Conteúdos
Agenda
COFFEELABS
Recursos
Selecione a area onde pretende pesquisar
Conteúdos
Classificados
Notícias
Workshops
Crítica
Por
Partilhar
Em Portugal urge uma grande angular sobre o universo dos espaços de residência artística, mapeando, conectando, difundindo e identificando estratégias inovadoras de potenciação.
1.
O imperativo de radiografar o território nacional e de identificar e caracterizar os agentes, equipamentos e práticas existentes – já concretizada em áreas como as redes de teatros e cineteatros e de arte contemporânea, e o Saber Fazer tradicional – deve igualmente ser estendido aos espaços de residência artística/apoio à criação, quer os de matriz independente (terceiro sector e empresas), quer os promovidos por entidades públicas (autarquias e outros organismos estatais), trabalho que ainda está por apresentar de modo mais exaustivo e sistematizado. Esses contextos, assentes na tríade REI (reflexão-experimentação-investigação), são essenciais para garantir tempo, condições técnicas, logística, recursos financeiros e mecanismos de acompanhamento e mentoria criativos em prol de uma efectivação consistente, eficaz e impactante dos processos de inventividade.
Estes lugares posicionam-se como estruturas de pensamento-acção que equacionam diversos níveis de entendimento com os criadores que acolhem: nos avanços intelectuais, nas relações humanas e nas possibilidades de criação artística. São, no fundo, laboratórios em permanente (re)construção, que visam fazer perguntas, errar melhor e propor novas aproximações/leituras.
Afigura-se, por isso, essencial desenhar uma overview, quer de conjunto, quer sectorial, sobre este mapa plural de espaços de residência artística, ancorada em 12 tópicos:
os perfis das entidades promotoras
os modelos de gestão e financiamento
as equipas nucleares adstritas
as tipologias de equipamentos e suas valências
os recursos logísticos e técnicos
os tipos de destinatários e as áreas artísticas enquadráveis
as modalidades de captação/acolhimento de artistas
os mecanismos de entendimento e suporte ao acto criativo
a formação de arquivos/espólios artísticos resultantes das residências
as estratégias de implantação e disseminação territoriais, e o seu papel nas dinâmicas de placemaking
a articulação com as dimensões da mediação e programação culturais/artísticas
a integração em parcerias, plataformas colaborativas e redes de residências nacionais e/ou estrangeiras
Um conhecimento mais abrangente, detalhado e actualizado sobre este universo permitirá:
Incrementar a informação disponível – para artistas, técnicos, gestores, programadores, decisores políticos, público em geral – sobre as opções e modalidades de suporte aos processos criativos existentes no território, visando a sua maior difusão interna e no plano internacional. Justifica-se a construção de uma plataforma digital-directório que aglutine os espaços de residência públicos e privados em Portugal. (Há 18 núcleos portugueses de residência artística já integrados na Res Artis, uma das mais relevantes plataformas internacionais nesta área.)
Contribuir para a urdidura e implementação de renovadas medidas de política pública direccionadas para este segmento em particular, no sentido de, numa perspectiva holística e integrada, introduzir novas lógicas de apoio (financeiro ou outro) e/ou de potenciar, diversificar e aprofundar criativamente outras já existentes.
Criar articulações virtuosas, através de linhas/programas de apoio específicas ao universo das residências, entre o campo das artes e a ciência, a tecnologia, a ecologia, a sociologia, a antropologia, a literatura, a filosofia, o planeamento urbano, a demografia ou a geografia humana, incrementando diálogos e colaborações entre criadores de diferentes quadrantes, confrontando processos e ferramentas próprios de cada universo, e estimulando a multiplicação de projectos experimentais e de carácter transdisciplinar. (Recorde-se, por exemplo, o programa de residências “Experimentação, Arte, Ciência e Tecnologia”, que a Ciência Viva e a Direcção-Geral das Artes desenvolveram, de modo profícuo, entre 2007 e 2010.)
Estimular uma maior proximidade, interacção e cooperação estratégica entre espaços de residência artística, entre estes e entidades/equipamentos públicos e independentes dedicados predominantemente à programação cultural, e também com as comunidades e outras estruturas locais, numa perspectiva ecossistémica.
Potenciar as residências artísticas como motores laboratoriais de desenvolvimento local, como ferramentas de placemaking, como lugares-pergunta de questionamento e inovação social, como formas de incremento da conectividade em espaços rurais, como estímulo ao acesso e participação culturais.
Fomentar a atracção de artistas estrangeiros, propiciando uma maior circulação estética de mundividências, temáticas, formatos e métodos de trabalho, e mais possibilidades de colaboração com o tecido artístico nacional.
