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Em O Filme que a Dixney Nunca Fez, Mariana Fonseca parte do universo encantado dos clássicos da Disney para o virar do avesso, questionando os estereótipos que moldaram gerações e propondo novas possibilidades de sonho e de representação. Criadora, atriz e encenadora, Mariana transforma o palco num espaço de reflexão e empatia, onde a magia continua a existir, mas é agora partilhada por todas as pessoas, independentemente do género, da cor da pele ou da forma como se identificam.
Em conversa com o Coffeepaste, fala-nos sobre o processo criativo, os encontros com jovens de todo o país, e a urgência de imaginar um mundo onde o “felizes para sempre” seja, finalmente, plural.
Como nasceu a ideia de criar O Filme que a Dixney Nunca Fez e de que forma os clássicos da Disney influenciaram a narrativa?
A ideia partiu de uma paixão muito antiga pela Disney e da crença infantil – que ingenuamente se estendeu para a idade adulta - de que a “Disneyland” pode mesmo ser o sítio mais feliz do Mundo. Mas será isto possível para todas as pessoas? A urgência deste espetáculo parte precisamente de um confronto com o meu lugar de privilégio visto que facilmente me pude identificar com as protagonistas destes filmes, e de uma análise mais madura e refletida sobre as narrativas destes contos ditos de “encantar”.
A premissa deste projeto passou mesmo por uma reflexão atenta sobre: O que é a identidade de género? Quais os impactos que podem advir do consumo despreocupado, por crianças e adolescentes, de ficções que confundem gestos de abuso com gestos de romance? Ou com as que promovem uma visão única do Mundo – habitado por uma sociedade exclusivamente ocidental, branca, cisheteronormativa, onde a felicidade está dependente dos cânones de perfeição dos corpos e dos rostos, associada à descoberta de uma alma-gémea da classe social alta? Ou que implicações poderão ter nas crianças, sobretudo nas racializadas, pensar que praticamente só as mulheres brancas são consideradas princesas? Quão significativo pode ser para jovens não-bináries poderem conectar-se com uma figura de ação?
No entanto, apesar da desconstrução dos estereótipos acima enumerados quisemos, também, que este nosso “filme que a Dixney nunca fez” mantivesse a magia, a música, a empatia e o sonho de que são característicos os Clássicos da Disney para que essa fantasia, essa utopia, se tornasse num lugar acessível a todas as pessoas e não num privilégio.
Que papel tiveram os workshops com jovens na construção da história e das personagens? Podes partilhar algum momento marcante desses encontros?
Os workshops com jovens foram determinantes para falarmos com o público-alvo a quem nos haveríamos de dirigir com o objeto artístico final. A partilha do processo com públicos alargados, em diferentes geografias, revelou que muitos jovens, entre os 10 e os 18 anos, consomem filmes de animação apesar de, facilmente, referirem ausências de representatividade.
Este reconhecimento tem início na identificação de narrativas demasiado distantes das suas e da simples observação de que as personagens não frequentam a escola; local onde passam a maioria do seu tempo. Frequentemente, apercebem-se, também, da estereotipagem das classes sociais baixas, visível em personagens sujas, despenteadas e com vestes rasgadas, passando a solução para o combate à precariedade pelo recurso à magia; enquanto, na realidade, a pobreza limita as suas aspirações a metas como concluir a escolaridade ou ter um trabalho digno que identificam, muitas vezes, com o ser caixa de supermercado. O diálogo com jovens racializados evidencia que reconhecem, apenas nos filmes mais recentes, o surgimento de personagens com quem se conseguem identificar fisicamente; enquanto os jovens não-bináries confirmam a total ausência de representatividade da comunidade LGBTQIA+; expressando o desejo de combater essa marginalização.
Para mim, um dos momentos mais marcantes foi precisamente quando uma jovem me disse “já viste como são os pobres nesses desenhos? Têm roupas rasgadas e ratos no cabelo. Olha bem para este cabelo (apontando para o seu) não há aqui ratos nenhuns.”
O espetáculo mistura teatro e cinema de animação. Como decidiste explorar esta abordagem cartoonesca e pop-performativa?
