A Agência 25 é um coletivo de produção e criação artística. Foi fundada em 2015 por Vítor Alves Brotas e tem, desde então, produzido objetos de natureza artística e intelectual nas mais variadas expressões, com um especial enfoque no universo da dança contemporânea. Desenvolve projetos de diferentes dimensões, nacional e internacionalmente, gerando condições para a criação contemporânea. Conversámos com Inês Lampreia e Vítor Alves Brotas sobre o projecto "Sabotagem".
O que é e como surgiu o projecto Sabotagem?
Podemos começar por explicar o que é… O
Sabotagem é um projeto de criação, experimentação e investigação artísticas, desenvolvido pela Agência 25, em colaboração com as artistas-residentes-sabotadoras: Beatriz Garrucho, David Marques, Emilie Jacomet a.k.a Jack, Sara Anjo e Sofia Dias & Vítor Roriz. Consiste em entregar, literalmente, a conta de Instagram da Agência 25 a estas artistas, que durante um mês a utilizam em residências online para partilharem processos de pesquisa.
É um projeto que surgiu da vontade de provocar, testar e refletir sobre a investigação enquanto objeto artístico. Ao proporcionarmos um projeto desta natureza e com estas condições estamos a propor questionar as fórmulas de exposição pública (seja de objetos artísticos, de artistas ou mesmo de estruturas) e transformar o modo de pensar a produção artística. Atualmente, o espaço dedicado ao tempo de pesquisa e à fase tentativa-erro, ao trabalho invisível das artistas, é reduzido - senão inexistente - aos olhos do público. Há ensaios abertos, mas é raro conseguir-se acompanhar a pesquisa de uma artista e, mais ainda, acompanhar um trabalho de investigação. Isto quer dizer que o momento em que se correm riscos e se exploram ideias sem filtros, constrangimentos ou pressões, quando as artistas estão em processo de experimentação e em plena espontaneidade, é com frequência inacessível. Não achamos que estes processos tenham de ser necessariamente partilhados, ou sequer que as artistas queiram fazê-lo, mas quando houver essa vontade e quando fizer sentido, por que não partilhar?
Qual é o principal objetivo do programa?
Talvez sejam vários objetivos… que consideramos todos principais. O
Sabotagem pretende estimular a criação de um discurso em torno da dança e da performance, valorizando novas formas de as contextualizar. Promove uma relação dinâmica entre a prática e o pensamento da criação artística. Além disso, estas ações fomentam a consciencialização e sensibilização para os processos de pesquisa, dando a conhecer experiências processuais que muitas vezes carecem (ou poderiam beneficiar) de visibilidade.
Reflete sobre a investigação enquanto objeto artístico e aplica um método de trabalho que promove a experimentação, a descoberta, a espontaneidade, subvertendo a ideia de que um objeto artístico
é – obrigatoriamente – um objeto terminado. As próprias artistas-residentes-sabotadoras são simultaneamente investigadoras-criadoras-fruidoras. O facto de o público assistir a uma série de manifestações artísticas de um objeto em constante construção, através das residências-sabotadoras online, permite-lhe aceder a um modo de pensar e a um imaginário, contribuindo para uma progressiva proximidade e familiaridade com a criação artística que, muitas vezes, por falta de continuidade, não é conquistada. Alarga-se, portanto, as possibilidades de um melhor entendimento sobre o que é o “fazer” artístico.
Além disso, há uma provocação sobre o próprio meio de comunicação - o Instagram. As estruturas e as instituições utilizam as redes sociais principalmente para divulgação, estando muito dependentes de campanhas de comunicação para dar visibilidade a determinada ação. Contudo, a lógica de comunicação nas redes sociais é paradigmática, pois são meios originalmente criados para uma comunicação baseada no indivíduo, no seu perfil e na sua visibilidade. Então, há uma lógica frenética, mercantilista e de subjugação às redes sociais… que exigem um trabalho hercúleo para um retorno de comunicação muitas vezes diminuto. É algo que criticamos, embora como todas as outras estruturas estejamos rendidos a elas. Com o
Sabotagem estamos deliberadamente a pôr em causa estas lógicas de comunicação e a provocar uma disrupção desses modos de fazer. Ou seja, há uma dupla investigação - por parte das artistas, mas também por parte da própria Agência 25.
Como se chegou aos cinco artistas presentes?
A Agência 25 tem vindo a desenvolver-se com um núcleo de artistas e não nos fazia sentido convidar, pelo menos para já, outras pessoas para sabotarem a nossa conta de Instagram. Portanto, os artistas-residentes-sabotadoras são artistas que já estão, de alguma forma, ligadas à Agência 25. Tem sido, aliás, através da nossa experiência e do acompanhamento destes criadores que estas preocupações e reflexões foram surgindo e, a seu tempo, deram origem à ideia do
Sabotagem. Portanto, ao trabalharmos no desenvolvimento dos seus projetos fomo-nos inspirando. No fundo, estamos a proporcionar às artistas, que já estão connosco, mais um espaço de experimentação porque acreditamos que esse espaço e esse tempo são necessários e devem ser valorizados.
Há palavras-chave que “unam” estes artistas?
Não acreditamos na definição de palavras-chave que sirvam de união entre estas artistas, que partilham, mas também divergem em ideias e experiências. Apesar de a maioria trabalhar, sobretudo, no universo da dança contemporânea, a verdade é que os seus percursos criativos caracterizam-se por uma série de encruzilhadas de várias expressões artísticas.
Há um resultado expectável destas experiências, ou o que importa é o processo?
O
Sabotagem é um projeto sem pretensões e de risco, se pensarmos em resultados. Avançámos com ele para afirmar precisamente que nem sempre temos de ter resultados palpáveis e objetificados. O processo é ele próprio um resultado.
O
Sabotagem não vai ser um espetáculo, uma instalação, um happening… pretende subverter a ideia de que um objeto artístico é – necessariamente – um objeto terminado. O que pretendemos com ele é privilegiar um olhar sobre o processo de pesquisa como expressão artística em si.
Naturalmente que ao ficarmos com posts, copies, vídeo e imagens das experiências de residências das artistas-residentes-sabotadoras podemos considerar que temos uma espécie de resultados. Mas, na verdade, consideramos tudo isso um arquivo, que de resto fará parte do nosso Acervo – um espaço no futuro site da Agência 25 dedicado precisamente à experimentação, processo, investigação e pesquisa.
É vossa intenção fazer novas edições do “Sabotagem”?
Enquanto tivermos capacidade de fazê-lo, sim, claro!
Independentemente de estarem - ou não - a trabalhar numa nova criação, as artistas, nestes processos, poderão colher frutos para o seu crescimento profissional. Devia ser mais frequente a ideia de se proporcionar às artistas um tempo de experimentação e pesquisa para poderem criar-pensar-investigar-experimentar apenas pelo processo em si, em condições que assegurem uma remuneração digna.
Não somos os únicos a fazer isto, a proporcionar este tipo de espaço. Há outros projetos - sejam independentes ou ligados a instituições - a desenvolver momentos de residência semelhantes, nós apenas lhe chamamos
Sabotagem. O ideal seria que este tipo de projetos fosse adotado por mais estruturas, não numa perspectiva de substituição, claro, mas sim como forma de complementaridade.
Muitas são as questões que o
Sabotagem agora nos levanta, mas uma delas é a de que tempo e espaço para a criatividade são fundamentais para enriquecer a criação artística… e que é fundamental contrariar um pouco a tendência do “artista empreiteiro” que está numa roldana de desenvolvimento constante de novas criações.