Quentin Tarantino dá início ao 78.º Festival de Cannes marcado por política, homenagens e memória

O realizador norte-americano Quentin Tarantino declarou esta noite "oficialmente aberto" o 78.º Festival de Cinema de Cannes, numa cerimónia repleta de glamour, mas também carregada de mensagens políticas e homenagens comoventes.

No palco do Palais des Festivals, Tarantino — vencedor da Palma de Ouro em 1994 por Pulp Fiction — proclamou com entusiasmo: "É uma grande honra, um grande privilégio, declarar oficialmente aberto o 78.º Festival de Cinema de Cannes!", perante uma plateia repleta da elite do cinema mundial reunida na emblemática ‘Croisette’.

A cerimónia, porém, foi tudo menos desligada da realidade geopolítica actual. A guerra em Gaza e a invasão da Ucrânia marcaram o ambiente do festival desde os primeiros minutos. O veterano ator Robert De Niro, que recebeu uma Palma de Ouro honorária entregue por Leonardo DiCaprio, aproveitou o seu discurso para lançar duras críticas ao presidente dos EUA, Donald Trump. “Estamos a lutar arduamente para defender a democracia que sempre tomámos como garantida”, disse, alertando que os artistas são "uma ameaça para os autocratas e fascistas deste mundo".

Juliette Binoche, presidente do júri desta edição, prestou também homenagem às vítimas dos conflitos atuais, referindo-se aos reféns de 7 de outubro e evocando a memória da fotojornalista palestiniana Fatima Hassouna, morta em abril num ataque israelita em Gaza. “Penso nos reféns, nos prisioneiros, nos afogados que suportam o terror e morrem com uma terrível sensação de abandono”, declarou com emoção.

A noite ficou ainda marcada por uma homenagem musical da cantora francesa Mylène Farmer ao cineasta David Lynch, falecido em janeiro, e pela exibição de Partir un jour, um musical protagonizado por Juliette Armanet.

Já antes da cerimónia de abertura, a tensão política se fazia sentir: na véspera, o jornal Libération publicou um manifesto assinado por quase 400 artistas, incluindo Pedro Almodóvar, Susan Sarandon e Richard Gere, apelando à quebra do silêncio da cultura sobre o conflito em Gaza: “Não podemos permanecer em silêncio enquanto o genocídio ocorre em Gaza”, escreveram.

O júri desta edição, composto por nove membros, entre os quais o ator Jeremy Strong (Succession), terá a difícil missão de escolher o vencedor entre os 22 filmes em competição. Strong, que interpreta Roy Cohn — mentor de Trump — no filme O Aprendiz, descreveu-o como "o pai das notícias falsas e dos factos alternativos", sublinhando que o papel do cinema “é cada vez mais crucial no combate a estas forças”.

A abertura coincidiu ainda com um momento marcante do movimento #MeToo em França: a condenação do ator Gérard Depardieu a uma pena suspensa de 18 meses por agressão sexual. Juliette Binoche, abordando o tema, declarou: “Quando somos dessacralizados como ele está neste momento, significa que isso nos faz refletir sobre o poder de certas pessoas que assumem o poder. E eu acho que esse poder está noutro lugar.”

O Festival de Cannes decorre até 24 de maio, data em que será conhecida a obra galardoada com a cobiçada Palma de Ouro. Até lá, a Croisette será, mais uma vez, palco onde o cinema e o mundo real se encontram frente a frente.

Foto: © Joachim_Tournebize/FDC

Notícia adaptada. Fonte: LUSA