O espetáculo é assumidamente um projeto teatral, mas existirão resoluções várias que nos farão aproximar de um filme de animação como, por exemplo, feitiços de magia, animados, que surgirão em vídeo para completar a performance das intérpretes. Devemos sublinhar que a animação do projeto foi responsabilidade de Artur Albuquerque, jovem não-binárie, que terminou recentemente o curso na prestigiada Escola de animação Gobelins, em Paris.
A peça aborda identidade de género e a representação de diferentes corpos e etnias. Como pretendes que o público jovem se veja refletido neste universo?
Para o público se poder rever neste universo utópico foi uma preocupação do projeto juntar uma equipa (devo sublinhar maravilhosa!) que representasse, precisamente, a diversidade de que se queria falar. Muito sumariamente, compreendendo a exigência da proposta, o LOBBY aliou-se, inicialmente, a organizações como a AMPLOS e a Lugar Comum (com provas dadas junto de comunidades juvenis heterogéneas) e a profissionais cujos trabalhos assentam na resposta a estas questões, como Vânia Beliz, psicóloga e membro do KINDER (projeto que combate os estereótipos de género na infância). O apoio dramatúrgico foi dividido entre a Lila Vivo (cantora e letrista das Fado Bicha), que acompanhou e auxiliou todo o processo de encenação, e, pelo Mário Coelho, jovem dramaturgo distinguido com o Prémio Revelação AGEAS. A direção de movimento é do artista multifacetado Bruno Huca que, recentemente, dobrou o filme MUFASA, da Disney. À semelhança de criações passadas, a música é de João Gamory, o cenário de Pedro Silva, o desenho de luz é de Marco Lopes, o vídeo de Ricardo Reis e os figurinos foram desenhados pela autora do projeto e confecionados pela Conceição Ferreira. A animação, como já referimos, é de Artur Albuquerque. Por último, em palco, os rostos com os quais o público se irá identificar serão das talentosas Benedito José, Diogo Bach, Joana Brito Silva, Nuriel Teixeira e Rute Rocha Ferreira.
Que desafios encontraste ao questionar os estereótipos dos contos de fadas e da “jornada do herói” clássica?
Creio que o maior desafio se prende precisamente com a amplitude da representatividade. Provavelmente, não estamos a representar todas as pessoas, nem todas as suas histórias e narrativas. Mas acredito que respondemos àquilo a que nos propusemos, representar as comunidades que nunca tiveram lugar nestes enredos.
Há alguma mensagem que esperas que fique particularmente com as crianças e jovens que assistem ao espetáculo?
Sim, sem dúvida, eu quero que as crianças ou jovens que venham ver este espetáculo possam ter a mesma sensação – ainda que esta se prenda com uma visão muito ingénua do Mundo – que eu tenho ao assistir a um filme da Disney; a de que a magia, a fantasia, são possíveis.
Podes falar-nos sobre a escolha de cenários, figurinos e números musicais? Como é que estes elementos ajudam a contar a história?
Os cenários e os figurinos existem sobretudo para ajudar a pintar a ideia de “fantástico”. Uma das personagens chama-se “Cabeça-debaixo-do-braço”, porque efetivamente é aí que a tem colocada; trata-se de tornar o absurdo real, diante dos nossos olhos. Afinal, “somos todas um bocadinho malucas” como diria Lewis Carroll. Já os números musicais, por um lado, também têm esta vertente irreal, de que os problemas se resolvem a cantar, e, por outro, à semelhança dos filmes da Disney, são motores de avanço na própria narrativa, porque muitas das soluções aparecem precisamente com o desenrolar das canções.
O projeto abre espaço para reflexões sobre cidadania e decisões mais informadas. Que impacto esperas ver nos participantes a longo prazo?
Ingenuamente ou não, espera-se do público o que se espera do Mundo, que seja um lugar mais empático, porque os direitos humanos, até aqueles que não deveríamos ter de lembrar, como o direito de sonhar, não dizem respeito só a alguns, mas a todas as pessoas.
Foto: ©Ricardo Reis
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