração do prazer após uma legalização (necessária e urgente) do trabalho sexual em Portugal e de uma maior abertura para lugares de intimidade para pessoas queer e trans. A outra seria uma funerária concept store, desligada do cristianismo e do luto mórbido ainda regente na sociedade ocidental, que ressignificasse a morte dando a primazia às vontades antecipadas de cada pessoa. A minha ideia inicial era mesmo de abrir estas duas lojas pop-up na rua, já que a arte e design não pertence só às instituições e seria mesmo necessário haverem espaços assim em Portugal. Talvez este projeto seja só uma versão piloto de algo maior a vir. Para já, abrimos o teatro às margens.
Em que medida a tua prática transdisciplinar influenciou a construção desta experiência imersiva 1-a-1?
Sinto que mesmo quando os meus trabalhos não são 1-a-1, já existe uma grande imersão trazida pela cenografia, som e ação. Ainda assim, neste projeto é de facto mais implícita, pois eu criei uma espécie de ‘obra de arte total’ que vai desde o foyer do teatro, passando pelo bar, bengaleiro, W.C.s até ao palco. Como também é dos projetos onde está mais visível o cruzamento entre a performance e a intermédia, ambas áreas que estudei no mestrado e licenciatura e que fazem parte da minha prática. A imersão é dos efeitos que a arte pode ter mais impactantes para mim, pois tem um poder transformativo de transportar corpos para novas realidades.
Que tipo de sensações ou reflexões esperas provocar no público através da dark room e da realidade virtual?
Quero sobretudo que cada pessoa possa pensar por si mesma de forma crítica. Não gosto de dizer o que o público deve ou não sentir, ainda assim imagino que este projeto possa levantar questões sobre consentimento, cuidado e aceitação nas práticas relacionais e fúnebres como também imaginar futuros próximos mais conscientes. Obtivemos feedback de dezenas de pessoas ao longo das previews que fizemos e uma coisa é certa: o público quer mais e quer voltar, o que nos dá motivação para continuarmos e levarmos o projeto a várias cidades e países.
A performance “Sexo” fala em ternura radical - como traduzes isso em termos performativos?
Não posso nem quero revelar muito, para quem já leu bell hooks, Audre Lorde, perceberá do que falo, para quem ainda não que venha experienciar e irá entender um pouco. Uma coisa é certa: precisamos de um mundo com muito mais lugar para o afeto e a ternura radical. Talvez até com menos sexo e mais carinho. Sem dúvida com menos preconceitos, assédios, violações, violências, mitos, estereótipos, objetificações, e mais amor.
Que tipo de interação existe entre o público e a instalação “Morte”?
De novo, sem revelar, Morte é uma simulação de realidade virtual chamada Afterlife que cada pessoa poderá experienciar individualmente ao colocar um headset que a irá transportar para um espaço liminal onde poderá refletir sobre a sua vida e morte. Há um lado prático e real que é o facto da pessoa poder criar o seu testamento / declaração de vontade antecipada de forma calma e ao seu ritmo. Vimos isso acontecer com um amigo próximo que faleceu recentemente e que tinha participado numa primeira versão de ‘Morte’. Foi doloroso, mas especial poder ajudar a realizar os desejos dessa pessoa e de outras que (v)irão.
O espetáculo propõe-se a desmistificar tabus. Que tipo de reação esperas ao abordar temas como a ressignificação do prazer ou a secularização dos funerais?
Confesso que continuo à espera dos militantes do Chega na porta do teatro a tentarem cancelar o espetáculo. Não sei se feliz ou infelizmente, não aconteceu. Feliz para a minha saúde mental, infeliz para a provocação que talvez gostasse de fazer. Não que esse seja o foco do projeto, mas sinto que estamos a ir ainda tão aquém que só uma quarta revolução sexual e um primeiro outcoming dos mortos é que faria algo mudar. Acredito numa educação para o afeto (inexistente em maioria das casas, escolas e trabalhos), mas também numa luta com vibradores e cinzas na mão fora das instituições e academia.
Fala-se também em autonomia do corpo e cuidados pós-vida. Como é que a performance dialoga com estas questões?
A autonomia do corpo e práticas de cuidado estão presentes no consentimento tanto do público como des performers em ‘Sexo’, nas ações 1-a-1 que ambes desenvolvem, por exemplo, ao permitirem ou não o toque, como também no facto de cada pessoa poder tomar decisões em vida sobre a sua morte, por exemplo, se prefere ser cremada ou enterrada. Ambos - performer e público - estão sempre em controlo, podendo parar ou mesmo abandonar a qualquer momento.
A performance parece querer criar novas narrativas sobre o corpo e a memória. Que tipo de legado pretendes construir com esta obra?
Há um legado já em construção que arquiva os desejos pós-vida de cada pessoa, dando-lhes, espero, tranquilidade para com a sua própria morte. Há um outro que trabalha as vontades, e até segredos, que fica armazenado de forma mais efémera nos cérebros de quem experiencia. Acho que ambos rumam para um legado de esperança, fundamental para a sobrevivência de muites de nós.
Como foi o processo de trabalhar com tecnologia, especialmente a realidade virtual, neste contexto performativo?
Não foi a minha primeira vez a trabalhar com tecnologia, até porque mesmo a máquina de névoa, o vibrador e o telemóvel com o qual escrevo-te agora são também tecnologias. A minha existência é também graças a múltiplas tecnologias. Mas de facto foi este o primeiro projeto em que perdi a virgindade com a realidade virtual e a inteligência artificial, e posso dizer que foi incrível. Foi uma orgia mágica que a ZABRA participou e é uma relação, poliamorosa e de longo termo, que pretendo manter.
Houve alguma inspiração ou referência específica no cruzamento entre arte, tecnologia e sensorialidade?
Honestamente, não. Ainda que haja uma instalação com vários cartazes de filmes, livros e histórias, muitos deles sci-fi, que foram referências para o projeto, acho que a maior influência foram os traumas que já passei / passamos e que queremos evitar para futuras gerações.
Como é que esta performance se encaixa ou se distingue do teu trabalho anterior?
Este é o meu terceiro projeto que, na verdade, repesca ideias que tive para o meu primeiro, ainda que altamente mutadas. Há alterações notórias em relação aos meus trabalhares anteriores, especialmente no formato que passa da performance sentada para a interação e novos media. Mas também uma continuação da narrativa de quem é AURA: imersiva, etérea e expansiva. Sinto um avanço significativo no modo de produção e criação que tenho vindo a desenvolver com mais confiança, recursos e ambições. E verdadeiramente privilegiada por nos últimos anos ter conhecido e colaborado com seres incríveis que fazem parte da minha família escolhida.
Apoiar
Se quiseres apoiar o Coffeepaste, para continuarmos a fazer mais e melhor por ti e pela comunidade, vê como aqui.
Como apoiar
Se tiveres alguma questão, escreve-nos para info@coffeepaste.com
Mais
INFO
Inscreve-te na mailing list e recebe todas as novidades do Coffeepaste!
Ao subscreveres, passarás a receber os anúncios mais recentes, informações sobre novos conteúdos editoriais, as nossas iniciativas e outras informações por email. O teu endereço nunca será partilhado.
Apoios