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João Gomes: ‘O Cinalfama é um gesto de pertença e resistência'

Por

 

Pedro Mendes
July 9, 2025

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João Gomes: ‘O Cinalfama é um gesto de pertença e resistência'

O Cinalfama – Lisbon International Film Festival regressa a Alfama de 21 a 25 de julho, com sessões ao ar livre, entrada gratuita e uma programação que cruza filmes premiados, estreias absolutas e propostas comunitárias. Em 2025, o festival reafirma a sua identidade como espaço de encontro entre o cinema e a cidade, onde as escadinhas, os pátios e os museus se tornam palcos de histórias partilhadas.

Mais do que um evento de exibição, o Cinalfama assume-se como laboratório de criação, arquivo afetivo e rede intergeracional. Entre iniciativas como o Minuto Lumière, a recolha de oralidades ou o novo projeto Periferias Dibujadas, o festival desenha uma cartografia audiovisual do bairro — com as vozes e olhares de quem o habita.

Em entrevista, João Gomes, diretor do Cinalfama, fala sobre esta 4.ª edição, as escolhas curatoriais, a aposta nas margens e a resistência possível num tempo saturado de imagens e ausente de escuta.

Cinalfama regressa entre 21 e 25 de julho com cinema ao ar livre e uma programação internacional. Como descreves o espírito desta 4.ª edição? Que motivações principais orientaram a seleção de filmes e atividades este ano?

O espírito desta edição é o de um reencontro — entre cinema e rua, entre vizinhos e visitantes, entre a cidade e as suas vozes.  Escolhemos obras que falam de pertença, criação, dissidência, cuidado e trabalho — temas que sentimos como urgentes, mas também profundamente humanos.

O festival ocupa dois espaços simbólicos: o Museu do Fado (durante o dia) e as Escadinhas de São Miguel (à noite). Como se articula essa dicotomia entre o espaço institucional e o espaço público informal?

 O Museu do Fado representa um espaço de memória e legitimidade cultural, enquanto as escadinhas são um espaço vivido, aberto, imprevisível. O diálogo entre os dois é o que nos interessa — mostrar que o cinema pode ocupar todos os lugares, mas também que todos os lugares podem ser espaço de cinema. Alfama, com os seus contrastes, é o palco ideal para isso.

A programação inclui obras como Sensible Soccers: Manoel, Un Projet Fou ou Poupées de Chair, que refletem temas como criação artística, saúde mental e direitos laborais. Que ideias ou sentimentos queres despertar no público com esta seleção?

Queremos que o público sinta que o cinema pode ser um lugar de empatia e pensamento - dois bens altamente escassos nos tempos que correm. São filmes que falam da criação como resistência, da loucura como linguagem, do corpo como território político. Esperamos que provoquem curiosidade, emoção e, quem sabe, vontade de agir — ou simplesmente de estar mais atento.

Disseste: “Queremos continuar a fazer do Cinalfama um espaço onde o cinema é vivido de forma inteira — no bairro, na rua, entre vizinhos e visitantes.” Como se equilibra essa ambição entre o local e o global, entre Alfama e o caráter internacional do festival?

O equilíbrio vem da escuta. Interessam-nos precisamente os pontos de contacto, estabelecidos ou intuídos, entre histórias locais e universais. Um filme rodado em Tóquio pode dialogar com uma conversa recolhida em Alfama. As pontes serão feitas pelos espetadores porque o cinema e os diálogos entre cinemas são ambos organismos vivos.

Alfama volta a ser mais do que cenário — é tratada como protagonista viva. No projeto de Recolha de Histórias e Oralidades, o festival está a construir um arquivo audiovisual comunitário. Que memórias te marcaram mais até agora? Como vês este trabalho crescer nos próximos anos?

Há muitas memórias que nos marcam mas o que mais impressiona é a generosidade com que as pessoas partilham, muitas vezes pela primeira vez, partes da sua história. Este trabalho crescerá como uma teia: mais vozes, mais bairros, mais usos criativos destes arquivos em escolas, exposições, curtas e documentários.

