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Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo: “O corpo é a nossa língua universal”

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Pedro Mendes
October 27, 2025

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Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo: “O corpo é a nossa língua universal”

De Faro para o mundo, o MOMI – Festival Internacional de Teatro Físico afirma-se, em apenas três edições, como um dos projetos mais ousados do panorama cultural português. Criado pelo JAT – Janela Aberta Teatro, o festival nasce da vontade de colocar o Algarve no mapa internacional do teatro físico, reunindo companhias de referência, artistas emergentes e públicos diversos em torno de uma linguagem universal: o corpo. Entre o gesto e o silêncio, o MOMI promove o encontro entre culturas, linguagens e comunidades, com uma programação que desafia fronteiras e afirma Faro como um polo de criação e diálogo artístico.

Conversámos com Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo, diretores artísticos do JAT, sobre a origem, os desafios e a visão futura deste festival que, de edição para edição, amplia o alcance das artes performativas no sul do país.

Como nasceu a ideia de criar o MOMI? Que lacuna sentiam que existia no panorama artístico do Algarve ou do país?

O MOMI nasceu de uma vontade do JAT – Janela Aberta Teatro de organizar um festival internacional em Faro, idealizado ao longo de vários anos e inspirado pela nossa participação em grandes festivais internacionais, como o Theatre Olympics no Japão, a Biennale de Venezia ou o Festival de Almagro. O objectivo era concretizar um evento cultural com espectáculos de elevada qualidade, juntamente com várias formações na área do teatro físico, em Faro, gerando um acontecimento transformador no Algarve. A principal lacuna sentida no panorama nacional era a inexistência de um festival dedicado exclusivamente ao Teatro Físico. Por ser uma área pouco explorada neste formato em Portugal, o MOMI surge como um projecto pioneiro, que visa colocar o país e, em particular Faro e o Algarve, numa posição de destaque no mercado cultural europeu e mundial, como um evento de referência. Além disso, o festival procura atenuar as assimetrias territoriais em Portugal, no acesso à cultura, colocando Faro e o Algarve – que historicamente apresentam baixos índices de consumo de teatro – num patamar de relevo cultural, impulsionando o desenvolvimento regional.

O MOMI define-se por acolher linguagens estéticas distintas. Que diversidade de abordagens e géneros o público pode esperar?
O Festival MOMI aposta numa programação cultural de vanguarda, diversificada e ecléctica, que combina linguagens inovadoras no panorama artístico contemporâneo, e promove a fusão entre artes performativas. O eixo principal é a fisicalidade do actor e o corpo como veículo da mensagem. O público pode esperar sempre uma vasta diversidade de abordagens e géneros, incluindo Mimo Contemporâneo, Dança-Teatro, Novo-Circo, Máscara, Clown, Comédia Física e outras linguagens de fusão. O conceito garante que o público possa apreciar diferentes disciplinas e estéticas, de espectáculos disruptivos, a outros mais convencionais, abrangendo criações tanto para faixas etárias infanto-juvenis como para o público adulto.

O que distingue o MOMI de outros festivais dedicados ao teatro físico ou às artes performativas em Portugal?
O MOMI distingue-se dos demais festivais de Teatro Físico em Portugal por ter sido o primeiro, e tanto quanto sabemos, só recentemente nasceu mais um, em Coimbra. A descentralização cultural do MOMI é talvez um dos principais elementos diferenciadores, pois realiza-se no Algarve, fora dos grandes centros urbanos, mas com um forte cariz internacional, acolhendo companhias de nível mundial, estabelecendo redes de parceria com outros festivais europeus consolidados, como o Physical Fest de Liverpool na Inglaterra, a Mostra Internacional de MIM a Sueca em Espanha, o International Festival of Theatre for Children Dziecinada, na Polónia, ou o FEIM Festival Internacional de Mimo y Teatro Gestual  no Chile. Estas parcerias conferem-lhe um reconhecimento além-fronteiras e potenciam a circulação de artistas por vários palcos internacionais. Como último elemento, destacaríamos que o MOMI aposta no envolvimento activo do público, através de diversas iniciativas, e políticas de acesso universal à cultura, bem como elementos de interacção directa com a realização de inquéritos de avaliação in loco, a atribuição do Prémio do Público que premeia o espectáculo com melhor classificação e garante o seu regresso numa edição futura, conversas com os artistas, conferências e workshops, fidelizando e reconhecendo o papel do espectador.

