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Manuel Teles: “Escutar é um ato de resistência”

Por

 

Pedro Mendes
November 13, 2025

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Manuel Teles: “Escutar é um ato de resistência”

O saxofonista português Manuel Teles lança a 14 de novembro o seu novo disco, Stepdance, em duo com a pianista ítalo-britânico-russa Alexandra Tchernakova. Editado pela britânica GB Records, o álbum é uma homenagem a compositores que marcaram o percurso do músico, de Mário Laginha a António Victorino D’Almeida, passando por Chick Corea, Fazil Say e Gavin Bryars. Gravado em Bayreuth, na Alemanha, Stepdance cruza geografias e linguagens, unindo virtuosismo, lirismo e um espírito de partilha entre intérprete, compositor e público.

Em conversa com o Coffeepaste, Manuel Teles fala sobre a génese do projeto, o repertório escolhido, o encontro com Alexandra Tchernakova e o papel da escuta num tempo cada vez mais apressado.

Como nasceu a ideia de criar Stepdance e de o fazer em duo com a Alexandra Tchernakova?
Comecei a tocar com a Alexandra Tchernakova em 2023. Ambos vivemos em Milão: ela vinda da Rússia e eu de Portugal. Conhecemo-nos através de amigos artistas em comum e, desde os primeiros instantes, nasceu uma estima recíproca e uma grande vontade de fazer música juntos. Fomos construindo o nosso caminho concerto após concerto, até nos tornarmos um duo estável.

Com o tempo, percebemos que certas obras que tocávamos tinham amadurecido connosco, que já nos pertenciam de alguma forma, e sentimos que fazia sentido partilhar a nossa interpretação com o mundo através de um disco. No ano passado, o compositor e produtor inglês Gavin Bryars propôs-nos a edição do álbum na sua editora, o que foi um enorme incentivo para avançarmos com o projeto.

O disco é uma homenagem a compositores que marcaram o teu percurso. Como escolheste este repertório tão diverso?
Ao longo da vida de um intérprete passam-nos pelas mãos incontáveis compositores. Quase todas as semanas estamos a descobrir novas obras de artistas de todos os cantos do mundo, o que confirma que a arte é, de facto, a linguagem mais universal que existe.

Neste disco quis homenagear pessoas que marcaram o meu percurso e a minha estética enquanto músico. Alguns tive o privilégio de conhecer e de colaborar durante o processo criativo - Fazil Say, Mário Laginha, António Victorino D’Almeida e Gavin Bryars. No caso de Chick Corea, esse encontro pessoal nunca aconteceu, mas o encontro com a sua arte marcou-me profundamente, como a tantos outros músicos. Estamos, aliás, em contacto com a sua equipa, que gere o seu legado artístico, e eles ficaram muito felizes por ver a sua obra Florida to Tokyo incluída no nosso programa. Poder homenagear todos estes compositores num mesmo álbum é, para mim, um enorme motivo de orgulho.

Para além disso, faz todo o sentido abrir e fechar o disco com música portuguesa - com peças de Mário Laginha e António Victorino D’Almeida, respetivamente. Sempre que posso, gosto de incluir música portuguesa nos meus programas, não por patriotismo, mas porque acredito que há muita música de grande valor que não tem o destaque que merece no panorama internacional. Estes dois compositores, em particular, trazem uma grande “sensação de casa” e enriquecem imenso o disco.

Há no álbum uma viagem entre linguagens - do jazz de Chick Corea à escrita de Victorino D’Almeida e Mário Laginha. O que une estas peças?
Para além de todas serem escritas para saxofone e piano, não há propriamente um fio estilístico que as una. O que as liga é o prazer que nos dá tocá-las e a intenção que colocamos em cada interpretação.

O disco percorre universos muito distintos: da música tradicional reinventada, à herança clássica, ao fusion jazz, à escrita meditativa e minimalista, passando por momentos de grande virtuosismo e lirismo.

No fundo, Stepdance é um álbum que desafia os limites daquilo que habitualmente se entende como “música de câmara para saxofone”, abrindo espaço a novas sonoridades e compositores fora do cânone. O verdadeiro ponto de união é, talvez, a própria arte - essa linguagem que é mesmo universal, como afirmei acima.

Gravaram em Bayreuth. Que impacto teve esse ambiente na interpretação?
Bayreuth é, de certa forma, um ambiente que nos é familiar. Ambos estamos muito ligados ao mundo da ópera: a Alexandra trabalha frequentemente com cantores líricos, e eu tenho colaborado com orquestras de tradição operática, como a do Teatro alla Scala. Além disso, sou um ouvinte assíduo de música lírica (talvez até mais do que de saxofone, confesso!).

A grande peculiaridade é que o disco foi gravado nos estúdios da marca de pianos alemã Steingraeber, em Bayreuth, com um piano escolhido a dedo pela Alexandra e ajustado à sua medida, com um técnico da marca connosco em estúdio a controlar se tudo estava a funcionar celestialmente. Os leitores pianistas saberão que isso é um luxo!