O projeto Minuto Lumière, em parceria com o Plano Nacional de Cinema, convida alunos a filmar planos fixos do quotidiano com o telemóvel. Que resultados ou descobertas te surpreenderam mais nesta relação entre juventude e linguagem cinematográfica?

A surpresa maior é perceber como o olhar dos mais jovens é instintivamente poético. Num minuto Lumière, há humor, inquietação, beleza — sem filtros nem pretensão. Quando lhes damos ferramentas simples e liberdade de olhar, eles revelam um mundo. O projeto está presente em vários agrupamentos da Grande Lisboa, e é notável como cada escola revela um território diferente, mesmo quando o gesto é o mesmo.

Em 2025, Alfama junta-se ao projeto Periferias Dibujadas, já realizado em cidades como Granada e Nápoles. Que impacto esperas que esta criação audiovisual por crianças tenha na perceção que elas próprias têm do bairro?

Esperamos que a câmara funcione como um espelho e uma lupa. Ao filmarem o bairro a partir da sua perspetiva, as crianças reaprendem a vê-lo como espaço de valor, de narrativa, de possibilidade. O projeto convida à autoria e reforça a autoestima coletiva: ver-se com outros olhos, ver-se como parte de algo maior.

Como se articula esta rede entre crianças (Periferias), jovens (Minuto Lumière) e adultos/séniores (Oralidades)? Que papel desempenha o festival na construção de uma memória urbana afetiva e plural?

É uma rede que constrói um arquivo intergeracional da cidade. Cada faixa etária contribui com uma perspetiva: memória, descoberta, reflexão. O festival não se limita a exibir cinema — ajuda a criá-lo a partir da vida real. Neste cruzamento de olhares, vamos desenhando uma memória urbana que é feita de afetos, de tensões, de presenças.

O Cinalfama continua a apostar em categorias como Micro & No-Budget, Médias-Metragens, Guiões, Bandas Sonoras e a secção Animalfama. Que importância têm estas categorias para a descoberta de novos talentos e linguagens cinematográficas

Essas categorias fora da caixa são essenciais para dar espaço ao risco e à frescura. Muitos festivais ignoram as médias-metragens ou os projetos sem orçamento — nós abraçamo-los. São formatos-limbo, onde muitas vezes surgem as ideias mais ousadas.

Este ano surge a iniciativa “Bring Your Own Pillow”. Para além da ideia prática, há aqui um gesto simbólico? Como queres que o público se sinta nestas sessões ao ar livre?

Sim, é um gesto de intimidade e pertença. Trazer a sua almofada é como dizer: “esta rua também é minha sala de cinema”. Queremos que as pessoas se sintam confortáveis, bem-vindas e parte de algo. Cuidar da experiência do público é, para nós, tão importante quanto a programação.

O Brasil é o país convidado desta edição. Que tipo de colaborações ou perspetivas internacionais estás a antecipar? Como é que essa ponte lusófona pode enriquecer o festival?

O Brasil traz uma força criativa única, e uma enorme diversidade de vozes. Esta ponte lusófona não é apenas linguística — é uma forma de pensar juntos, de ver como a língua pode ser comum e ao mesmo tempo radicalmente plural. O festival vai também regressar aos “Retratos Fantasmas” do Kleber Mendonça Filho, outro filme brasileiro que toca no ADN Cinalfama: a identidade urbana e a fruição cultural.

Num tempo de crescentes dificuldades financeiras e saturação de conteúdos digitais, o que te move a manter o Cinalfama gratuito, presencial e com uma forte ligação ao território?

Acreditamos que a cultura deve ser um bem comum, não um privilégio. Num tempo em que tudo é mediado por ecrãs, algoritmos e consumo rápido, manter o Cinalfama gratuito e presencial é um ato de resistência. Mais do que um festival, é um gesto de cuidado e pertença — devolver a rua às pessoas, o cinema aos corpos, e o tempo à escuta.

Em Alfama, é imperioso criar um espaço de realidade no meio da irrealidade turística. Criar algo verdadeiramente partilhado, no meio de tantas experiências fabricadas, é um dos nossos maiores desafios — e também a nossa motivação mais profunda.


Foto: Lights, Haze, de Tata Managadze

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