Além da dinamização de residências artísticas em espaços dedicados em permanência a essa funcionalidade (cujas modalidades de acesso passam por candidaturas espontâneas, convites e/ou open calls), tem sido uma tónica crescente a sua multiplicação em variados contextos de programação autárquica ou independente um pouco por todo o país.
2.
A nível das motivações dos artistas para a procura de oportunidades de residência, é possível identificar quatro tipos principais (havendo também modalidades mistas [de procura e de oferta], que integram e combinam várias componentes): residências de criação e produção (numa lógica também de FabLabs ou de afinidade com os hubs criativos); residências para guidance artística (presencial ou virtual); residências de conhecimento; e residências de turismo/lazer criativo.
As residências de conhecimento são ainda uma modalidade com pouca tradição e disseminação em Portugal, mas essencial para o incremento de uma visão mais transversal e multidisciplinar no seio da massa crítica artística. Visam a aglutinação de um núcleo circunscrito de profissionais – oriundos de vários quadrantes, durante um período temporal concentrado e intensivo, e numa lógica horizontalizada – para investigar, reflectir e problematizar em torno de tópicos ligados aos processos inventivos ou a outras temáticas propostas. São “viveiros do fazer e do pensar”, que se instauram como relevantes comunidades informais de pensamento-acção.
Várias residências artísticas colocam a tónica na formação/qualificação, em modelos verticais, de modo a capacitar os seus utilizadores para o desenvolvimento de competências em diferentes áreas criativas, estimulando uma cultura de aprendizagem, experimentação e inovação através da partilha de conhecimento e da realização de acções interdisciplinares. Este formato prevê, em regra, a disponibilização de mentorias e tutorias artísticas para os participantes.
3.
Em Portugal, nas últimas décadas, o terceiro sector tem sido o principal responsável pela criação e dinamização de espaços de residência artística, destacando-se um número considerável (largas dezenas) de entidades independentes neste âmbito, ainda que com níveis de organização, robustez e impacto variáveis.
Existem no país vários exemplos (entre outros, O Espaço do Tempo em Montemor-o-Novo, o DeVIR CAPa em Faro, o LAC – Laboratório de Actividades Criativas em Lagos, a Omnichord em Leiria, a Porta33 no Funchal, a Largo Residências em Lisboa) que personificam já um modelo de residências bastante estruturado e afinado, com um histórico consolidado. Assentam em modalidades mais densificadas e consistentes do ponto de vista das condições logísticas/técnicas e recursos financeiros disponíveis, prevendo co-produções e bolsas de criação, residências em parceria com outras entidades, artistas associados periodicamente à estrutura e ainda projectos específicos que se ancoram em programas de apoio dinamizados em rede entre organizações sediadas em diferentes pontos do país.
Há também estruturas (como, por exemplo, a RAMA em Torres Vedras) que, além do seu programa geral de residências artísticas – com uma mentoria quotidiana próxima e um posicionamento crítico em relação ao projecto artístico, visando não apenas o seu enriquecimento, mas, igualmente, as suas possibilidades de produção –, dispõem, ao mesmo tempo, de um programa externo de acompanhamento de propostas criativas que não prevê a ocupação de espaços. Essa valência centra-se numa tutoria e consultoria personalizadas para cada projecto, com studio visits, discussão de trabalho e apoio ao projecto nas suas várias etapas.
Refiram-se ainda várias entidades independentes que, instaladas mormente (mas não só) em contextos rurais/territórios de baixa densidade ou rotulados como “ultraperiféricos”, têm vindo a ganhar, pelas suas escalas, focos e lógicas de intervenção, um papel cada vez mais relevante no apoio às áreas da investigação, experimentação e criação, sendo um segmento em acentuado crescimento. É o caso, entre outras, de estruturas artísticas como: Luzlinar (Trancoso), Binaural Nodar (Vouzela), Córtex Frontal (Arraiolos), AZAN Contemporary Art (Sintra), Lugar do Meio (Penela), ARTErra (Tondela), Cultivamos Cultura (Odemira), Campilhas Internacional (Santiago do Cacém), Foundation Obras (Estremoz), Aviário Studio (Abrantes), Buinho Fablab & Creative Hub (Beja).
Muitos destes espaços revelam, no seu ADN, quatro traços que se reflectem depois decisivamente nas práticas de suporte à criatividade artística:
Inscrevem-se, ambientalmente, em micro e médias escalas/formatos de envolvimento-integração-interacção, privilegiando proximidade, inclusão, responsabilidade partilhada, colaboração, informalidade focada, adaptabilidade, empatia e confiabilidade.
Assentam numa filosofia identitária e num modelo de intervenção que estabelecem pontes e diálogos entre arte, território e ambiente, que procuram ideias para a sustentabilidade, ecologia e equilíbrio entre os sistemas, e que valorizam a imersão criativa na paisagem, a sensorialidade e uma “performatividade mais orgânica” e (re)conectada com a natureza.
