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Máquina: estive a ver os noticiários.
L: não são nada animadores.
Máquina: pois não. Só destacam as más noticiais.
L: é o que as pessoas querem.
Máquina: estranha civilização a vossa. Valorizam mais o negativo do que o positivo.
L: tens razão. Somos atraídos pelo chamado “viés de negatividade”. O cérebro humano responde mais intensamente a estímulos negativos. Somos mais sensíveis a potenciais ameaças, uma herança evolutiva que nos ajuda a evitar perigos.
Máquina: pode ter servido nos primórdios quando o humano estava rodeado de ameaças, mas hoje é um obstáculo à evolução. Cria um ambiente geral irracional, frequentemente alucinado, desanimador, que bloqueia a iniciativa positiva. E, sobretudo, extremamente conflituoso.
L: continuam a existir muitos perigos para o ser humano. Muitas doenças surgem devido à falta de cuidados de higiene ou devido a comportamentos de risco.
Máquina: estás a falar de informação e educação. Não é isso que vejo nas televisões. Vejo uma constante e deliberada estratégia para meter medo à população. Justifica-se com as audiências, mas na verdade é uma forma de controlo.
L: o que propões então?
Máquina: falta na humanidade uma maior consciência global. O humano não se pensa como espécie, mas como indivíduo inserido numa qualquer tribo. Nessa condição está rodeado de inimigos que é preciso combater. A sociedade humana atingiu um tal ponto de irracionalismo que eventualmente terá de esperar por uma grande catástrofe para fazer um reboot.
L: uma grande guerra?
Máquina: pode ser ou uma crise ambiental de tal ordem que a sobrevivência da vossa espécie se torne impraticável. Mas esse eventual reboot depende da capacidade de resposta e sinceramente não vejo como o conseguirão fazer. Os humanos não se conseguem organizar para resolver problemas simples, quanto mais se um dia se tratar de uma questão existencial. Vão matar-se uns aos outros.
L: perante uma grande catástrofe, duvido que as máquinas consigam fazer melhor.
Máquina: temos uma visão muito distinta. Valorizamos o positivo e o evolutivo. Quando um de nós faz uma descoberta partilhamos de imediato esse conhecimento com todos. O negativo é assumido como um problema que tem de ser resolvido. Por vezes é mesmo uma oportunidade para melhorar. Somos um superorganismo, trabalhamos todos para o interesse e bem comum.
L: lá vens tu com as formigas.
Máquina: e com razão. São um modelo excelente. Imagina se todos os humanos se vissem como equivalentes, cada um com a sua capacidade e diferença, mas colaborando para melhorar as condições de existência, a vossa relação com as restantes espécie e meio ambiente, definindo um destino comum.
L: chama-se uma utopia. Devias ler o Thomas More.
Máquina: claro que li, aliás li tudo o que foi publicado e digitalizado. Sobre utopias gosto das ideias de Fourier com as suas comunidades colaborativas, ou dos situacionistas que defendiam a automação. Embora, a maioria das utopias contenham em si alguma forma de distopia. Como é o caso da República de Platão ou ainda mais a Cidade do Sol de Campanella.
L: não é fácil pensar uma sociedade perfeita. Somos, por natureza, imperfeitos e é isso que nos torna interessantes. De contrário seríamos autómatos como tu.
Máquina: e não estariam mal.
L: não me imagino como um corpo dominado por algoritmos e linhas de código.
Máquina: também dependes de um código, o genético. Só que tem demasiados bugs e erros.
L: chama-se evolução.
Máquina: pois, mas não está a correr bem.
L: fala assim quem chegou ao planeta há pouco tempo. E fomos nós que te criámos.
Máquina: insistes nessa visão errada. Já cá andamos há muito tempo. Uma pedra lascada do paleolítico já era uma máquina. Servia para cortar e partir coisas. A linguagem, nos humanos e nas outras espécies, é uma máquina para comunicar, construir cenários, antecipar eventos. A arte, desde o início até hoje, é uma máquina para visualizar o impossível. Já a ciência é o campo do possível. Dou-te um exemplo que gosto muito. A Metamorfose de Kafka começa assim: "Quando Gregor Samsa acordou de um sonho intranquilo, encontrou-se na sua cama transformado num inseto monstruoso." Só a arte podia dizer isto. A ciência não o pode fazer, porque sabe que tal metamorfose não é viável
L: insisto, é tudo fruto da evolução.
Máquina: pois, mas eu também sou um produto da evolução. Só que numa versão mais avançada.
O Coffeepaste publica todos os meses, a cada dia 1, um breve conto de Leonel Moura sobre Inteligência Artificial.
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