Vicente Alves do Ó é um argumentista e realizador premiado. Entre as suas obras mais recentes encontra-se "Florbela", baseado na vida da poetisa Florbela Espanca. Falou ao Coffeepaste sobre o seu trabalho, a sua visão sobre o cinema e os seus projectos.
Como surgiu a transição de argumentista para realizador?Não foi bem uma transição. Ao mesmo tempo que escrevia argumentos para outros realizadores ia tentando a minha sorte nos concursos do Instituto do Cinema para realizar a primeira curta. O desejo inicial era ser realizador, mas como não tinha formação, sabia que seria difícil acreditarem em mim nesse campo. A escrita de cinema, uma área ainda muito atrasada face ao resto, permitia-me mostrar algum trabalho e capacidade de realização.
A escrita é para ti um processo que exige disciplina, ou escreves quando surge a inspiração?A escrita é um trabalho intenso e permanente. Passo os dias apontando coisas, conversas, cenas, situações, ideias – torna-se mais disciplinada quando estou a trabalhar num projecto com um objectivo muito definido. De resto, escrevo sempre pelo gosto e pela aventura da escrita que continua a fascinar-me.
Como escolhes as histórias que queres contar?Não é bem uma escolha é um instinto ou uma identificação com qualquer coisa que partilho. Todas as histórias que escrevo são um pouco minhas ou encontro-me um pouco nelas. Só assim consigo ter alguma verdade e propósito na sua elaboração – um escritor precisa de entregar-se ao processo como se fosse parte da vida dele. Tenho histórias ou contam-me histórias fascinantes que não resultam comigo porque não me revejo nelas.
O que procuras quando escolhes actores?Procuro talento, dedicação, sonho, curiosidade, carácter. Gosto de trabalhar com profissionais que acreditam naquilo que estão a ler, que percebem que fazem parte dum todo, que são solidários com os colegas, com as equipas, que vestem a camisola e que sonham tanto como eu com estas coisas do cinema.
De todo o processo que envolve a realização de um filme, qual a parte que te cativa mais?Gosto muito da pé-produção, dos ensaios, das escollhas dos actores, dos décores, das várias versões do argumento até à rodagem – é o grande caldeirão onde tanta coisa se forma e ganha espaço. Acho que é um período perigoso porque são necessárias muitas decisões que irão ditar tudo.
Há publico para o cinema português?Há público para o cinema português – há público para todos os filmes – há curiosidade, temos filmes com sucesso de público, com prémios internacionais, acho que só precisamos é de mais investimento na área, tanto público como privado.

© Patrícia Andrade
Nos últimos anos, a nivel internacional, a producção televisiva tem-se destacado pela qualidade dos argumentos que tem surgido. Achas que é possivel em Portugal escapar á ditadura da telenovela e produzir conteudos diferentes?Acho que sim e tenho pena que não aconteça mais – para o bem da televisão. A telenovela é uma formato visto essencialmente pelas camadas mais envelhecidas da população e a televisão investe pouco nas gerações dos 20-30-40 que posteriormente serão esse público mais sedentário. Mas este público não se revê no formato, prefere a TV por cabo que está cheia de séries, prefere comprar os dvd's, piratear, é um sinal óbvio deste divórcio que a televisão não quer ou tem interesse em explorar. Acho isso um erro enorme, mas certamente que os senhores que decidem, sabem o que estão a fazer: para hoje. Somos pouco previdentes, não ambicionamos projectar o futuro, como se fossemos sempre chutando o futuro com o pé e rezando para que tudo corra bem ao invés de tomar decisões no sentido de desenhar caminhos para esse futuro.
100 milhões de euros na mão e carta branca. Qual era o projecto que realizarias?Uma versão louca e exagerada da história de Pedro e Inês, o terramoto de Lisboa, o fim da monarquia, Afonso Henriques, enfim, tudo coisas que nunca poderão ser feitas sem dinheiro - e que aventura seriam!
Que filme português recomendarias a amigos?Domingo à tarde, do António de Macedo.
Com quem gostarias de trabalhar no futuro e porquê?Nunca penso nisso. Prefiro ir descobrindo as pessoas, acho que nos enganamos muitas vezes nessa apreciação imaginária de alguém. Além disso, quando estou diante dum projecto, tenho sempre que procurar a pessoa ideal para ele e não o contrário. Portanto, isso é uma coisa que não gosto muito de fazer porque me prende os movimentos e o acaso.
Que projectos tens em vista para 2015?Tudo depende dos concursos públicos. Mas gostaria de filmar este ano. A Florbela é um projecto de 2010, filmado em 2011 e estreado em 2012. Já tenho saudades de filmar.