Quais foram os principais critérios de curadoria para esta edição? Há algum fio condutor que una os espetáculos apresentados?
O conceito curatorial do MOMI perpetua a aposta na combinação de linguagens inovadoras no panorama artístico contemporâneo e na promoção de trabalhos e visões de fusão entre as artes performativas. Os critérios de curadoria são orientados por um conjunto de valores e objectivos que actuam como fio condutor. Em primeiro lugar, a qualidade artística e diversidade estética são cruciais, seleccionando espectáculos de elevada qualidade, combinando companhias consagradas e outras em ascensão, que usem linguagens e estéticas diversas no teatro físico. Em segundo lugar, a defesa de valores universais e de inclusão é fundamental, exigindo que a programação defenda o respeito, a cooperação, a igualdade de género e outros valores de integração, como LGBTQIA+, a comunidade surda e valores ambientais. A projecção e intercâmbio é um terceiro critério, seleccionando propostas que reforcem o carácter internacional do festival, dando visibilidade a artistas de nível mundial. 

O festival recebe companhias nacionais e internacionais. Como é feita a seleção e o equilíbrio entre estas duas dimensões?
O equilíbrio entre as dimensões nacional e internacional é assegurado por um processo rigoroso que combina o lançamento de uma open call, com o convite a companhias de renome. É lançada uma open call de âmbito global, uma convocatória aberta a companhias e artistas profissionais, nacionais e estrangeiros, dedicada às diversas expressões do teatro físico. À qual concorreram nesta 3ª edição 266 candidaturas de cerca de 50 países, o que demonstra o forte interesse internacional. Seleccionamos propostas que, além de cumprirem os critérios artísticos, garantam uma programação diversificada em termos de conceitos e linguagens. O reforço do carácter Internacional é visível pela ampliação da geografia de origem dos artistas programados – que incluem companhias e artistas da Turquia, Alemanha, Chile, França, Espanha e Áustria.

Que relação procuram estabelecer entre o festival, a cidade de Faro e as suas comunidades?
O festival procura estabelecer uma relação de simbiose entre as propostas artísticas que acolhemos, população local, comércio, hotelaria e tecido empresarial, num festival que envolve a cidade no seu todo, culturalmente transformador, e assente no conceito de cultura para todos. Este objectivo é alcançado através de múltiplas parcerias, activando, dinamizando e trabalhando em conjunto com diversos parceiros, nomeadamente os principais espaços culturais da cidade, Teatro das Figuras, Teatro Lethes, Auditório do IPDJ, bem como a Câmara Municipal de Faro, importante parceiro do festival, a Região de Turismo do Algarve e outros agentes de diferentes actividades económicas. Durante o festival visitam a cidade de Faro milhares de pessoas que impulsionam a economia local e o tecido económico, como restaurantes, hotéis, lojas, cafés e bares. Para nós é de suma importância que o Festival tenha um impacto cultural mas também um impacto ao nível da economia local. Para esta edição temos mais de 50 parcerias com empresas e instituições locais, num trabalho em rede, que permite que o festival seja uma grande festa em toda a cidade e seja muito mais do que um Festival de Teatro.

Um dos grandes desígnios da cultura acessível e inclusiva do MOMI é aproximar as artes do público e eliminar barreiras socioeconómicas. Isto concretiza-se através da oferta de preços moderados, descontos, um bilhete único para todo o festival, espectáculos gratuitos, mas também através e inclusão de programação para faixas etárias específicas, garantindo o acesso universal à arte-

Por fim, o envolvimento comunitário na organização do festival, que agrega muitas pessoas nas várias áreas da produção, e que sem eles o festival não seria possível.

O teatro físico, por natureza, comunica muito para além da palavra. Isso facilita o diálogo com públicos diversos?

Sem dúvida. O foco na linguagem corporal como veículo de comunicação é um atributo fulcral para o sucesso do MOMI, pois facilita o diálogo com públicos diversos. O carácter “sem idioma falado”, de muitos espectáculos do festival, permite a superação de barreiras linguísticas, e torna o MOMI acessíveis a público de diferentes nacionalidades, fomentando o intercâmbio multicultural. Promove também a inclusão social ao eliminar barreiras para comunidades com limitações auditivas. A junção de artistas e público de todas as idades e nacionalidades, em torno de uma linguagem universal, confere-lhe um alcance universal que supera em larga escala a expectativa de todos, provando que a aposta num evento sem barreiras linguístico-culturais é um factor de sucesso.

Como tem evoluído o público do MOMI desde a primeira edição, em 2021?
O público do MOMI tem demonstrado uma evolução positiva e um crescimento significativo desde a primeira edição em 2021, consolidando a sua fidelização e a capacidade de atrair novos espectadores, inclusivamente de países estrangeiros que se deslocam a Faro, especificamente para o festival, como pudemos constatar nos inquéritos realizados na edição de 2023, tivemos público que se deslocou de Inglaterra, Espanha e Suíça. Em termos de público total, verificou-se um aumento de cerca de 58%, passando de 1.711 pessoas em 2021 para mais de 2.700 pessoas em 2023. O foco na expansão para a inclusão de espectáculos de rua, resultou num crescimento exponencial não só no número global de espectadores, mas também nos espectadores espontâneos, que não vinham ver o espectáculo, mas acabaram por ser presenteados com essa possibilidade.