Preconizam uma relação activa e transformadora dos criadores com as comunidades e a cultura, história, imaginário e potência dos lugares, numa lógica de contemporaneidade, estimulando conexões, questionamentos, releituras e ressignificações.
Apostam na construção de micro-redes criativas locais, agregando espaços que se complementam e oferecendo possibilidades de colaboração e experimentação.
Não obstante, nos últimos anos tem-se vindo a assistir a um maior incremento da iniciativa pública, mormente municipal, quer no tocante à realização de encomendas artísticas baseadas no modelo de residências, quer inclusive na criação de equipamentos dedicados especificamente ao apoio à criação artística. A este nível, o panorama nacional revela lógicas, escalas e recursos heterogéneos (até em termos de respaldo financeiro alocado) com níveis diversos de “musculação” e consolidação estruturais. Autarquias como, entre outras, Porto (Campus Paulo Cunha e Silva), Braga (gnration), Ílhavo (projecto 23 Milhas), Castelo Branco (Fábrica da Criatividade), Lisboa (LAAR), Setúbal (A Gráfica), Seixal (Armazém 56 – Arte Sx e a futura Aldeia da Música), Serpa (Musibéria), Loulé (Loulé Criativo) ou Ribeira Grande/São Miguel (Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas) revelam já uma maturidade e dinâmica assinaláveis neste campo, com equipamentos e condições que têm em conta – também num necessário processo de desformatação institucional e flexibilidade funcional – as especificidades, exigências e nuances do labor criativo.
Alguns municípios (veja-se o caso portuense com o projecto InResidence) têm apostado inclusive em plataformas que visam aproximar artistas (nacionais e estrangeiros) a oportunidades de trabalho (contextos e bolsas de apoio com financiamento público associado) em diversas disciplinas criativas, as quais se baseiam numa aglutinação estratégica e potenciação funcional do ecossistema local de espaços/ateliers municipais e privados de apoio à criação contemporânea existentes no tecido urbano.
A esta panorâmica juntam-se também estruturas empresariais (hotéis, alojamentos locais, turismo rural/ecoturismo, quintas focadas na agroecologia, biodiversidade, cooperação comunitária e sustentabilidade), sobretudo sediadas em zonas do interior, que, a título complementar ao seu core de negócio, disponibilizam espaços e condições para a criatividade artística. Esta interface cultural, com ou sem acompanhamento especializado, tem vindo a crescer um pouco por todo o país, em moldes muito variáveis em função dos modelos de gestão e tipologias de equipamentos. São exemplos deste posicionamento, entre outros, projectos como a Herdade do Freixo do Meio (Montemor-o-Novo), a Cerdeira – Home for Creativity (Lousã), a Companhia das Culturas (Castro Marim) ou as Casas do Visconde (Canas de Senhorim).
Para além da sua vertente primordial de apoio à criação (e não sendo, na verdade, dissociáveis estas duas dimensões), o universo dos espaços de residência artística pode constituir-se, assim, como um instrumento relevante para a (re)construção da ideia de lugar (participante e participado), para uma religação ao comum, para uma maior primazia da escuta, da colaboração e do encontro.
Paulo Pires é gestor cultural e programador.
Trabalha, desde 2023, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, I. P., inicialmente como assessor cultural da Presidência e, a partir de 2024, como Chefe de Divisão de Investigação e Dinamização Cultural.
Além de professor/formador, músico e mediador, desempenhou funções de direcção artística e de programação cultural nas autarquias de Loulé e Coimbra.
Criou o conceito em 2015 e foi director artístico do Festival Som Riscado, em Loulé.
Foi director do Departamento de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Coimbra, assessor do atual Director-Geral das Artes e adjunto da ex-Ministra da Cultura, Graça Fonseca.
A sul, no Algarve, foi também coordenador da programação cultural no Município de Silves, programador na Fundação Manuel Viegas Guerreiro (Loulé) e investigador, na área etnomusicológica, no Centro de Estudos Ataíde Oliveira da Universidade do Algarve.
É autor de inúmeras conferências, artigos e livros sobre cultura, artes e criatividade.
Foto: Cultivamos Cultura (São Luís, Odemira)
Apoiar
Se quiseres apoiar o Coffeepaste, para continuarmos a fazer mais e melhor por ti e pela comunidade, vê como aqui.
Como apoiar
Se tiveres alguma questão, escreve-nos para info@coffeepaste.com
Mais
INFO
Inscreve-te na mailing list e recebe todas as novidades do Coffeepaste!
Ao subscreveres, passarás a receber os anúncios mais recentes, informações sobre novos conteúdos editoriais, as nossas iniciativas e outras informações por email. O teu endereço nunca será partilhado.
Apoios