Por Jorge Silva Melo
Sim, a partir de 1 de Junho, haverá teatros que podem abrir ao público, ainda bem.
Com todas as medidas de segurança e higiene, ainda bem.
Claro que ainda não sabemos quais exactamente nem muito menos qual será a reacção dos eventuais espectadores. Quererão ir? Quererão ficar sentados com outras pessoas, mesmo que a dois metros de distância e transpirando por trás de máscaras ? Quererão sair à noite? E os actores poderão tocar-se?
Que teatro será este depois do humano?
E de que vamos falar agora que as nossas vidas ficaram assim, desprovidas de outros, só com teleoutros? Não é de proximidade que falam as peças, amores, ódios, punhais, corpos? Que corpo é o nosso neste pós-Cronenberg? Que mundo é este que o imenso J. G. Ballard inventou a partir dos anos 60? Vamos falar do passado? Dos que sobreviveram? Vamos reunir-nos para quê? Como?
E as salas pequenas? Salas em que a lotação não atingia os 100 lugares e onde, em todo o mundo, se inventou teatro, arte sempre renovada e sempre igual? Reduzidas a 1/3 ou menos, justifica-se a sua existência? Abrir a porta para um máximo de 20 espectadores? Sempre com esse máximo? Será isso o teatro? Ou...?
Ou só haverá, reduzidos também, os grandes teatros, aqueles que outrora podiam receber 500, 700, 1000 espectadores? Em Portugal, é o caso de alguns teatros privados (tão poucos), e dos municipais-nacionais (alguns mas tão poucos também).
Isso quer dizer o quê? Que só haverá teatro nas salas grandes (reduzidas na ocasião)? Que deixaremos de existir a não ser quando algum dos grandes nos der boleia?
Sim, é com apreensão, medo, temor que desconfineremos cautelosamente, lentamente, pé ante pé.
Vão abrir teatros, sim. É bom, é.
E nós? Podemos abrir? Ou mantemos esta paz dos cemitérios?
Tanto medo.