A peça Stepdance, que dá nome ao disco, é de António Victorino D’Almeida. O que representa para ti esta obra?
António Victorino D’Almeida é um artista fascinante. A sua música acompanha-me há muito tempo, e incluí-la neste disco honra-me imenso. É um criador completo, sensível, curioso, incansável na busca de novas ideias, e um improvisador extraordinário.

Há uns meses fomos convidados para tocar juntos em Lisboa. Estávamos a interpretar o “Verdes Anos” de Carlos Paredes e, após o tema, partimos para improvisação. Fiquei, mais uma vez, completamente fascinado ao ouvi-lo: de repente começou a explorar o piano com as mãos nas cordas, a tocar em estilo free, a usar a bengala como elemento percussivo… E assim se transformou à minha frente num jovem de vinte anos a improvisar num clube em Nova Iorque!

Stepdance é o terceiro andamento de uma peça mais longa - “Prelúdio, Nocturno e Stepdance Op.188” - escrita em 2020, e é uma homenagem ao bailarino de sapateado Fred Astaire. Trata-se de uma obra cheia de energia e lirismo, e para mim é um lembrete constante: talvez o segredo para chegar à idade do Maestro com aquela vitalidade seja continuar sempre curioso e aberto ao novo.

Sentes que este projeto marca um novo momento na tua carreira como saxofonista?

Sim, sem dúvida. Este é o meu primeiro disco nesta formação tão emblemática para os músicos de tradição clássica - instrumento e piano - e, ao mesmo tempo, é muito diferente de todos os que gravei até agora, que têm estado mais ligados à música de invenção e pesquisa contemporânea.

Inspirado em figuras como os próprios Victorino D’Almeida ou Mário Laginha, sinto que faz todo o sentido explorar constantemente novos territórios artísticos. Acredito que a contaminação entre estilos e linguagens é extremamente enriquecedora.

A propósito, há uma história que adoro: Luciano Berio, compositor conhecido pela inovação e complexidade da sua escrita, estava a dar uma conferência, quando se depara com uma cara conhecida na primeira fila. Era nada mais, nada menos que Paul McCartney dos Beatles. No fim, perguntou-lhe o que fazia ali, e ele respondeu: “Estou  apenas a tirar ideias.” 

E talvez essa seja a mais completa resposta à sua questão - também eu estou, neste momento, a tirar ideias!

Falas no Stepdance como um “passo de dança” entre quem escreve e quem interpreta. Que tipo de diálogo procuras com o público através deste álbum?
Hoje em dia, escutar é um ato de resistência. Vivemos num tempo em que tudo nos distrai, tudo é produto, tudo é rápido. Parar uma hora para ouvir um concerto ao vivo ou um álbum sem interrupções e sem anúncios tornou-se quase um gesto de rebeldia silenciosa.

Com este disco queremos mostrar que o repertório moderno pode aproximar qualquer pessoa das salas de concerto - na verdade, tem muito mais pontos de contacto com o quotidiano do que se imagina; queremos quebrar a barreira entre palco e público, e afastar a antiga imagem do músico distante, vestido de fraque e sapato de verniz.

O título Stepdance joga com essa ideia - é um passo de dança entre compositor e intérprete, entre intérprete e ouvinte, um movimento contínuo de aproximação. No fundo queremos que a nossa música seja um lugar de encontro, não de hierarquia.

Que lugar ocupa a improvisação ou a liberdade interpretativa neste projeto?
Ocupa, por vezes, um lugar notório, como na sonata “Florida to Tokyo” de Chick Corea, onde existem zonas improvisadas; outras vezes, essa liberdade interpretativa pode não ser tão perceptível, mas está sempre presente. Essa é também uma das bandeiras do nosso produtor, Gavin Bryars, e algo que une todos os compositores do disco: o interesse pela improvisação e pela espontaneidade.

O repertório contemporâneo dá-nos essa liberdade. Por exemplo, o peso histórico que um violinista sente ao tocar Bach, ou um oboísta ao tocar Scarlatti, é muito diferente daquele que um saxofonista sente ao interpretar obras recentes. O nosso instrumento é mais jovem, e isso dá-nos uma margem maravilhosa para reinventar.

O que vem a seguir? Há vontade de continuar este caminho com a Alexandra ou de explorar novas colaborações?
Sou bastante inquieto, e já estou a trabalhar em novos projetos. Posso adiantar que no próximo ano sairá um novo álbum com um ensemble italiano, no qual interpreto música do compositor francês Jacques Ibert.

Com a Alexandra vamos estar a tocar em breve o disco em Itália e no Reino Unido, e é nossa missão continuar a trabalhar lado a lado com compositores, sempre com o objetivo de difundir e promover novos repertórios.

Foto: © Andrés Pazmiño Pástor

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