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Is that all there is?

Por

 

Guilherme Gomes
November 4, 2022

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Is that all there is?

apontamento de pesquisa para um espectáculo

Estranha sensação: chegar ao fim e fazer as pazes. Fazer as pazes com tudo o que passou. Chegar a um aparente fim e sentir a falta de estar a fazer o caminho. Sentir falta mesmo do que não é bom, mesmo do que nos fez sofrer.

Muito mais vezes do que pensaria, cheguei ao fim de momentos que me provocaram desconforto ou frustração, e senti uma espécie de carinho por eles. Como se, no momento em que termina, só as virtudes resistissem na memória. Como se o processo de que dependemos para viver o momento o transformassem fundamentalmente na nossa percepção. E eu termino a ter saudades de coisas de que não gosto.

Mas chegar ao fim, terminar uma tarefa é um tema que me tem assaltado. Convivem nesse momento duas coisas contrárias: a satisfação de terminar alguma coisa e o desamparo que isso pode provocar. Talvez tudo isto esteja ligado à raridade da ocasião: quantas vezes chegamos a terminar algo? Quantas vezes podemos dizer isto acabou? Muitas vezes, o fim de qualquer coisa é o seu recomeço. E, mesmo que das primeiras vezes tenhamos a sensação de terminar algo, a repetição ensina-nos que aquilo que julgávamos terminar, está a começar de novo. A casa que se limpa, a conversa que se remata, o trabalho que se entrega. Tudo isto termina para começar de novo – da mesma ou com uma forma transformada. Um texto terminado não terminou, é um conjunto de arrependimentos: aquela palavra, aquela vírgula, aquela ideia.

Recentemente, editámos um livro. Chama-se “Esquecimento – Caderno de Criação”. Reúne elementos recolhidos ao longo do processo de trabalho para o último espectáculo do Teatro da Cidade. Para além de entrevistas e textos sobre os ensaios, temos o texto do espectáculo. O livro é um objecto acabado – chega um ponto em que, pronto!, está terminado. Mas pegamos no livro e encontramos uma vírgula fora do sítio, uma gralha, uma frase que depois ficou de outra forma. O livro, coisa que fizemos e terminámos, é vivo: continua a pedir transformação. Como é possível que um objecto como estes não termine? Dizemos: numa segunda edição alteramos isto; ou pedimos a não-sei-quem para escrever um texto. Sempre qualquer coisa que continua.

Ainda assim, há coisas que terminam: recursos que terminam, sentimentos que terminam, vidas que terminam. Há uns anos, um jornalista-vedeta nos Estados Unidos perdeu a mãe (também ela, uma vedeta norte-americana). O nome dele é Anderson Cooper, e é conhecido por fazer reportagens em cenários de guerra, e entrevistas de vida a outras celebridades. A propósito da morte da mãe, ele começou um podcast sobre o luto – podcast a que cheguei no meio de pesquisa para um espectáculo que estreio no final de 2024. O podcast deve o seu título a uma das minhas canções preferidas (das descobertas dos últimos anos): all there is é uma homenagem a uma canção de Peggy Lee. A canção tem tanto de sedutor como de desolador. Peggy Lee fala como se nada a pudesse afectar, conta uma série de desgraças e bons momentos, na verdade uma série de coisas que acabam por terminar. Do lugar de desconsolo, onde tudo, o bom e o mau, chegou ao fim, Peggy Lee finalmente canta o refrão: is that all there is? É uma pergunta maior: Peggy Lee não está a falar de uma canção, ou de um texto, não é um trabalho ou uma construção, ela  refere-se à vida.

O podcast de Anderson Cooper parece estar cheio de vícios, mas tem uma grande virtude: mostra que, na verdade, por poucas coisas que cheguemos a terminar ao longo da vida, a vida termina. E, diante desse fim, somos uma comunidade. Partilhamos o mesmo medo, ou fascínio. Sofremos quando outros terminam. Antecipamos como será quando nós terminarmos. Chegar ao fim, como será então. Quando nos confrontamos com esse fim – o irremediável, aquele de que não há retorno – se nos aproximamos dele ou pensamos, simplesmente, podemos sentir por tudo um grande carinho. E o terrível, o maravilhoso, tudo posto numa nova escala: foi isto? Afinal, foi só isto? Melhor será, como Peggy Lee aconselha, aproveitar a dança enquanto dura.

Imagem gerada por inteligência artificial com recurso ao Dall.E

BREVES CRÓNICAS DO TEMPO são pequenos episódios, registos, princípios de reflexão pelo dramaturgo Guilherme Gomes.

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