Na 2ª edição os espectadores dos espectáculos de rua superou as 1.800 pessoas, demonstrando um forte aumento na acessibilidade, em contraste com as 862 pessoas que assistiram aos espectáculos de sala. O festival registou um grande reforço do cariz internacional, com as nacionalidades do público a saltarem das 8 para mais de 20, e o número de artistas/técnicos a duplicar de 47 para mais de 100, atestando o aumento da sua dimensão. Para esta edição contamos superar estes números, especialmente de espectadores.

Que impacto tem o festival na vossa própria prática artística e pedagógica do JAT?
O festival tem algum impacto na práctica artística do JAT, nomeadamente na difusão da(s) linguagem(s) do Teatro Físico, que é a nossa matriz de criação. O MOMI ao ser um evento organizado por uma companhia de teatro, o JAT, acaba por dar a conhecer o nosso trabalho a nível internacional.

O evento actua também como uma plataforma pedagógica de elevada qualidade, muitas pessoas querem estudar com o JAT, depois de verem espectáculos do MOMI, ou depois de participarem dos workshops e formações do festival.

O impacto é recíproco, pois também permite aos artistas participarem de um evento ao nível mundial, onde estão programadas diversas companhias de renome internacional, permitindo a que programadores, artistas e distribuidores se encontrarem e assistam aos espectáculos uns dos outros. 

O festival consolida o objectivo de criar simbioses em rede, as parcerias encetadas com festivais internacionais e a circulação dos directores artísticos entre os festivais parceiros ampliam o conhecimento sobre a oferta cultural existente.

Sendo o MOMI um evento bienal, como é pensado o trabalho entre edições?
O trabalho entre edições é um processo contínuo e estratégico, dando também espaço para pensar, amadurecer novas ideias, garantir a sustentabilidade e o crescimento do festival. O lançamento da open call para candidaturas nacionais e internacionais é feito com muitos meses de antecedência, isto permite uma selecção e curadoria rigorosas face às centenas de propostas recebidas. Este período é também crucial para estabelecer parcerias, garantir o financiamento diversificado através de apoios institucionais (municipais, regionais e nacionais) e a consolidar parcerias com o tecido económico e empresarial local. O trabalho entre edições foca-se também no intercâmbio entre festivais parceiros. Este modelo colaborativo assenta na circulação dos directores artísticos do MOMI, como forma de trabalho de campo, para assistirem a espectáculos e potencialmente programar artistas nas edições vindouras.

Que desafios encontram na sustentabilidade de um festival independente desta natureza, sobretudo fora dos grandes centros urbanos?
O MOMI enfrenta grandes desafios ao ser um festival independente, de artes performativas, fora da época de Verão, numa região que vive muito do turismo sazonal. Isto exige um modelo de sustentabilidade criativo. O principal desafio é captar investimento, público e privado, para um evento que se projecta como um importante festival de Teatro do país, e um dos principais Festivais dedicados ao Teatro Físico da Europa. A capacidade de circulação de capitais, num evento destas características, com um impacto directo para a cidade tem um potencial enorme. O forte investimento necessário tem um retorno para a cidade que ultrapassa o investimento feito, para isso é necessário trabalhar os apoios institucionais, mas também a captação de parcerias com o tecido empresarial. O festival assume o desafio da superar assimetrias territoriais, elevando a oferta artística do território, ao mesmo tempo que impulsiona a literacia cultural, mas também impulsiona a actividade económica. Por isso, o investimento público e privado num evento destas características vai muito além do investimento na cultura, é também um investimento no desenvolvimento económico-social da região, permitindo apostar no produto cultural como um produto de turismo e desenvolvimento local.

Por último, os desafios práticos de um evento Internacional, que incluem gerir a complexa logística de acolher artistas e companhias de nível mundial, com cerca de 100 artistas/técnicos, num centro urbano de menor dimensão, mantendo a qualidade e o rigor que caracterizam o MOMI.

Que visão têm para o futuro do MOMI e do JAT nos próximos anos?
A visão para o futuro do MOMI e do JAT é de continuarmos o trabalho que temos vindo a fazer até aqui, superando-nos criativamente, com uma estética e ética muito fortes. Queremos consolidar o nosso trabalho de programação, reforçar de forma natural a posição do MOMI no cenário internacional, como um evento diferenciador e uma referência no panorama cultural no domínio do teatro físico, um espaço de partilha artística e humana de elevada qualidade. A aposta é no crescimento qualitativo, superando-nos a cada edição, com o aumento de público, mantendo a combinação de linguagens inovadoras e a defesa de valores universais. A visão inclui continuar a expandir a rede de parcerias internacionais, a programação cada vez maior de companhias e artistas de projecção mundial, o que terá uma ampla repercussão social e profissional na região.

Para o JAT é também uma visão de continuidade, criando espectáculos de elevada qualidade, que permitam a circulação nacional e internacional, e a formação de novos actores, numa região que necessita de fixar profissionais das artes do espectáculo.


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